segunda-feira, 8 de junho de 2009

Era uma vez...

Minha infância foi ilustrada por contos de fadas, bruxas, heróis e vilões. Até hoje guardo na memória uma coleção de quatro volumes grandes, capa dura e vermelha, com desenhos lindos e uma frase destacada em uma caixa amarela no pé da página. Até hoje guardo no coração momentos deitado na cama ao lado de minha mãe enquanto ela lia aquelas histórias para mim. Eu ficava fascinado! Todas aquelas histórias contidas, impressas, impregnadas naqueles rabiscos pretos traduzidos pelo olhar de minha mãe. Tinha a história de um patinho feio, desprezado pelos próprios irmãos, e que vinha a ser o cisne mais bonito e admirado da lagoa onde vivia. Tinha também a história de um sapo feio e nojento que na verdade era um príncipe amaldiçoado e que voltava a ser realmente príncipe quando recebia um beijo de amor. No conto de fada isto era possível e se realizava: antes, um sapo amaldiçoado, depois, um príncipe encantado. Muitos anos se passaram. Antiguidades. Renascimentos. Romantismos. Modernidades. Pós... Nietzsche e Freud apregoaram há pelo menos um século que Deus, os Mitos e os Heróis estão mortos! Riso. Eis que surge, nos dias de hoje, um mito: Susan Boyle. Pato em cisne, sapo em príncipe; são analogias ingênuas. A mídia (não vou usar o termo mercado para não ser rotulado de Marxista) produz e se alimenta dos próprios filhos Kronologicamente. Na televisão brasileira já temos sua proliferação sistemática: tenha seu momento Susan Boyle; seja você também uma Susan Boyle; e variações sobre o mesmo tema. Altas audiências, intensa procura, produtos e derivados. Susan Boyle outrora feia, ridicularizada e frustrada, em uma fração de minuto atinge milhões de pessoas espalhadas pelo mundo que passam a dizer que a conhecem, que a amam. No dia seguinte (ou naquela mesma noite) milhões de pessoas espalhadas pelo mundo se viram no reflexo de um espelho e disseram para si mesmas: eu também sou uma Susan Boyle (sem fama). Suspiro. Nietzsche e Freud apregoaram há pelo menos um século que Deus, os Mitos e os Heróis estão mortos! Mas a mídia precisa da produção incessante de deuses, mitos, heróis e seus derivados para se alimentar. O resultado, na minha opinião? - Excesso de lixo. E repetindo o que já é cansativamente dito, nosso planeta já está saturado com tanto lixo. Se há valor em Susan Boyle? Sim, há! Assim como existe valor em cada um dos que a vêem e que se vêem em sua imagem. Apenas me pergunto: quando nos olharemos no espelho e teremos orgulho de ser o quê somos? Não orgulho de ser quem somos: Miguel, Susan, Jesus ou Sidarta. Mas orgulho de ser o quê somos: Humano (demasiado humano).