sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Ayahuasca, uma revolução ancestral. Parte 2.


Neste texto vamos apresentar uma visão biológica da Ayahuasca, seus elementos químicos e seus efeitos. A Ayahuasca é preparada principalmente a partir do cipó Banisteriopsis caapi (o Mariri) e da folha de Psycotria viridis (a Chacrona).

O cipó Banisteriopsis caapi, da família Malpighiaceae, contém alcalóides β-carbolinas, como harmina, harmalina e tetra-hidro-harmalina, que atuam como inibidores da MAO (monoaminoxidase). A concentração desses alcaloides no cipó varia de 0,05% a 1,95%. A Psycotria viridis, da família Rubiaceae, possui N,N-dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide derivado indólico que age nos receptores da serotonina, em concentrações que variam de 0,1% a 0,66%. Em 200 mL de Ayahuasca, as análises quantitativas indicam aproximadamente 30 mg de harmina, 10 mg de tetra-hidro-harmalina e 25 mg de DMT.

Para compreender o mecanismo de ação da Ayahuasca, é fundamental entender o papel da serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT). Essa substância distribui-se amplamente nos tecidos animais, sendo mais de 90% encontrada nas células enterocromafins do trato gastrointestinal. No sangue, a serotonina está presente nas plaquetas, e no cérebro, nos núcleos da rafe do tronco cerebral, onde neurônios triptaminérgicos a sintetizam, armazenam e liberam como neurotransmissor. A serotonina cerebral está envolvida em funções como sono, humor, regulação da temperatura, percepção da dor e regulação da pressão arterial, e pode estar ligada a condições patológicas como depressão, ansiedade e enxaqueca. Ela é metabolizada pela MAO em 5-hidroxindol acetaldeído. A serotonina exerce suas ações mediadas por receptores na membrana celular, como o 5-HT1a (nos núcleos da rafe e hipocampo, diminuindo o AMP cíclico), o 5-HT1b (no globo pálido e gânglios da base, diminuindo o AMPc), o 5-HT1c (no coroide e hipocampo, aumentando o IP3), e o 5-HT2 (nas plaquetas, músculo liso, córtex cerebral e fundo do estômago, aumentando o IP3). O aumento de IP3 leva ao aumento da secreção e motilidade em órgãos e tecidos. Os principais efeitos da serotonina no sistema cardiovascular incluem contração do músculo liso e potente vasoconstrição (exceto em músculos esqueléticos e no coração), além de causar vasodilatação e agregação plaquetária no coração. No trato gastrointestinal, causa contração da musculatura lisa, aumentando o tônus e facilitando o peristaltismo, e o excesso de serotonina em tumores associa-se à diarreia intensa. Na respiração, tem pequena ação estimulante do músculo liso bronquiolar. No sistema nervoso, é um potente estimulador das terminações nervosas sensoriais para dor e prurido, e ativadora das terminações quimiossensíveis no leito vascular coronário, associada à bradicardia e hipotensão.

O DMT é um potente alucinógeno quando administrado por via parenteral em doses de 25 mg, agindo como agonista dos receptores 5-HT1a, 1b, 1d, 5-HT2a e 2c. No entanto, por via oral, é inativado pela enzima MAO intestinal e hepática. As β-carbolinas, por sua vez, possuem propriedades alucinógenas e contribuem para a atividade da Ayahuasca. Sendo inibidoras da MAO, as β-carbolinas impedem a desaminação intestinal do DMT, permitindo que ele chegue ao cérebro mesmo após ingestão oral. Além disso, elas aumentam os níveis de serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina no cérebro. Os efeitos sedativos de altas doses de β-carbolinas resultam do bloqueio da desaminação da serotonina. A tetra-hidro-harmina (THH), a segunda β-carbolina mais abundante na Ayahuasca, atua como um fraco inibidor da recaptação do receptor 5-HT e inibidor da MAO, podendo prolongar a meia-vida do DMT ao bloquear sua recaptação intraneuronal. A THH também pode bloquear a recaptação neuronal da serotonina, elevando os níveis de 5-HT na fenda sináptica, e pode atenuar os efeitos da ingestão oral de DMT por competir com os sítios receptores pós-sinápticos. A ação da bebida se deve à interação das β-carbolinas com o DMT, que juntas potencializam as propriedades alucinógenas, considerando que as β-carbolinas aumentam as concentrações de DMT.

Os efeitos da Ayahuasca aparecem em aproximadamente 30 a 45 minutos e podem durar até quatro horas. Os efeitos subjetivos incluem visões de imagens com os olhos fechados, delírios semelhantes a sonhos e sensação de vigilância e estimulação. É comum a ocorrência de hipertensão, palpitação, taquicardia, tremores, midríase, euforia e excitação agressiva. Náuseas, vômitos e diarreia são frequentes e podem estar associados à ação no receptor 5-HT2. Algumas β-carbolinas foram identificadas como causadoras de efeitos co-mutagênicos, possivelmente por interagirem com ácidos nucleicos. Por serem inibidoras da MAO, essas substâncias podem causar a síndrome serotoninérgica, uma patologia grave decorrente do excesso de serotonina. A "miração", uma ação alucinógena específica e frequente, caracteriza-se por visões de animais, "seres da floresta", divindades, demônios, sensação de voar, e a substituição do corpo pelo de outro ser, variando conforme a experiência individual. A Ayahuasca pode induzir ilusões visuais, auditivas, olfativas e dos demais sentidos.

Os "estados alterados de consciência" provocados pelo chá podem ser vistos como alterações da percepção, cognição, volição e afetividade. A avaliação da intensidade dos efeitos da Ayahuasca, usando a Escala de Mensuração dos Alucinógenos (HRS) após a ingestão de cerca de 150 mL do chá, mostrou resultados semelhantes a uma dose intravenosa de 0,1 a 0,2 mg/kg de DMT nos espectros de intensidade, afeto, cognição e volição. Na percepção, foi comparável a 0,1 mg/kg de DMT, e na sinestesia, inferior à menor dose de DMT intravenosa (0,05 mg/kg). A maioria dos alucinógenos que atuam no receptor 5-HT leva ao fenômeno de tolerância, que exige doses maiores para os mesmos efeitos ou diminui o efeito inicial com a mesma dose. Contudo, um estudo de 1997 demonstrou que o DMT, quando usado isoladamente, não causou desenvolvimento de tolerância crescente após doses subsequentes.


Até aqui, o texto foi baseado no trabalho de Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005. O texto original foi adaptado por uma IA. Tomei a liberdade de realizar esse procedimento para destacar que os dados científicos não precisam de interpretação ou de tradução, afinal, um charuto é apenas um charuto. O que precisamos compreender é que a base em que esses elementos químicos irão atuar é um ser humano singular, portanto, cada efeito, em cada corpo, em determinado momento, também é singular.

Na história da humanidade, com o movimento chamado Iluminismo, se determinou a separação entre ciência e religião, entre corpo e espírito. Porém, depois de Einstein e Freud, podemos afirmar que esta separação é uma falácia. Ou, tudo é energia.

“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.” (Airton Krenak, O amanhã não está a venda.)

Assim como palavras combinadas e articuladas formam frases e textos que, como um todo transmitem um significado complexo que transcende a soma dos significados individuais das palavras, DMT, MAO, harmalina, alcaloides, serotonina, são elementos que, combinados e articulados no todo humano, transcendem a soma de seus efeitos.

Ayahuasca, uma revolução ancestral. Parte 1.




A história sobre o chá da Ayahuasca remonta desde o Império Inca e vem sendo utilizado milenarmente por indígenas que vivem na região da Amazônia como prática espiritual e ritual. Com a chegada de outros povos ao Brasil, não-indígenas passaram a fazer uso do chá. Essa utilização vem aumentando desde a liberação do uso da Ayahuasca para fins religiosos no Brasil. A ação do chá deve-se à presença de alcaloides nas plantas utilizadas na sua preparação: o cipó Banisteriopsis caapi, chamado de Mariri; e as folhas do arbusto Psycotria viridis, chamado de Chacrona.

A palavra Ayahuasca é de origem indígena. Aya quer dizer “pessoa morta, alma espírito” e waska significa “corda, liana, cipó ou vinho”. Assim a tradução, para o português, seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”. No Peru, encontrou-se o seguinte significado: “soga de los muertos”.

Diversos povos indígenas, que vivem desde a região da Amazônia até o sul dos Andes, fazem uso da Ayahuasca, especificamente, é utilizada por cerca de 72 tribos distintas da Amazônia, dentre elas destacam-se os Kaxinawá, Yaminawa, Sharanawa, Ashaninka, Airo-pai, Baranara, dentre muitas outras. Para estas civilizações, as manifestações religiosas ocorrem na forma de mitos ligados à realidade do meio que os cercam. Para os Kaxinawá a natureza possui alma, vontade e ordem própria, revelando que o espírito da mesma é uma energia vital responsável por todo o fenômeno em qualquer parte do mundo. Assim, a natureza não está fora do humano, o humano está dentro da natureza. Para os Kaxinawá, a natureza não existe sem ser permeada pelo espiritual.

A ingestão da bebida seria, ainda, fundamental para o destino do indígena depois da sua morte. Somente com o chá, o ser humano poderia perceber a separação entre o espírito e o corpo. Sem isso o corpo ficaria louco e não conseguiria alcançar a “aldeia celeste”, que seria o destino final do espírito. E, também, somente com o chá se pode adquirir a força necessária para enfrentar “a luta espiritual com a onça gigante e não ser devorado por esta, que está no meio do caminho para a aldeia celeste”. Entre os Ashaninka, a Ayahuasca significa virtude religiosa e moral, sendo seu uso ligado a um dever, cuja principal característica é a eternidade. Dentre as culturas indígenas, as visões causadas pelas plantas são consideradas verdades absolutas, e mais, as visões seriam a verdade. Para estas civilizações, a vida cotidiana seria uma ilusão ou um período transitório. O verdadeiro aspecto da vida na Terra é aquele contemplado nas visões sob o efeito do chá. A planta revelaria as coisas como elas realmente são, revelaria a essência dos seres, e neste caso todos seriam iguais, todos com aspecto humano, mas não são humanos e sim seres da natureza que vivem em um espaço próprio, onde eles vêem tudo e sabem de tudo.

Aqui, destaco Teilhard de Chardin, um padre francês que faleceu em Nova Iorque em 1955, a quem é atribuída a frase: “somos seres espirituais vivendo uma experiência humana”. Uma pessoa com uma ancestralidade completamente diversa de qualquer indígena sul americano, mas com a mesma percepção.

A Ayahuasca é considerada, ainda, como sendo a fonte de todo o conhecimento necessário para se viver corretamente em todos os aspectos (pessoal, moral, social, espiritual, ancestral, com os animais, plantas e seres sobrenaturais). Por fim, temos os efeitos terapêuticos da planta que é ao mesmo tempo aquilo que permite o diagnóstico, bem como a cura para inúmeros males.

O importante de todo este prólogo é que esses elementos se fazem presentes nos diversos grupos não-indígenas que utilizam o consumo da Ayahuasca em seus rituais, pois esses elementos são efeitos produzidos pelo consumo do chá.

Eu, pessoalmente, faço uso da Ayahuasca há mais de 7 anos, bebendo o chá, geralmente, a cada 15 dias. O que eu posso dizer, da minha experiência pessoal, é que os elementos descritos nas pesquisas que foram fonte desse texto estão também presentes em minha experiência subjetiva.

Encerro deixando a reflexão: os efeitos produzidos pelo chá são determinados pelo ritual? Ou são os efeitos do chá na psique humana que determinam os rituais?

No próximo texto pretendo trazer algumas informações de estudos sobre a ação dos alcaloides encontrados na Ayahuasca.


Fontes:

Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005.

Labate, B.C.; Araújo, W.S. - O uso Ritual da Ayahuasca. Mercado das Letras. FAPESP, São Paulo, 2002.


Um grito fraco para uma samambaia surda


    Assistir ao espetáculo Filoctetes em Lemnos com Vinícius Torres Machado nos impõe um ato de persistência. A cena descrita no título é um bom momento para definir a peça e é também um bom momento para se levantar e sair da sala de espetáculo.

    Eu consegui, por teimosia, continuar sentado assistindo o transcorrer das cenas até o show bizarro e os agradecimentos, talvez um momento final do espetáculo, a partir do qual os guerreiros podem continuar sua odisseia. Mas não. Vinícius volta à cena, se senta, e espera, ele ainda espera seu resgate. A partir deste momento muitas pessoas fazem a leitura de fim, se levantam, saem da sala, sem aplausos, o ator continua em cena, continua sem dizer.

    Imagino o Vinícius ainda lá, sentado, esperando, as portas do teatro se fecharam, a equipe de manutenção organizou o espaço, os técnicos fizeram suas revisões, e ele permaneceu lá, sentado, esperando. Deve estar lá, agora. Nós sabemos que não.

    Filoctetes em Lemnos com Vinicius Torres Machado é um espetáculo que, quanto menos eu gosto, mais eu admiro.

    Como espectador, na escuta flutuante adequada a um espectador, eu saí da sala, na realidade, um galpão, incomodado, com vontade de preencher aquele vazio de palavras encobertas por camadas de signos elaborados por uma masturbação intelectual típica dos acadêmicos do Teatro.

    E, no meu direito a elaborar as minhas próprias masturbações intelectuais, atingi meu orgasmo.

    A frase que recebemos ao entrar no espaço nos informa sobre a espera de 10 anos, o período que durou a Guerra de Tróia, até que os gregos, através do oráculo Heleno; um oráculo de Tróia, capturado pelos gregos; recebem a informação de que, para vencer a guerra, eles precisam do arco de Héracles.

    Mas o arco de Héracles está com o Filoctetes, que os gregos abandonaram em uma ilha deserta na viagem até Tróia, pois ele havia sido picado por uma cobra e gritava muito com as dores causadas por esse acontecimento.

    E o cavalo? Para que serviria o cavalo se os gregos não tivessem resgatado o FIloctetes com seu arco?

    Vejam que a narrativa é complexa. Alcançar essa narrativa de forma cênica, sem palavras, não é uma tarefa simples para um relês expectador. E pior. Para que me serve essa narrativa no ano 2025 de nosso senhor Jesus Cristo?

    Aí me vem à mente outra guerra em curso, não uma guerra, um genocídio, o Estado de Israel matando o povo na Faixa de Gaza. Esse genocídio vai completar dois anos em 7 de outubro. Será que teremos que esperar 10 anos, até que algum Heleno nos diga para resgatar FIloctetes da ilha e acabar com esse massacre?

    Talvez. Enquanto isso nós seremos essa plateia apática, como a samambaia, da cena título desse texto.. Podemos sair da sala insatisfeitos, incomodados, iremos comer uma pizza na 1900, discutir o belo projeto de iluminação do espetáculo e seus enigmas simbólicos transcendentais e continuar contando os corpos, os corpos de mulheres e crianças palestinas, os corpos de jovens negros nas periferias do Brasil. Não nos faltam fontes e origens e opções de corpos para contar. Continuemos então, com tantos corpos para contar, esperando nosso resgate em nossas ilhas, cada um na sua.

    Cabe aqui trazer uma tradição da história do povo hebreu. Quando o Rei Davi estava em seu leito de morte, ele deu dois conselhos para seu filho, Salomão. O primeiro era que Salomão não deveria acreditar nos profetas. O segundo era que Salomão deveria matar seu meio-irmão, Adonias, filho primogênito de Davi, que teria direito ao trono. Portanto, no caso de Gaza, seguindo os princípios hebreus, o que Heleno disser não será ouvido, e o arco de Filoctetes não irá por um fim ao genocídio na Faixa de Gaza, pois o designío é matar o irmão que tem direito ao trono.

    Vejam só, quanta reflexão podemos extrair de um espetáculo que não disse nada.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Carta para um amigo não tão distante

    Cá estou nesta longa viagem dias adentro.

    Eu, que sempre fui auto suficiente, me pego agora questionando minha solidão.

    Trouxe comigo vários livros para preencher meu tempo, me fazer companhia. Suíte Tóquio, A vida invisível de Eurídice Gusmão, Canção para ninar menino grande, estes já lidos, e agora Um beijo de colombina. Seleção maravilhosa da bibliotecária do SESC, faço questão de citar.

    Neste, do agora, a personagem encontra uma rosa como Manuel Bandeira, uma rosa branca, sozinha no mundo, sozinha no tempo, e tudo ao redor da rosa era excesso. A rosa da personagem estava no meio de um canteiro malcuidado de uma lanchonete de beira de estrada. A minha rosa é apenas… apenas? uma palavra entre tantas outras. Assim como eu, uma pessoa no meio de tantas outras.

    Esta rosa me fez parar a leitura. Esta rosa me fez parar e observar minha respiração. Esta rosa me fez conversar contigo, sem sua presença, o que é bastante comum. É muito bom quando isto acontece pois nestas conversas você apenas ouve o que eu quero dizer, não responde, não comenta. Às vezes eu ouço uma risada dentro da minha cabeça sem saber se a risada foi minha ou se foi sua, como agora.

    Escalar o Pico dos Itatins. Me deliciar nas diversas banheiras de hidromassagem nas corredeiras da cachoeira do Paraíso. A visita à Prainha e depois, uau, uma pausa semibreve ocupando todo o tempo do compasso, a trilha e a praia do Índio. Aqui sim, uma solidão absoluta. Uma praia toda minha. Todas as ondas para me banhar. Todas as sombras para me proteger. Entendi a origem do nome da praia, da pessoa que viveu ali por anos, sozinha, como o carvalho em Luisiana do Walt Whitman. Bem sei que eu não poderia. Mas por quase uma eternidade eu vivi, ali, só, pleno, sem vontade de sair.

    Essa contradição me interessa. No mesmo prazer da solitude, a sensação de falta, da ausência de companhia.

    Descobri como eu preenchia esta solidão no tempo passado, eu escrevia, escrevia muito.

    Nunca havia estabelecido essa relação até ler Um beijo de colombina. Agora eu percebo. Quando a solidão se faz presente a escrita me faz companhia, como agora, e as palavras preenchem a ausência.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Autoritarismo e conformidade, as bases da política

CATILINÁRIA: DISCURSO DE CÍCERO CONTRA CATILINS VALE PARA O BRASIL

   – Já que és um político – sorriu Cícero – talvez possas dizer-me o que é um político?
   – Um farsante – respondeu Graco, secamente. 
   – Pelo menos és franco.
   – É minha única virtude, e uma virtude extremamente valiosa. Num político as pessoas confundem-na com honestidade. Verás: nós vivemos numa república. Isto significa que há muita gente que não tem nada e um pequeno número que tem muitíssimo. E aqueles que têm muitíssimo precisam ser defendidos e protegidos por aqueles que nada têm. Não somente isto. Os que têm muito precisam proteger sua propriedade e, portanto, aqueles que não têm nada devem estar dispostos a morrer pela propriedade de gente como tu ou como eu e nosso bom anfitrião Antônio. Além disso, gente como nós tem muitos escravos. Esses escravos não gostam de nós. Não devemos cair na ilusão de que os escravos amam seus donos. Não amam e, portanto, os escravos não nos protegerão contra outros escravos. De modo que os muitos que não têm escravo algum, devem estar dispostos a morrer para que possamos ter nossos escravos. Roma mantém um quarto de milhão de homens armados. Estes soldados devem estar dispostos a ir para terras estrangeiras, a marchar até que seus pés estejam completamente desgastados, a viver na sujeira e na miséria, a ensanguentar-se, de modo que nós possamos estar seguros em viver com comodidade e aumentar nossa fortuna pessoal. Quando estas tropas saíram para lutar contra Espártaco, tinham menos a defendo do que os escravos e, não obstante, morreram aos milhares lutando contra eles. Poderíamos ir mais longe. Os camponeses que morreram lutando contra os escravos estavam no exército, em primeiro ugar, porque foram expulsos de suas terras pelos latifúndios. As plantações, nas quais trabalham os escravos, os transformaram em miseráveis sem terra; e, depois, morreram para manter intactas as plantações. Poderíamos nos sentir tentados a dizer reductio ad absurdum. Considera, pois, querido Cícero, o que o bravo soldado romano perde se os escravos vencem? Eles, na realidade, vão necessitá-los desesperadamente, pois não há escravos suficientes para trabalhar adequadamente a terra. As terras seriam insuficientes para todos e nossos legionários teriam o que mais sonham ter, seu pedaço de terra e sua casinha. E, no entanto, marcham para destruir seu próprio sonho, para que dezesseis escravos carreguem um porco velho e gordo como eu numa liteira acolchoada. Poderias negar a verdade do que digo? 
   – Penso que, se o que dizes fosse dito em voz alta por um homem comum, no Foro, crucificá-lo-íamos. 
   – Cícero, Cícero – ri Graco –, isto é uma ameaça? Sou demasiado gordo, pesado e velho para ser crucificado. E por que ficas tão nervoso quando escutas a verdade? É necessário mentir aos outros. É necessário que tenhamos de crer nas nossas mentiras? 
   – É tal como dizes. Tu simplesmente omites a pergunta-chave: É cada homem igual a outro ou diferente do outro? Há uma inconsistência em teu pequeno discurso. Tu dás por assentado que os homens são semelhantes como as ervilhas numa vasilha. Eu não. Existe uma elite, um grupo de homens superiores. Se os deuses os fizeram desta maneira ou as circunstâncias fizeram-nos encaixar em seus papéis, isto não é algo que se deva discutir. São homens feitos para governar e, por isso, governam. E porque os demikas são como gado, comportam-se como gado Olha só: apresenta uma tese, a dificuldade é explicá-la. Apresenta uma sociedade, mas se a verdade fosse tão ilógica como teu retrato, a estrutura inteira entraria em colapso em um só dia. O que não explicas é o que mantém funcionando este quebra-cabeça ilógico. 
   – Claro que o faço – acrescenta Graco, – Eu o mantenho funcionando. 
   – Tu? Somente tu?
  – Cícero, pensas realmente que sou um idiota? Vivi uma vida longa e perigosa e continua por cima. Perguntaste-me antes o que é um político. O político é o cimento desta casa louca. O patrício não o pode fazer sozinho. Em primeiro lugar, pensa da mesma maneira que tu pensas e aos cidadãos romanos não lhes agrada que lhes digam que são gado. Não o são – coisa que algum dia aprenderás. Em segundo lugar, o patrício não sabe nada sobre os cidadãos. Se fosse deixado por sua conta, a estrutura entraria em colapso num só dia. Por isso, recorre a pessoas como eu. Não poderia viver sem pessoas como eu. Nós racionalizamos o irracional. Nós convencemos as pessoas de que deve renunciar a uma porção de sua fortuna para manter o resto. Nós somos como magos. Nós fabricamos uma ilusão e a ilusão é à prova de todos. Nós dizemos ao povo: ‘tu és poder’. Teu voto é a fonte da força e glória de Roma. Vós sois o único povo livre do mundo. Não há nada mais precioso que tua liberdade, nada mais admirável que tua civilização. ‘E tu controlas tudo; tu és o poder’. Eles, então, votam por nossos candidatos. Choram por nossas derrotas. Gozam com alegria por nossas vitórias. E se sentem orgulhosos e superiores porque não são escravos. Não importa quão baixo estejam não importa se dormem na rua, se ocupam os assentos públicos nas corridas e na arena todo dia, se matam os seus recém-nascidos, se vivem graças à caridade alheia, e nunca levantam a mão para trabalho algum, desde o seu nascimento até a sua morte, o importante é que eles não são escravos. Eles são uma porcaria, mas cada vez que veem um escravo seus egos se levantam e se sentem cheios de orgulho e poder. Então sabem que são cidadãos romanos e que o mundo inteiro sente inveja deles. E esta é a minha arte peculiar, Cícero. Jamais denigras ou desprezes um político.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Leitura de I Ching com varetas

Durante muitos anos desenvolvi a prática de leitura do I Ching com varetas, estudando textos de C. G. Jung. A partir desta prática e dos estudos, preparei uma oficina de "Leitura do I Ching com varetas".

Projeto de HistóriaS

Obtive minha formação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto em 2003 (Bacharelado e Licenciatura) e iniciei minha carreira como Professor na Rede Municipal de Ensino de São Paulo em 2010.
Neste período, desenvolvi diversos resumos e mapas mentais para auxiliar minhas aulas, nunca prontos, sempre em aprimoramento:














sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Independência ou dívida?

O Brasil de fato conquistou a sua Independência pagando milhões de libras esterlinas a Portugal numa negociação mediada pelo Excelentíssimo Cavaleiro de Sua Majestade Britânica Sir Charles Stuard, Grão Cruz da Ordem da Torre e Espada, em 1825.
O Brasil comprou a sua Independência. O tratado que oficializou o ato, chamado de reconhecimento, foi publicado em vários jornais brasileiros, inclusive em Salvador. O Correio da Bahia publicou a íntegra do documento, em setembro de 1825; não fala em valores e para isso usa do eufemismo “aceitando a mediação de sua majestade britânica para o ajuste de toda a questão incidente à separação dos dois estados”. A “questão incidente” era de 2 milhões de libras esterlinas, valor pago a título de indenização.
Pelo tratado publicado no jornal baiano, em setembro de 1825, Portugal reconhece o Brasil como país independente e “promete não aceitar proposições de quaisquer colônias portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil”. O dinheiro foi tomado de empréstimo nos bancos ingleses, mas não chegou na íntegra dos valores conveniados aos cofres de Portugal. A operação bancária passou por Londres que reteve 1,4 milhões de libras esterlinas, a título de pagamento da dívida externa de Portugal para com os britânicos. Está explicado o interesse dos britânicos em mediar o tratado.
Em 7 de setembro, D. Pedro proclamou a famosa frase: Independência ou Morte. Esse mote foi um impulso para a multiplicação de hinos, representações e sentimento de amor à pátria. Porém, nesse momento ainda não se tinha com precisão a data da independência. Em junho havia tido a convocação da Assembleia Constituinte para o Reino do Brasil, em outubro se deu a aclamação de D. Pedro I no Rio de Janeiro e somente em dezembro é que ele foi oficialmente coroado. Assim, a firmação do 7 de setembro como data oficial da Independência foi mais uma conveniência simbólica do processo todo.

sábado, 16 de junho de 2018

DA NECESSIDADE DE ESTUDAR HISTÓRIA

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"... o estudo da história visa acima de tudo nos tornar cientes de possibilidades que talvez não levássemos em consideração. Historiadores estudam o passado não para poder repeti-lo, e sim para poder se libertar dele.
Cada um de nós e todos nós nascemos numa determinada realidade histórica, governada por normas e valores específicos e conduzida por um sistema econômico ímpar. Vemos essa realidade como fato consumado e a achamos natural, inevitável e imutável. Esquecemos que nosso mundo foi criado numa cadeia de eventos acidental e que a história configurou não apenas a tecnologia, a política e a sociedade, mas também nossos pensamentos, temores e sonhos. A mão fria do passado emerge na direção de um único futuro. Sentimos essa constrição desde o momento em que nascemos, e assim presumimos que ela é parte natural e inescapável do que somos. Portanto, raramente tentamos nos livrar dela para antever futuros alternativos.
O ESTUDO DA HISTÓRIA TEM O OBJETIVO DE NOS LIVRAR DESSA SUBMISSÃO AO PASSADO. ELE NOS PERMITE VOLTAR A CABEÇA PARA MAIS DE UMA DIREÇÃO E COMEÇAR A PERCEBER POSSIBILIDADES INIMAGINÁVEIS PARA NOSSOS ANTEPASSADOS. AO OBSERVAR A CADEIA ACIDENTAL DE EVENTOS QUE NOS TROUXE ATÉ AQUI, NOS DAMOS CONTA DE COMO NOSSOS PENSAMENTOS E SONHOS GANHARAM FORMA - E PODEMOS COMEÇAR A PENSAR E SONHAR DE MODO DIFERENTE. O ESTUDO DA HISTÓRIA NÃO DIRÁ QUAL DEVE SER NOSSA ESCOLHA, MAS AO MENOS NOS DARÁ MAIS OPÇÕES."
(HOMO DEUS, de Yuval Noah Harari, p 67)

domingo, 21 de agosto de 2016

O início de uma nova ditadura no Brasil (?)

Há algum tempo estou postando e comentando que está em curso um novo golpe semelhante e duradouro ao que iniciou-se em 1964. É uma frase simples e que provoca reflexão. Mas será verdadeira? Não estou recorrendo à mesma estratégia da mídia manipuladora e dos defensores acéfalos da elite medíocre e reacionária existente em nosso país? Ou seja, não estou usando uma falácia poderosa para convencer leitores menos aparelhados conceitualmente? Existe realmente consistência crítica em minha afirmação?
Bem, como professor e estudioso de História, não posso me dar ao luxo de garantir minha afirmação apenas baseado em minha pressuposta experiência acadêmica e profissional. Portanto, me dispus a deixar a preguiça de lado e comecei a ler a obra de Elio Gaspari sobre a Ditadura Militar (seus quatro livros publicados até agora, A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e a Ditadura Encurralada).
Comprei estes livros na época em que trabalhava na extinta Livraria Cultura e tinha o privilégio de adquirir mais livros do que era capaz de ler pois, sim, a leitura crítica exige esforço, o estudo sério exige esforço intelectual. E vem daí a crítica aos comentaristas e críticos sem consistência, sem formação e sem conteúdo. Repetir frases feitas é fácil. Decorar versículos bíblicos e usá-los como verdades absolutas é ainda mais fácil. Entender e compreender exige dedicação, exige tempo, exige esforço.
Para minha satisfação, logo no primeiro volume, A Ditadura Envergonhada – as ilusões armadas, Elio Gaspari faz uma “Introdução” à sua extensa obra onde já se evidencia muito do que estou afirmando. Não. Minha tarefa não se reduzirá à leitura de um único capítulo. Vou ler a obra toda. Se encontrar paradoxos ou antagonismos, estou pronto a enfrentá-los, sem medo, sem preguiça. Mas nesta pequena introdução (são apenas 20 páginas), Elio Gaspari destaca exatamente o aspecto de que comandar uma ação não implica que o resultado esteja sob seu comando. Existir uma boa intenção ao se defender uma ideia não implica que a realização desta ideia produza os efeitos esperados.
Assim, podemos aprender com um erro, ou repeti-lo até a morte. E o erro não está apenas no grupo de pobres empregados que defendem a riqueza de seus patrões. O erro está também em uma proposta de partido que se utiliza de concessões como forma de barganha do poder para efetivar seus projetos. Junto a forças maiores estão os interesses mesquinhos. No tabuleiro de xadrez movimentam-se peões e rainhas, peças brancas e peças pretas. E no tabuleiro da vida a diversidade das peças é tão imensa quanto o número de pessoas que dela participam.
A diferença está basicamente na instituição utilizada para efetivar o golpe nas diferentes épocas. Se em 1964 foi utilizado o poder militar para garantir o golpe, nos dias atuais está sendo utilizado o poder jurídico.
Enfim, não posso reproduzir aqui todas as vinte páginas da introdução da obra, mas recortei alguns trechos que destacam a minha ideia. Se alguém dispuser de tempo e disposição, poderá ler o capítulo todo, até mesmo a obra toda, porque não?

(21) INTRODUÇÃO
...
(22) - Frota, nós não estamos mais nos entendendo. A sua administração no ministério não está seguindo o que combinamos. Além disso você é candidato a presidente e está em campanha. Eu não acho isso certo. Por isso preciso que você peça demissão.
- Eu não peço demissão – respondeu Frota.
- Bem, então vou demiti-lo. O cargo de ministro é meu, e não deposito mais em você a confiança necessária para mantê-lo. Se você não vai pedir demissão, vou exonerá-lo.
...
(33) No início da noite do dia 12 o presidente empossou o novo ministro no palácio do Planalto, diante das principais autoridades do país. Nessa cerimônia deu-se um rápido episódio. Durou apenas alguns segundos, e, afora as pessoas nele envolvidas, ninguém o percebeu. Logo que Bethlem assinou o termo de posse, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maciel, moveu-se na direção do general. Geisel, que estava ao seu lado, supôs que o jovem deputado fosse cumprimentar o ministro. Congelou a cena chamando Bethlem: “Ministro, quero apresentá-lo ao presidente da Câmara”. Passaram-se anos sem que Maciel desse importância ou buscasse explicação para a cena. Para Geisel, tudo fora muito simples: “Não é o presidente da Câmara quem se apresenta ao ministro (34) do Exército, mas o ministro do Exército, um colaborador do presidente, que deve ser apresentado ao presidente da Câmara”.
...
No dia 12 de outubro de 1977, com a demissão de Frota, dissolveu-se a mais perversa das anomalias introduzidas pela ditadura na vida política (35) brasileira, restabelecendo-se a autoridade constitucional do presidente da República sobre as Forças Armadas. Encerrou-se o ciclo aberto em 1964, no qual a figura do chefe do governo se confundia com a de representante da vontade militar, tornando-se ora seu delegado ora seu prisioneiro. A maioria dos instrumentos jurídicos do regime ditatorial sobreviveria ainda por alguns anos, mas a recuperação do poder republicano do presidente significou a disponibilidade do caminho da redemocratização. Paradoxalmente, essa restauração partiu não só de um presidente militar, mas do mais marcial dos generais que ocuparam a Presidência. Geisel restabeleceu o primado da Presidência por meio de uma crise militar da qual manteve afastados os políticos, a imprensa e a opinião pública. Podem-se contar nos dedos de uma só mão os civis que tiveram algum tipo de relevo na jornada de 12 de outubro e 1977. Nesse paradoxo, contudo, não está mais uma das charadas da vida política do país, e sim a solução do enigma que acompanha tanto os mecanismos pelos quais os militarem tomam o poder como aqueles pelos quais o deixam.
...
Desde 1968, quando através da vigência do Ato Institucional nº 5 o Brasil entrara no mais longo período ditatorial de sua história, dois presidentes prometeram restaurar as franquias democráticas. Geisel, o único a não fazer essa promessa, acabou com a ditadura. Entre 1974, ao assumir o governo, e 1979, ao deixá-lo, transformou uma Presidência inerte, entregue a um colegiado de superministros, num governo imperial. Converteu uma ditadura amorfa, sujeita a períodos de anarquia militar, num regime de poder pessoal, e quando consolidou esse poder – ao longo de um processo que culmina no dia 12 de outubro de 1977 – desmantelou o regime. Quando assumiu, havia uma ditadura sem ditador. No fim de seu governo, havia um ditador sem ditadura. No dia 31 de dezembro de 1978, 74 dias antes da conclusão de seu mandato, acabou-se o Ato Institucional (36) nº 5, o instrumento jurídico que vigorava por dez anos, por meio do qual o presidente podia fechar o Congresso, cassar mandatos parlamentares e governar por decretos uma sociedade onde não havia direito a habeas corpus em casos de crimes contra a segurança nacional. Antes, acabara com a censura à imprensa e com a tortura de presos políticos, pilares dor regime desde 1968.
O objetivo desta obra é contar por que e como Geisel e Golbery, dois militares que estiveram na origem da conspiração de 1964 e no centro do primeiro governo constituído após sua vitória, retornaram ao poder dez anos depois, com o propósito de desmontar a ditadura. Geisel era um moralista, defensor convicto de um Executivo forte, adversário do sufrágio universal como forma de escolha de governantes e crítico acerbo do Parlamento como instituição eficaz. Golbery, que em 1956 – em pleno governo constitucional – pedia a criação de um Serviço Nacional de Informações, fundou-o em 64 e dirigiu-o até 67. Conviveu com ele a partir de 1974, ajudou a transformar o seu chefe, general João Baptista Figueiredo, em presidente da República e, em 81, chamou sua criatura de “monstro”. Deixou o governo amaldiçoando o que se denominava Comunidade de Informações: “Vocês pensam que vão controlar o país cometendo crimes e encobrindo seus autores, mas estão muito enganados. Vão ser postos daqui para fora, com um pé na bunda”, disse Golbery ao general Octavio Aguiar de Medeiros, chefe do SNI, no dia em que saiu do palácio do Planalto, em agosto de 1981.
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(37) O Sacerdote e o Feiticeiro acreditavam no Brasil e nele mandaram como poucas pessoas o fizeram. Suas trajetórias ensinam como é fácil chegar a uma ditadura e como é difícil sair dela.
(38) … No poder, os generais raramente contam as maquinações políticas de que participam. …
O mais caudaloso dos generais que tomaram o poder no século XX, Charles de Gaulle, escreveu cinco volumes de memórias… Quando se trata de procurar os mecanismos políticos a que recorreu para desmontar a associação dos militares com a extrema direita, a repressão política e o colonialismo na Argélia, tudo somado não junta dez páginas.
É possível arriscar uma explicação para esse fenômeno. Os militares procuram preservar a própria mística segundo a qual, em quase todos os idiomas, as Forças Armadas, por suas virtudes, colocam-se acima dos partidos e da política civis. …
Se há uma grande diferença entre a política dos civis e a dos militares, ela está no fato de que esta envolve uma corporação burocrática fechada que precisa acima de tudo preservar alguma forma de coesão. … (39) Prefeitos e médicos podem brigar abertamente. Ambos podem mudar de partido, de hospital e, até mesmo, deixar a política ou a medicina. Os militares não podem fazer isso com a mesma facilidade, pois um capitão-de-fragata não pode trocar de Marinha nem um major de cavalaria, de Exército. Permanecendo na corporação, convivem com a mesma geração de colegas, respeitando praticamente a mesma hierarquia ao longo de todas as suas vidas. … Jamais se esquecem, por exemplo, os apelidos da juventude, ganhos no tempo das escolas militares. Para um aspirante dos anos 30, o Brasil foi presidido de 1964 a 1985 por Tamanco, Português, Milito, Alemão e Figa.
O silêncio dos generais foi compensado pela utilização maciça de conceitos teóricos. Com isso, frequentemente misturaram-se ideias brilhantes e preconceitos, dando-se força de dogma a algumas racionalizações que, no máximo, seriam bons instrumentos de especulação. Para explicar a brutalização da política, recorreu-se demais ao que se chama de Doutrina da Segurança Nacional ou, na sua denominação crítica, Ideologia da Segurança Nacional. …
...
(41) Para quem quiser cortar caminho na busca do motivo por que Geisel e Golbery desmontaram a ditadura, a resposta é simples: porque o regime militar, outorgando-se o monopólio da ordem, era uma grande bagunça.
Como ela tomou conta do país e como a desmancharam é uma história mais comprida. Começa na noite de 30 de março de 1964, quando a democracia brasileira tomou o caminho da breca.

 Gaspari, Elio. A Ditadura Envergonhada – as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

domingo, 7 de agosto de 2016

Quando a emenda saiu pior que o soneto


   Diz-se que a expressão “a emenda saiu pior que o soneto” envolve um jovem aspirante a escritor e Bocage. Em uma ocasião, o jovem solicitou a Bocage que fizesse anotações em um de seus sonetos, assinalando os erros. Futuramente, Bocage devolveu o soneto sem nenhuma anotação sob a justificativa de que seriam tantas as correções que “ e emenda ficaria pior que o soneto”, consolidando a expressão que se transformou em ditado popular.
   Todos já tivemos nossos sonetos. Aqueles em que as emendas se tornam bola de neve e que nos mostram que o quanto antes voltarmos atrás melhor será. Não é verdade?
   Hoje nosso principal soneto ruim é o intento golpista de Temer e que sabemos, ele não pretende abandoná-lo. Sabemos que mesmo que um surto de grandeza ocorresse, isso não seria possível pela quantidade de acordos escusos com o qual já se comprometera
   Assumir a peripécia antidemocrática mesmo que sem volta é, contudo, ainda melhor que qualquer tentativa de reparação ou legitimação como as que vem ocorrendo de maneira descarada. As tentativas de esconder seu nome em eventos, bloqueios de perfil no facebook, e a massiva tentativa de conter vaias e manifestações contrárias são exemplos de emendas que tornam seu péssimo soneto muitas vezes pior que o original.
   As respostas são piadas das mais diversas, memes de internet, vídeos documentando a truculência da polícia retirando inofensivos cartazes de “FORA TEMER” e o aumento do número de descontentes documentados com uma riqueza sem precedentes na história.
   Assim, o soneto do jovem escritor e a tentativa de golpe tem algo em comum: ambos tomarão o mundo e continuarão marcados na história. A diferença reside no fato do jovem escritor ter ficado anônimo e de que Temer carregará a alcunha de golpista por toda a sua vida e futuras gerações.

por Alexandre Carrasco (https://medium.com/@alexandrecarrasco/quando-a-emenda-saiu-pior-que-o-soneto-652ba1c74ff4#.xq0dhvgzo)

Bolsonaro não é homofóbico (?)

*Arquivo de provas*


Estímulo à violência contra homossexuais
"Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater", disse Bolsonaro depois que FHC posou com a bandeira gay em 2002. (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200210.htm)

Bater em filho gay
Em um debate na TV Câmara, em 2010, ele sugeriu que a melhor forma de corrigir a homossexualidade seria através da violência. “O filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem. A gente precisa agir”, afirmou ele que repetiu a declaração várias vezes. Foi baseada nessa declaração que Ellen Page o questionou na entrevista. (https://www.youtube.com/watch?v=JZtaYvzzeTQ e https://www.youtube.com/watch?v=YVq4qYWnOZY)

Pouca vergonha
Em entrevista ao programa de humoristas do CQC, ele deu diversas declarações homofóbicas e racistas. Inclusive, foi condenado a pagar R$150 mil reais por essas declarações. Ele declarou que seus filhos nunca seriam gays porque foram bem educados, sugerindo que a homossexualidade é um comportamento ruim e um mau costume." (https://www.youtube.com/watch?v=HyaqwdYOzQk)

Parente gay não frequentaria a sua casa
“Gostaria de saber qual seria a sua reação se alguém de sua família decidisse abertamente pela homossexualidade”, sugeriu a pergunta um internauta... Jair Bolsonaro respondeu: “Seria problema dele. Se essa fosse sua opção para ser feliz não estaria (nem poderia) ser proibido por mim mas, certamente, não iria me convencer a frequentar minha casa”.
http://revistaepoca.globo.com/…/…/0,,EMI245890-15223,00.html

O valor do gay na sociedade?
“O que esse pessoal tem para oferecer para a sociedade? Casamento gay? Adoção de filhos? Dizer que se seus jovens, um dia, forem ter um filho, que se for gay é legal? Esse pessoal não tem nada a oferecer.” (http://g1.globo.com/…/n…/2011/03/estou-me-lixando-para-esse-...)

Não sou homofóbico
"Não tenho nada a ver. Cada um faz o que quer com seu corpinho cabeludo entre quatro paredes. O que eles têm para me oferecer não interessa. Agora, eu não quero que o público LGBT crie currículo para as escolas públicas de primeiro grau." http://g1.globo.com/…/n…/2011/03/estou-me-lixando-para-esse-...

Direito da maioria
Em entrevista, ele compara gays a pedófilos e diz que a minoria deve ser calar. “Que respeitar homossexual. Eles que tem que nos respeitar”. (https://www.youtube.com/watch?v=mdUSEQw-SxI e https://www.youtube.com/watch?v=HGhLceaxCjE)

Sangue gay
Bolsonaro polemizou em 2011 sobre doação de sangue dizendo que hospitais deveriam separar sangues de gays e homos para transfusões. Para ele, sangue de gays tem 17 vezes mais risco de transmitir a Aids, mas deu a entender que não queria receber sangue de um homossexual. Usando os riscos acrescidos de gays se infectarem com o HIV sexualmente, ele deturpou a informação e abriu uma campanha por uma lei para separar os sangues, que acabou abandonada. "O sangue de um homossexual pode contaminar o sangue de um heterossexual". (https://www.youtube.com/watch?v=Z1oGuNkGV2g)

Órgão excretor
O Deputado Federal usou sua boca para vomitar baboseiras em resposta contra o projeto de lei que defende punições contra ações homofóbicas. Ele diz que não dá para saber que uma pessoa é gay, transexual, lésbica ou travesti antes de agredi-la e que só porque uma pessoa faz sexo com o órgão excretor (antes mesmo de Levy Fidelix usar o termo e chocar o país no debate eleitoral de 2014), não merece uma lei de proteção. (https://www.youtube.com/watch?v=adtWbjpjjeg)

Preconceituoso com Orgulho
Em uma entrevista concedida aos leitores da Revista Época, Bolsonaro afirmou: “Sou preconceituoso, com muito orgulho”.

Gays são pedófilos
No programa do Danillo Gentile, ele fala, a partir dos 17m10, sobre seu posicionamento contra os homossexuais. “90% dos adotados vão ser homossexuais e vão ser garotos de programa deste casal” (referindo-se aos filhos adotados de casais homossexuais). (https://www.youtube.com/watch?v=3yxvUIp8GnY)

Morte de um filho gay
“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” disse em 2011, quando deu entrevista à Playboy. (http://noticias.terra.com.br/…/bolsonaro-prefiro-filho-mort…...)

Bolsonaro diz que vizinhos gays desvalorizam um imóvel
Ainda na entrevista de Playboy em 2011: "Se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa ! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza" (http://noticias.terra.com.br/…/bolsonaro-prefiro-filho-mort…...)

União gay
“O próximo passo será a adoção de crianças por casais homossexuais e a legalização da pedofilia”. “O Supremo extrapolou. Quem tem de decidir isso é o Legislativo, com a sanção do Executivo. Agiu por pressão da comunidade homossexual e do governo. Unidade familiar é homem e mulher.” (http://www.fabiocampana.com.br/…/proximo-passo-sera-a-legal…...)

Direito de discriminar
O deputado afirma ainda que quer garantir o direito de não querer alugar um imóvel ou contratar se a pessoa for LGBT, e acusa gays de quererem direitos especiais. E diz que vai lutar contra o casamento gay. “Primeiro que eles não tem na testa escrito que é homossexual. Eu alugo o meu apartamento para quem eu quiser... Agora se dá o azar deste cara ser homossexual, e ele vai em uma delegacia e registra uma queixa... e eu vou ser preso em flagrante só porque esse cara faz sexo com o seu aparelho excretor?... Se eu for contratar um motorista para levar o meu filho em uma escola e descobrir que ele é gay... eu vou contratar?” (https://www.youtube.com/watch?v=TcOpf2d9mNM)

Beijo gay – Família gay
“A sociedade é ofendida, a família é ofendida...” “A sociedade é conservadora. Eu considero agressivo”. “Lógico que me incomoda”. “Família gay não existe”. (https://www.youtube.com/watch?v=KL-eiuRZrDE)

Não é normal
“Ensinar para a criança que ser gay é normal? Não!” “Eu não deixaria meu filho de 5 anos de idade brincar com o filho da mesma idade filho de um casal gay”. (https://www.youtube.com/watch?v=7ftFLFcQTQg)

Dissimulado
“Não sei porque tanta discriminação. Minhas melhores professoras foram as prostitutas. Eu queria saber se isso também vale pro outro lado, se isso também vale para ele ser um bom professor ser gay”, provocou ele na Comissão de Direitos Humanos e foi censurado pelos colegas. (https://www.youtube.com/watch?v=S5Apq5CAdDw)

Kit Gay
“Dá nojo. Esses gays e lésbicas querem que nós a maioria entubemos como exemplo de comportamento a sua promiscuidade... Nós não podemos nos submeter aos escárnio da sociedade”. ( https://www.youtube.com/watch?v=gNJKJLCPrT4)

 Não existe homofobia
“Não existe homofobia no Brasil” e “a sociedade brasileira não gosta de homossexuais”. Em entrevista ao apresentador Stephen Fry, Bolsonaro diz que pais não tem filhos de orgulho gay e defende a passeata de orgulho hétero. “Bolsonaro é o típico homofóbico que eu encontrei por todo o mundo, com seu mantra de que gays querem dominar a sociedade, recrutar ou abusar das crianças. Mesmo em países progressistas como o Brasil, suas mentiras criam histeria coletiva entre os ignorantes, de onde a violência pode surgir e acabar em ataques brutais como o que matou Alexandre Ivo”. (https://www.youtube.com/watch?v=Hxh_laUnt3I)

Organizado por André Felipe de Souza