segunda-feira, 25 de maio de 2009

Referências para o que escrevo

"A questão é que a imaginação depende das palavras: as palavras completam nossas fantasias, preenchem as lacunas destas, apoiam as suas inconsistências, prolongando-as, enriquecendo-as com o que não pode ser visto ou tocado." (Jean-Paul Sartre na apresentação do livro Nossa Senhora das Flores de Jean Genet). "As telas - sejam do computador, da televisão, do celular, da câmera de fotos ou da mídia que for - expandem o campo de visibilidade, esse espaço onde cada um pode se construir como uma subjetividade alterdirigida. A profusão de telas multiplica ao infinito as possibilidades de se exibir diante dos olhares alheios e, desse modo, tornar-se um eu visível." (Paula Sibila in O Show do Eu). "É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto, como o que sinto se transforma lentamente no que digo." (Clarice Lispector)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Estrela da Terra - Dori Caymmi e Paulo C. Pinheiro

Por mais que haja dor e agonia Por mais que haja treva sombria Existe uma luz que é uma guia Fincada no azul da amplidão É o claro da estrela do dia Sobre a Terra da Promissão Por mais que a canção faça alarde Por mais que o cristão se acovarde Existe uma chama que arde E que não se apaga mais não É o brilho da estrela da tarde Na boina do meu capitão E a gente rebenta do peito a corrente Com a ponta da lâmina ardente Da estrela da palma da mão Por mais que a paixão não se afoite Por mais que a minh'alma se amoite Existe um clarão que é um açoite Mais forte e maior que a paixão É o raio da estrela da noite Cravada no meu coração E a gente já prepara o chão pra semente Pra vinda da estrela cadente Que vai florescer o sertão E bloco da lenda se encerra Virá o cavaleiro de guerra Cantando no alto da serra Montado no seu alazão Trazendo a estrela na Terra Sinal de uma nova estação

quinta-feira, 21 de maio de 2009

O Profeta Embriagado

O profeta embriagado é uma personagem em minhas histórias. Ele é uma pessoa que passa. Se pensarmos muito, todas as pessoas passam. Seja uma mãe, seja um filho. Algumas pessoas vão, mas teimam em ficar. Algumas pessoas ficam, mas gostariam de partir. Tem gente que passa só para olhar e tem gente que passa e nem olha. Algumas pessoas continuam sempre passando e indo embora. Sempre vão, sempre voltam. Assim é o profeta embriagado. Na realidade, em minhas histórias existem várias personagens assim. Algumas pessoas que passam e são esquecidas no dia seguinte. Mas algumas pessoas passam, são esquecidas, ou quase esquecidas, mas sempre reaparecem. São pessoas que continuam em um estado quase contínuo de “passando”. Algumas destas pessoas chegam a adquirir um apelido, como o profeta embriagado. Algumas destas pessoas tem a ousadia de possuir até mesmo um nome próprio! Pessoas que passam. Passam apenas uma vez, nem notamos a presença, nem as guardamos na retina. Pessoas que passam. E continuam a passar até tornarem-se amigos pessoais. Posso citar uma menina que vende cigarros de ervas aromáticas que ela mesma faz. Se ela passasse apenas uma vez, adquirindo ou não um cigarro, em mais uma daquelas noites em que você está sentado em um bar qualquer daquela rua movimentada no centro da cidade, onde todos, jovens, adultos e até mesmo velhos, crianças no colo, se misturam para beber e insistir na falácia da felicidade ou da pura insensatez através do pseudo prazer da embriaguez – como diria o profeta – você nunca mais se lembraria dela. Eu talvez nunca mais me lembrasse dela, como às vezes não me lembro de outro rapaz que vende uma armação de flor rasgada de uma folha que se trança em galhos, folhas, flores, que de verde vai se transformando dentro do seu quarto em um amarelo quase marrom, amarelo quase ouro, amarelo quase maduro, amarelo quase seco, amarelo quase vida. Mas voltando aos cigarros. Na primeira vez você comprou um cigarro (vou te colocar nesta história também), você a convidou para se sentar e tomar um copo de cerveja, ela topou. Você perguntou o nome dela, ela respondeu e você esqueceu. Você elogiou o cigarro e fez apologia ao cigarro que é confeccionado artesanalmente. Aliás, uma longa conversa se estabelece sobre o cigarro, o hábito de fumar (não vamos fazer polêmica com a palavra vício aqui), o cigarro de palha, o cachimbo da paz etc e tal. Vários dias nascem e morrem. Outras mesas de bar, outras garrafas de cerveja e muitos outros cigarros. Eis que surge, novamente aquela menina que vende cigarros. Sem deixar de lembrar também do rapaz que vende flores secas que não são de plástico e não morrem. O papo já começa diferente. Você a reconhece, a memória é resgatada da escuridão. O nome? É lógico, tem que perguntar novamente: Bárbara. Mais um cigarro, um cigarro para o amigo, mais um copo de cerveja, mais uma apologia ao cigarro artesanal, blá blá blá. Em outro encontro você já lembra o nome dela: Beatriz. Com o passar dos encontros você já tem o número do celular, já conhece uma boa parte da sua vida, inclusive os problemas que ela tem com a criação do filho que já não é mais uma criança. Chega mesmo a ser convidado para uma festa bacana onde a Betânia irá fornecer seus cigarros artesanais aos convidados. Você é um dos convidados! Não se esqueça disto, este é um detalhe importante! Enfim, a Bruna não é mais uma desconhecida. Mas ela será mais uma pessoa que passa. Mesmo que seja mãe, mesmo que tenha um filho. O profeta embriagado também é assim. Ele é ninguém. Ele sempre passa pela calçada, sozinho. Mesmo que todos o conheçam e o cumprimentem: - Falaí Profeta! Como está o nosso Profeta! Muitas vezes o profeta para em algum grupo, troca algumas frases, todos riem. Mas ele continua seu caminho. Eu nunca conversei com o profeta, como é de meu caráter, eu o observo. Encontro o profeta em lugares inusitados, sempre sozinho... Já o encontrei em uma apresentação na Orquestra Sinfônica do Estado no Teatro Municipal, vestido elegantemente, com uma postura de quem é profundo conhecedor de música clássica e deve fazer assinatura dos concertos da Orquestra. Ele estava sentado lá embaixo, pertinho da Orquestra, e eu? Lá no alto, no lugar mais barato daquela apresentação com preços populares. No início duvidei que fosse ele, mas o observei na saída, a fisionomia era clara, era o profeta. Mas, aqueles trajes? Aquela postura? Seria mesmo o profeta embriagado das ruas? Era. Ele sozinho, um eremita urbano. Será que esta história vai continuar? Na realidade, esta história nunca termina...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Bom Dia, Tristeza

Bom dia tristeza
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando até meio triste
De estar tanto tempo longe de você
Se chegue tristeza
Se sente comigo
Aqui nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
(acho que é do Adoniran...)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

SEDA - Alessandro Baricco

39 (pg 73)
...
- Mas você não sabe por que Jean Berbek parou de falar? - perguntou-lhe.
- Essa é uma das muitas coisas que ele jamais disse.
Os anos tinham passado, mas ainda havia quadros pendurados nas paredes e panelas no escorredor, ao lado da pia. Aquilo não era nada alegre, e Baldabiou bem que gostaria de ir embora. Mas Hervé Joncour continuava a olhar fascinado para aquelas paredes bolorentas e mortas. era evidente: buscava algo, lá.
- Talvez seja porque a vida, às vezes, se apresenta de uma maneira tal que não há mais nada a dizer.
Disse.
- Mais nada, para sempre.
Baldabiou não era talhado para assuntos sérios. Fitava a cama de Jean Berbeck.
- Talvez qualquer um emudecesse, numa casa tão horripilante.
Hervé Joncour continuava a viver retirado, indo pouco à cidade, e passava o tempo trabalhando no projeto do parque que cedo ou tarde construiria. Enchia folhas e mais folhas com desenhos estranhos que pareciam máquinas. Uma noite Hèlene lhe perguntou
- O que são?
- Um viveiro.
- Um viveiro?
- Sim.
- E para que serve?
Hervé Joncour mantinha os olhos fixos nos desenhos.
- Você o enche de pássaros, tantos quanto puder, e depois, um dia em que lhe acontece alguma coisa boa, você o escancara, e os vê sair voando.
- o -
Em resumo, um livro mágico, como poucos, que nos remetem a universos para de apenas lê-los.
Existem capítulos de apenas uma frase que nos remetem a profundos diálogos.
Enfim, melhor que comentá-lo é lê-lo, mais uma vez. E isto é fácil, lê-se em poucas horas de imenso prazer!
Não perca esta oportunidade.

Alegria de Pobre

Nesta semana recebi R$ 52,00 referentes à Nota Fiscal Paulista. Este dinheiro eu obtive registrando algumas compras minhas no ano de 2008. Uma parte é do primeiro semestre de 2008 mas, como o valor não era suficiente para resgate tive que esperar mais um semestre até que, finalmente, meu imposto recolhido atingisse um valor que permitisse o depósito. Alegria de pobre. No primeiro momento fiquei feliz, afinal, R$ 50,00 não é um valor desprezível. Posso até comprar uma peça de roupa, o quê no momento é um artigo de luxo para mim. Mas depois, como não assisti à final do BBB9, pensei... R$ 52,00 são 3% do valor que paguei de ICMS no ano passado. Fazendo o cálculo inverso fiquei chocado: paguei mais de R$ 1.730,00 de ICMS no ano passado. Isto porque não pedi nota fiscal paulista em todas as minhas compras. Portanto, devo ter pago mais de R$ 3.000,00 de ICMS!!! Isto representa mais de 2 meses de salário!! Isto é, do meu salário. É. Eu sei que está todo mundo cansado de falar e escrever e reclamar e denunciar este assunto mas o que me resta a fazer? Quando eu era criança ou, pelo menos jovem, recebi a informação de que "o trabalho enobrece". Acreditei nesta frase por muito tempo. Mas hoje, com os conhecimentos de Matemática que adquiri nas Escolas que freqüentei, chego à conclusão de que "o trabalho enriquece os parasitas do Estado". Talvez minha tese não seja aceita pelos acadêmicos de plantão que eu também incluo na classificação de parasitas do Estado, mas eu realmente não vejo outra finalidade para os impostos recolhidos. A parte ainda mais triste desta história é que, seu eu tiver um aumento de, por exemplo, 6%, o quê seria alguma coisa acima da inflação nos últimos 12 meses, todo o aumento obtido com meu trabalho seria engolido pelo Estado, pois eu entraria na categoria do Imposto de Renda que me obriga a pagar 7,5% de meu salário, todos os meses. Ou seja, eu teria uma redução de salário. Portanto, com certeza, matematicamente falando, o trabalho não enobrece; ele empobrece. Talvez a verdade seja outra: "Quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro." (ouvi minha avó dizer em algum momento perdido na memória). Atualmente, pelo que também podemos observar, as únicas pessoas que tem muito tempo livre são os políticos. Portanto, eles ganham dinheiro. São deduções óbvias! Ou não?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Uni-verso-para-lê-lo

Ele estava logo ali, sentado, quieto, fones no ouvido. Assim como eu, apreciava bolo de café recheado com chocolate. Pela presença, também tínhamos em comum o apreço pelo lugar; décimo quinto andar em um dos pontos mais alto da cidade. Àquela hora, final da tarde, a bela paisagem, paisagem urbana, a segunda natureza igualmente incontrolável ao redor desta ilha de tranquilidade. Lá embaixo, distante, filas intermináveis de carros, pessoas, casas edifícios. Esparsamente mas sempre presente, árvores. No horizonte uma parede de montanhas. Estávamos em um momento de ausência. Se fosse meditação, estaríamos naquele momento onde o corpo se acalmou, a mente está serena e a respiração suave. Todos os problemas estão distantes e bem próximo a nós somente o aroma do café, a textura e sabor do bolo e as pessoas ao redor comungando da mesma magia. Acho que foi por isto que me identifiquei com ele. Estávamos os dois tomando uma xícara de café e comendo um bolo recheado com chocolate bem cremoso. Até a música no fone de ouvido deveria ser a mesma, sorri comigo. Das belas coisas ao redor, ele me chamou a atenção. Não apenas pela coincidência dos atos mas pela tristeza que havia em seu olhar. Um homem bonito, não tão jovem, alguns cabelos grisalhos em um rosto suave contrastando com um olhar perdido e triste. Comecei a observar que ele falava consigo mesmo, sem palavras, apenas demonstrava expressões, o rosto girava buscando algo ou alguém que não estava ali. Pausava a conversa com suspiros profundos. Eu tentava disfarçar minha observação quase com indiscrição. Olhava de canto de olho, sem querer chamar a atenção ou me comprometer. Olhar esguio. Uma lágrima. Prendi minha respiração. Será que ele iria começar a chorar? Não. Disfarçou. Limpou a lágrima com a mão enquanto começava a sorrir, quase rir. Eu quase comecei a rir também. Que sujeito estranho, pensei. Não é bom prestar atenção em gente assim, instável. Tirei meus olhos dele, tinha terminado meu café com bolo, já era hora de me levantar e voltar à rotina. Arrumei as coisas da mesa para levá-las ao balcão. Já ia me levantar quando notei que ele já estava em pé. Caminhava na direção do canteiro de plantas que nos protegiam do abismo. Subiu na mureta usada para observação além das plantas. Ele ia observar a paisagem. Não. O que ele está fazendo? Perguntei a mim mesmo. Pela mureta ele conseguiu chegar ao canteiro de plantas, passou por elas e sumiu. Quero dizer, pulou. Não. Não foi um pulo ou um salto. Ele apenas continuou seu caminho. Ouvi o grito de uma mulher. Eu mesmo me levantei como em um susto, esbarrei na mesa, derrubei prato e xícara no chão. Uma confusão teve início, pessoas dizendo em voz alta: - Ele pulou, ele pulou. A frase se repetia entre espanto e dúvida. Todos foram até a beira do edifício tentando ver alguma coisa mas as plantas escondiam qualquer vestígio daquele ato, exceto por algumas folhas que se desalinharam no parapeito. Eu fiquei parado, tremendo. Todos começaram a sair em direção ao elevador para descer e ver o final da história. Eu estava tremendo muito, me sentei. Não entendia o que havia acontecido. Senti uma ruptura. Aquilo não era possível. Não seria verdadeira esta história, seria, talvez, algum trecho de livro ou conto bizarro. Fiquei sozinho naquele lugar. Continuava tremendo, incapaz de continuar, mas. Inspirar, expirar. Respirar. Nunca engoli algo tão difícil de tragar, nem mesmo o desprezo de quem amei. Quase engasguei com o vazio que se instalou no meu peito. Me levantei, meio zonzo. Consegui ir até o elevador e também desci. No térreo a multidão e confusão. Todos falando ao mesmo tempo e inventando suas histórias e a história daquele homem. Perguntas e respostas sendo delineadas ao mesmo tempo. Esta é uma das avenidas principais da cidade, o trânsito vai parar, os policiais vão chegar e ambulâncias também. Já temos a notícia para o jornal das oito e até mesmo algum helicóptero já esta a transmitir as imagens ao vivo daquele corpo estendido no chão. Me esquivo de tudo e de todos. Não é meu desejo ver a realidade. Atravesso um jardim de rosas e apareço em outra rua onde nada aconteceu. Os carros se movem, as pessoas estão felizes e satisfeitas com seus empregos e suas vidas. Todos caminham em direção a um destino, contentes consigo mesmas, talvez preocupadas, mas cientes de que este não é o momento para preocupação. Eu também pretendo continuar, não sei como, talvez esquecer esta história. Não vou dizer: eu conheci um suicida, eu fui a última pessoa a conversar com um suicida antes de ele tomar a direção que escolheu. Sim, eu conversei com ele. Na minha covardia, sem palavras, participei da conversa de um suicida consigo mesmo antes de seu ato final. Não vou dizer que o conhecia, pois um homem, este homem, que estava logo ali, sentado, quieto; era eu.