sábado, 21 de julho de 2012

Belém do Pa'rá

     Ainda no rio, com Belém ao longe... parece que este trecho na viagem nunca termina... para distrair, na margem, duas chaminés com jardins suspensos... curiosidades desta natureza exuberante!

     Finalmente, Belém. Uma cidade que já se mostra maior, diversos edifícios altos, típicos de uma cidade "grande", bem diferente de Manaus e Santarém.





     Até para sair do navio, um tormento... mais de oitocentas pessoas tendo apenas um pequeno corredor para sair, geralmente carregando malas, mochilas, sacolas... 

     Entre as diversas pessoas que conheci durante a viagem estava o Robson, estudante de Letras na UFPa, que me serviu de guia para os primeiros momentos em Belém. Por bobeira não peguei nenhum contato dele na cidade para outro encontro ou mantermos contato.

     Suspiro. Finalmente fora do navio. Uma pequena caminhada até o hotel que já havia sido pesquisado pela internet, estrategicamente localizado próximo aos lugares que eu queria conhecer.
     Liberado da mochila, banho para revigorar o ânimo, comecei meu reconhecimento da cidade. Na Praça da República, o Teatro da Paz e uma feira de artesanato e comidas. Só para manter o costume, tomei suco de Taperebá mais uma vez.
     












     Seguindo a caminhada, peguei a Avenida Nazaré para conhecer o Colégio e a Basília, pontos referenciais para o Círio de Nazaré.


     Reconhecidos os lugares mais típicos e próximos, procurei um restaurante para saciar a fome e voltei para o hotel. Com o calor intenso é sempre bom um pouco de descanso no início da tarde.
     À noite sai a procura de alguma farra, mas infelizmente a cidade estava completamente vazia. Como não era meu intuito ir até muito longe do hotel, acabei estreando o Bar do Parque. Confesso que bebi. Uma longa jornada noite adentro, conhecendo outros notívagos da cidade.

Santarém - Belém

     Triste por sair de Alter do Chão, lá estava eu, de volta ao rio, prestes a embarcar no NM Amazon Star. Este foi o pior trecho da viagem. Talvez por sentir ter que deixar Alter do Chão, mais o cansaço já esperado dos dias de barco e rede. Mas as condições deste navio também não ajudaram em nada. Apesar de toda propaganda sobre ele, suas condições são precárias, tão precárias quanto qualquer outro navio, com a diferença que em seu caso, existem mais de 800 pessoas convivendo no mesmo lugar, nas mesas condições, por dias seguidos. Com o tamanho, mais potente é o motor e portanto, maior o barulho. Imagine o ronco deste motor durante a madrugada... Para piorar, com seu tamanho maior, maior é a capacidade de carga, o que tornava as paradas em cidades mais demoradas (2 a 3 horas), pois maior era o volume de cargas para carregar e descarregar. Enfim, um conjunto de fatores que só pioraram as condições da viagem. Enfim, um problema sem solução, resolvido está. Vamos então falar dos fatores "positivos" da viagem, para compensar os negativos.

     A paisagem, como sempre, é belíssima. A grandeza do rio. A força e beleza da natureza, com suas chuvas, ventos e cores.

      Nas margens, as moradias, conjuntos de pequenas palafitas, alguns pequenos descampados para se jogar futebol. Nenhuma fonte de eletricidade. Apenas o rio, a floresta e seus elementos.













     Também era comum cruzar outros barcos, tanto navios com passageiros que podem ser NM, navio motor, de ferro, ou BM, barco motor, de madeira, ou ainda os FB, ferry boats para transporte de cargas. 



     E sempre o rio, seus afluentes, seus canais. Um labirinto por onde o navio ia se perdendo. 
















     E também as pessoas. É impossível uma viagem como esta sem algum contato com os demais passageiros, a troca de histórias, informações, vidas, curiosidades. Como passava uma boa parte da viagem escrevendo, fui abordado pela Raisy e passei por um longo interrogatório, e até ganhei um poema que ela escreveu em meu caderno de anotações. O mais estranho nestas abordagens era a decepção quando descobriam que eu não era um estrangeiro, mas apenas um caipira do interior de São Paulo. Até mesmo em uma abordagem da Polícia Federal para vistoriar as bagagens, um dos policiais já me abordou com um - Estrangeiro?, seguido de uma risada quando respondi: - Não, caipira, do interior de São Paulo.
     Interessante também foi quando alguns pequenos barcos pegavam "carona" no navio. O navio era literalmente "pescado" com um gancho e depois o barco era amarrado na lateral. Do pequeno barco subiam vendedores de frutas, de camarão ou de polpa de açaí. Havia ainda um pequeno barco ocupado por crianças, que também pegou carona no navio, mas neste caso, para pedir esmolas aos passageiros. Até mesmo no meio da floresta existem os pedintes... 


     Na madrugada do último dia, a última parada do navio. Breves. Uma cidadezinha agradável, apenas incomodou a longa espera de quase 3 horas para descarregar mercadorias. Ainda mais quando se sabe que o destino está bem próximo.



     Chegamos então ao último dia de viagem. O dia nascendo, lua e estrelas se esvanecendo no céu. O rio mar imenso. O sol colorindo o horizonte com seus raios.


Alter do Chão! O ápice da viagem!

     Uma parada que não estava programada, mas se tornou a descoberta mais marcante da viagem.
     Alter do Chão é chamada de "O Caribe brasileiro"... desdenho deste rótulo, ou de qualquer outro. Alter do Chão não precisa de rótulos. Alter do Chão é bela e maravilhosamente Alter do Chão. Nasceu em mim um desejo intenso de querer morar neste lugar, de envelhecer neste lugar, de morrer e deixar meu corpo integrar este lugar. É muito difícil descrever este sentimento...
     A viagem de ônibus foi bizarra. Não é apenas em São Paulo que os ônibus andam lotados. Aqui também. A diferença é a paisagem, a pequena estrada no meio da floresta, e o som alto, tocado músicas dor-de-cotovelo: "está em suas mãos a chave que eu perdi"; "para você o meu amor era um cheque nominal"; "às vezes a gente se entrega demais e se esquece de ouvir a razão"; acordo com frio e penso em ouvir sua voz ... faço amor com você em meu pensamento ... saio pra rua e só volto depois que amanhece"; perdi o endereço da felicidade"; e a mais imponente, "cadê você, cadê você, você passou, o que era doce e o que não era se acabou, cadê você, cadê você, você passou, no videogame da solidão a história acabou"; ou a melhor de todas, "faz 14 anos que a gente namora, agora ela encasquetou que quer se casar". Será que alguém entendeu porque eu estava rindo tanto?
     Chegando na cidade, não demorei muito em escolher um lugar para me hospedar. Ao me aproximar de Alter do Chão eu já sabia que este lugar seria mágico para mim. Não existe explicação para estas situações. É como um amor à primeira vista. Você não sabe o porquê, mas você ama intensamente, sem ao menos conhecer o sujeito amado. Assim foi com Alter do Chão. Acomodei rapidamente minha mochila na primeira pousada que encontrei e sai andando sem rumo.
     A cada respiração um prazer. A paisagem. As casas. A igreja. A escola. As ruas. As praias. O cemitério. As plantas. Para qualquer lado que eu olhava eu sentia algum impacto, como se eu estivesse a nascer naquele instante. Não me cansava de caminhar e já queria ficar mais tempo nesta cidade... mas a passagem para Belém já estava comprada para o dia seguinte. Portanto, teria que aproveitar neste momento ao máximo. E assim fiz.











     A Igreja de Nossa Senhora da Saúde. Simples e bela. A mesa do altar em madeira tendo como suporte duas mãos. No alto, um barrado que mostra a estrutura antiga da igreja. Uma ótima ideia para garantir a restauração e manter uma visão do passado.



     A escola também é um monumento digno de registro. Janelões abertos para a rua, garrafas pet cercando pequenos canteiros com plantas. Placas com dizeres significativos como "Seja bem-vindo, a escola é nossa" e "Mina escola, minha história".











     Outra curiosidade é uma pequena árvore de flores de um branco intenso. Esta árvore está espalhada por diversos lugares aqui na região Norte, é uma árvore muito bonita e ficou para mim como um símbolo da região. Mas ao perguntar o nome desta planta às pessoas, ninguém soube me dar a resposta. Fazem observações do tipo "pega fácil". De fato, um senhor em Alter do Chão me ofereceu um galho desta planta, me informou que era só eu colocar no chão, aguar e a planta criaria raízes e floresceria. Foi como me senti em Alter do Chão, bastou eu fincar meu pé por lá que já quis criar raízes. O nome desta planta eu só fui descobrir em Belém, no Ver o Peso. Um nativo que tem uma banca de plantas, tinha entre elas uma muda desta. Finalmente um nome: Glogue, ou Lírio do Amazonas.


     Descobri também na caminhada que nos dias 13, 14 e 15 de julho irá acontecer o Festival do Borari.  É uma festa que retrata a origem dos índios Borari, os primeiros habitantes desta vila; http://notapajos.globo.com/lernoticias.asp?id=50328&noticia=XVIII%20Festival%20Borari%20ser%C3%A1%20nesta%20sexta-feira. Mais um motivo para aumentar minha tristeza em partir no dia seguinte.
     Voltei à pousada para colocar minha sunga e aproveitar as praias para nadar. Nadar no meio de árvores.  Caminhar pela água rodeado por peixes. Me aproximar de outras pessoas e crianças brincando neste rio com uma alegria deliciosa, sem gritos histéricos, mas com uma alegria forte, fonte e reflexo do prazer de estar ali.
     Passadas algumas horas a fome apertou. Voltei à pousada, tomei um banho, troquei de roupa e fui até a praça central comer um Pacú na brasa no restaurante. Depois do almoço descansei um pouco, mas a vida urgia. Coloquei a sunga novamente e voltei para a praia, aluguei um caiaque e sai remando pelas proximidades, atravessei o rio, fiz um passeio entre as cabanas que ainda estavam alagadas nesta época, parei em vários lugares da ilha e voltei a nadar, a passear entre os peixes, a degustar cada instante deste paraíso.
     Voltando para a praia, devolvi o caiaque e me sentei em uma das mesas onde o som era agradabilíssimo: samba de excelente qualidade, Pink Floyd, Sting, Garfunkel... enfim, uma trilha sonora rara de se ouvir nos dias atuais. Nesta mesa de bar acompanhei o por de sol até o céu ficar estrelinhoso.
     Depois de algumas cervejas e uma caipirinha deliciosa, o dinheiro chegou ao fim... voltei até a pousada, tomei outro banho, troquei os trajes, voltei ao restaurante. Saciada as necessidades básicas sai para a última caminhada por este paraíso.

     Para encerrar esta deliciosa estadia, havia um grupo de Carimbó tocando em uma "pizzaria" na praça. Aproveitei para tomar mais uma cerveja e apreciar o acontecimento. Cansado e satisfeito, me recolhi.
   


     No dia seguinte não queria nem mesmo me despedir. Iria tomar o café da manhã na pousada e pegar o ônibus de volta a Santarém para embarcar para Belém.

Santarém

     Santarém poderia ser uma parada desnecessária. Chegamos na cidade ainda com dia claro. Poderia ter ido diretamente para Alter do Chão, o que seria maravilhoso. Mas como esta é a minha primeira viagem por esta região, conhecer Santarém também fazia parte do roteiro. Assim sendo, passei esta noite por aqui.
     Uma boa caminhada até chegar ao centro da cidade, a procura rápida por um hotel simples. Acomodação. Passeio, jantar, dormir em uma cama! Nada especial para dizer sobre a cidade. É bonita, também. Com um movimento mais popular do que turístico.
     O grande acontecimento nesta cidade foi conhecer o Paulo no hotel onde me hospedei. Paulo é um jornalista que trabalha na cidade de Jacareacanga, próximo à reserva indígena dos Mundurukus, onde houve um conflito recente. Conversamos por horas. Ele me lembrou o jornalista Viktor Laurence, personagem do livro "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios", romanticamente interpretado por Gero Camilo na versão feita para o cinema.
     Assim são as viagens, paisagens naturais, paisagens urbanas, paisagens humanas. Tudo vale a pena.
Visual durante o café da manhã em Santarém

Finda o primeiro dia... nasce um novo!!!

     O primeiro dia navegando pelo rio vai chegando ao fim. O sol, tão cansado quanto eu, começa a executar seu show de despedida. Escolho um bom camarote e me encanto com a aquarela de cores, o silenciar do dia, os cheiros que a noite traz. Mais um espetáculo magnífico da natureza. E ao retornar à minha rede vislumbro outro cenário lindo: o conjunto colorido das redes ocupando todo o convés.
     Noite adentro, banho, repelente, jantar, apreciar estrelas, chega o sono e a busca de algum conforto para conseguir dormir na rede. Quando as luzes se apagam percebo a péssima escolha do local onde estendi minha rede... algumas luzes azuis ficam acesas para evitar uma escuridão total no ambiente. Infelizmente, uma destas luzes está exatamente sobre a minha cabeça.
Boa noite!










     Já são as chamadas altas horas, nada resta a fazer a não ser me deixar vencer pelo cansaço e dormir, apesar das inconveniências.
     Passadas várias horas de sono intranquilo, chegamos a |Parintins. O Festival dos Bois já acabou, mas nestes dias teve início as festividades da padroeira e, novamente, um grande fluxo de pessoas acorre à cidade. É por este motivo que, mesmo sendo madrugada, o navio todo retoma vida, como se dia fosse.
     Parintins, em luzes da madrugada, é uma linda cidade, arrumada, preparada para recepcionar seus visitantes. Vendedores ambulantes trafegam pelo navio oferecendo seus produtos e quitutes. Novas arrumações de rede, espaços se abrem e eu, rapidamente, troco minha rede de lugar, vou para uma vaga que se abriu ao lado da parede, na frente do navio, onde começam os cabines. Assim terei apenas um vizinho de rede, e do outro lado uma parede, longe de todas as luzes. Na minha situação isto é o maior luxo que eu poderia obter.
     A sirene toca e o navio retoma a viagem. Não falta muito para raiar o dia e este é outro espetáculo que agendei em meus compromissos de viagem.
     Ainda na rede percebo que um novo dia está chegando. No meio da floresta não são necessários relógios para averiguar este momento. Assim como toda a vida ao seu redor muda quando chega a noite, o mesmo acontece quando o dia vem raiando. A natureza se antecipa ao dia. E como eu já estava à espera deste momento vou até a frente do navio, que aponta para o nascente. Já havia preparado os detalhes para esta ocasião, em especial, a trilha sonora.
     Fiquei feliz ao perceber que não era o único passageiro que aguardava este momento. Não eram muitas pessoas, mas umas poucas, que também foram até a frente do navio e se acomodaram da melhor maneira possível para apreciar mais este espetáculo.
Bom dia!
     Para engrandecer esta aurora, minha trilha sonora escolhida foi 2IHU Kewere - Rezar, uma missa em tupi gravada pela Marlui Miranda. Quando o astro-rei já havia descortinado seus raios, a missa chegou na Ação de Graças e eu, ser místico, me levantei para agradecer a Tupã por toda a riqueza que estava a vivenciar.
      E seguimos nosso curso: café da manhã, leitura, escritas, caminhadas pelos ambientes do navio, brincar de acompanhar minha localização pelo GPS do smartphone, admirar paisagens, ventos, chuvas, outras embarcações, almoço, sonecas, repetir alguns dos itens já citados, algumas paradas em outras cidades, outros vendedores, compra de quitutes e frutas, até que Santarém surge no horizonte.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A viagem de navio tem início

     Este era o objetivo principal desta viagem, utilizar o navio como transporte público e turístico, navegar pelo rio, saindo do centro do continente em direção ao mar. Seriam 5 dias de navegação entre Manaus e Belém do Pa'rá.
     Como não sou nada rígido em minhas decisões, acatei uma sugestão de parar em Santarém e conhecer, viver, pelo menos um dia, na paradisíaca cidade de Alter do Chão. Depois da conversa com o vendedor de passagens esta mudança foi assumida e posso afirmar, foi uma das melhores mudanças de decisão que tomei na minha vida. Foi transformar uma viagem típica de férias em uma viagem marcante em minha vida, uma viagem que traz a sensação de que você nunca será a mesma pessoa depois desta experiência.
     Mas ainda não chegamos lá. Estamos ainda na manhã do primeiro dia de embarque em um navio que ira cruzar os rios do Amazonas.
     Eu carrego comigo alguma maldição... nada pode ser tão simples a ponto de que nenhum obstáculo surja para ser ultrapassado. Como diz o Mário, "nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas / nunca me esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / no meio do caminho tinha uma pedra".
     Chegando nas docas, lá estavam dezenas, talvez centenas de embarcações, todas muito parecidas entre si, base branca e detalhes em azul, e em um porto como este não existem plataformas ou portões numerados para onde se dirigir para embarcar.
     Embora nos aeroportos as mudanças de última hora causem a mesma sensação de estar perdido, ao chegar ao porto me veio esta angústia, para onde eu vou? Onde está o meu barco? Qual destes nomes pintados azul em fundo branco é o NM São Bartolomeu II?
     Procurei o local onde o navio estava ancorado no dia anterior, e lá estavam vários navios semelhantes, o meu devia estar entre eles, mas como chegar até lá? Fui em direção a uma rua que levava àquela doca e pedi ajuda a um segurança que controlava o fluxo de veículos que passavam por este caminho. E aqui temos mais uma gentileza cara, como a que citei anteriormente.
     Gentilmente o segurança interfonou e "confirmou" que o NM São Bartolomeu II estava ancorado naquela doca, mas para seguir meu caminho era necessário entrar com um carro, naquele caminho não eram permitidos pedestres. Como chegar até lá? De táxi, R$ 10. Aceitei a proposta, paguei e aguardei. Logo surgiu uma perua kombi, o segurança conversou com o motorista, problema aparentemente resolvido, entrei no carro e fui levado confortavelmente até onde os navios estavam ancorados. Lá chegando, onde está o NM São Bartolomeu II? Meu caronista não tinha a mínima ideia... procurei, não encontrei... Senti aquele cansaço típico da consciência do engodo. Para piorar o mal estar, havia uma passarela para pedestres, cuja entrada ficava do lado oposto ao da entrada de carros, sem taxas, apesar da grande caminhada que seria necessária.
     Aborrecido, procurei outro funcionário do porto que, para minha sorte, era íntegro e me amparou. Fez algumas ligações, contatou seu superior, tive que denunciar o comportamento do colega, aborrecimento seguido de constrangimento. O navio procurado estava nas "escadarias", ao lado do local onde esta pedra surgiu em meu caminho. Era só ter olhado para o lado oposto e avistado o São Bartolomeu. Este funcionário conseguiu outra carona para mim, desta vez sem taxa de gentileza, e me acompanhou até o local onde este círculo começou.
     Chegando à portaria, houve toda uma conversa de esclarecimento sobre o ocorrido, as desculpas e o diz-que-disse, que não foi assim, que o assado era outro. Enfim, ali estava o NM Sâo Bartolomeu II. Agradeci a quem realmente se dispoz a ajudar, tratei a perda como ajuda a um necessitado e segui meu caminho.
     Embarquei, a apresentação da passagem... será aceita? Foi, sem qualquer problema ou questionamento. Dentro do barco encontrei o vendedor da passagem, o cumprimentei. Eram necessários cordões para amarrar a rede nos suportes, R$ 5, incluída a gentileza de ajudar na escolha do lugar e na amarração adequada.
     Cheguei cedo ao navio afim de conseguir um lugar melhor para me acomodar, mas não é este o procedimento. Os primeiros passageiros são orientados a fixar a rede no centro do barco, deixando as laterais para os passageiros que chegarem depois. Não era o que eu queria mas, tão logo tornou-se possível, transferi a minha rede para um local do meu agrado.
     Assim como o metrô em São Paulo, abertas as portas, todos os espaços vazios foram sendo ocupados, e depois disto, até mesmo onde não havia espaço mais um passageiro consegue algum lugar. Acostumado a esta situação, ajeitei meus pertences, minha rede, e passei a fazer um passeio de reconhecimento de todos os lugares, copa, bar, mirantes, tomadas, horários de refeições, preços. Comecei meu processo de integração com o ambiente e as pessoas.
     No horário previsto ouvimos a sirene e o navio partiu. É uma sensação muito gostosa. Quase todos na beirada vendo o porto se afastar, a brisa começando a soprar com o movimento. Todos acomodados e os demais espaços começando a ser usufruídos. Muitos, já acostumados a estas viagens, permanecem nas redes, outros, como eu, saem em busca de novos lugares para apreciar a paisagem e a viagem.
     Na frente do navio pude me sentir como Leonardo di Caprio em Titanic, com o vento no rosto e a sensação de liberdade. Muito bom!
Econtro do Rio Negro com o Solimões
     Passado algum tempo, horas? Não sei. O tempo passa de forma irregular... Chegamos ao encontros dos rios Negro com o Solimões. Estamos no Rio Negro, e ao longe avistamos a cor diferente das águas barrentas do Rio Solimões. Não me sinto capaz de descrever este encontro. Nada muda no navio, apenas nas águas. O que me resta é fotografar este momento para dar-lhe uma existência maior que este instante único. Embora o encontro das águas permaneça lá, para outros olhos, para outros instantes capturáveis, que não são meus.
Econtro do Rio Negro com o Solimões 
     Aqui fica evidente minha prepotência - e não direi nossa pois não tenho a intenção de comprometer outras pessoas em minhas falhas - a prepotência de pensar que o encontro das águas me pertence, sou eu quem proporciona-lhe alguma existência. Leso engano. O encontro das águas está lá desde tempos imemoriais, antes mesmo de esta terra ser chamada de Brasil. O encontro das águas permanecerá lá, pela conjuntura ambiental, talvez não por tanto mais tempo mas, com certeza, ainda tenho esperança, de que o encontro das águas permanecerá lá até depois que eu pereça. Não é o encontro das águas que tento imortalizar, mas o meu encontro com as águas.
Econtro do Rio Negro com o Solimões 
     Navegar é preciso. E assim seguimos as águas do rio, pois seguimos a correnteza, não estamos contra ela. E começa a monotonia das margens distantes. Depois de uma ou duas horas as árvores não são mais novidade, as palafitas dos ribeirinhos não são mais novidade, o cruzar das águas não é mais novidade, o vento no rosto e a sensação de liberdade não são mais novidade.
O rio do lado de lá
     Para alguns vem o sono, para outros bebidas, dominós, baralhos, músicas ruins, conversas. Cada um segue seu próprio rumo junto com o navio. Minha alternativa é ler "Terra Sonâmbula", o livro de Mia Couto que trouxe para me fazer companhia e, entre um capítulo e outro, o exercício de descrever esta viagem, tanto descrever o que acontece fora de mim quanto, e principalmente, para descrever a viagem que ocorre dentro de mim.
O rio do lado de cá