segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Cultura capitalista e humanismo no Ensino Fundamental e Médio

     Com base em trechos selecionados de Nicolau Sevcenko e das Orientações Curriculares, elaborei este texto sobre os conceitos de cultura capitalista e humanismo a serem trabalhamos no Ensino Fundamental e Médio.
     Existe um texto muito bom que trata deste assunto, escrito pela filósofa Olgária Matos (disponível em http://www.intermeio.ufms.br/revistas/28/InterMeio_v14_n28%20Olgaria.pdf), o próprio título do texto é “Capitalismo e humanismo”. Seria mais fácil copiar e colar, mas sabemos que não é esta a proposta. Porém, para iniciar a atividade, vou copiar as definições que encontrei neste texto da Profª. Olgária Matos por considerar uma excelente definição para introduzir a discussão:
     “O ‘Capitalismo cultural’ é o modo de produção que integra as realizações espirituais no mercado consumidor, segundo as determinações de custo-benefício e de amortizações rápidas de investimento. Cultura capitalista é a superestrutura que corresponde à transformação da economia de mercado em sociedade de mercado, na qual nada escapa às leis de compra e de venda, tendo-se universalizado o devir econômico da política, sua conversão em economia, com o conseqüente encolhimento do espaço público, proletarização crescente da sociedade e miséria simbólica que isso implica. A cultura capitalista é a simbiose entre economia e cultura e constitui-se pela dessublimação repressiva de desejos, pela ilimitação do consumo e produção permanente de carências e de falta, de tal forma que determinando uma cultura do excesso, a sociedade de mercado atual conduz à incivilidade.
     A cultura humanista e das Luzes, ao contrário, concebeu a esfera pública como a dimensão da vida social e política autônoma com respeito às leis do mercado, inscrevendo-se na tradição da skolé grega e da Renascença. Essa autarquia evidenciava-se em saberes valorizados, os studia humanitatis. Cícero, como outros autores romanos da Antiguidade, empregaram o termo no sentido geral de educação liberal, isto é, dos livros, de educação literária, a que deram continuidade os sábios italianos do século XIV. Na primeira metade do século XV, os studia humanitatis consistiam em um ciclo claramente definido de disciplinas intelectuais – a gramática, a retórica, a história, a poesia e a filosofia moral, e excluía, de certo modo, a lógica, a filosofia natural, a metafísica, a matemática, a astronomia, a medicina, as leis e a teologia. Tratou-se de uma decisão tanto cultural quanto política de enobrecer mais a cultura da sociabilidade, da civilidade, da politisse do que a cultura científica, por encontrarem-se os studia humanitatis diretamente associados à constituição do laço social. Se, nessa tradição, a cidade é o laço afetivo, é philia, é também um modo específico de economia libidinal que produz idealidades políticas.”
     Somente nestes dois parágrafos iniciais do texto já temos muito para comentar e discutir mas, seguindo as Orientações Curriculares, pretendemos utilizar esses conceitos para provocar o questionamento e a identificação de contradições do sistema, para que se possa superar e compreender alguns dos pressupostos da modernidade, como a legitimidade da propriedade privada, independente do uso, e a promoção do individualismo possessivo, articulado à cultura consumista, que valoriza os objetos em detrimento das pessoas.
     Tentando buscar um sentido para toda esta verborragia, uma formação “humanista” – onde temos a história como uma de suas disciplinas definidoras – tem a finalidade de se contrapor a uma “cultura capitalista”. Infelizmente, esta é apenas mais um mecanismo para “amenizar” os efeitos nocivos da “cultura capitalista”, e não pretende, de forma alguma, propor qualquer alternativa para esta estrutura econômica e social.
     Nicolau Sevcenko vem nos propor este momento de reflexão, no loop da montanha-russa, que ele divide em três tempos:
     “O primeiro consiste em conseguirmos nos desprender-nos do ritmo acelerado das mudanças atuais, a fim de obter uma posição de distanciamento a partir da qual possamos articular um discernimento crítico que nunca conseguiríamos estabelecer se nos mantivéssemos colados às vicissitudes das próprias transformações. O segundo requer que recuperemos o tempo da própria sociedade, ou seja, o tempo histórico, aquele que nos fornece o contexto no interior do qual podemos avaliar a escala, a natureza, a dinâmica e os efeitos das mudanças em curso, bem como quem são seus beneficiários e a quem elas prejudicam. O terceiro movimento seria então, o de sondar o futuro a partir da crítica em perspectiva histórica, ponderando como a técnica pode ser posta a serviço de valores humanos, beneficiando o maior número de pessoas.
     Essa reflexão em três tempos não deve se limitar aos interesses das sociedades e das gerações atuais, mas levar em conta a sobrevivência e a qualidade de vida também das gerações futuras – considerando, portanto, valores de longa duração como participação democrática nas discussões e decisões que dizem respeito a todos, distribuição equitativa dos recursos e oportunidades gerados pelas transformações tecnológicas, luta contra todas as formas de injustiça, violência e discriminação, e preservação dos recursos naturais. Esses são os critérios para que se possa julgar criticamente o presente, com o sentido histórico e senso de responsabilidade em relação ao futuro. Se a síndrome do loop abole a percepção do tempo, para enfrentá-la é preciso desdobrá-lo nos seus três âmbitos: presente, passado e futuro.”
     Bem. Aqui, realmente, uma pausa.
     Ironicamente falando, seremos nós os “salvadores do mundo”? Seremos nós os responsáveis para corrigir os persistentes erros destas superestruturas econômicas?
     Um grande pensador contemporâneo é o sociólogo polonês Zigmunt Bauman, que nos alerta em seu livro “Tempos líquidos” para o fato de que as estruturas econômicas, ou aqui nomeada, a “cultura capitalista” é uma estrutura global, que não possui fronteiras. Contra este poder global, temos o poder político, mas este poder é “local”: “Os verdadeiros poderes que modelam as condições sob as quais agimos atualmente fluem num espaço global, enquanto nossas instituições de ação política permanecem amplamente presas ao solo – elas são, tal como antes, locais.” (p 87).
     Olgária Matos, no desenvolver de seu texto, destaca que a cultura humanista surge para se contrapor a uma educação que “idiotiza” as pessoas, e diz: “Proveniente do grego, idiotes significa alguém que se educa e se forma em separado, que é solitário, simples, particular e, por extensão semântica, pessoa desprovida de inteligência e de razão”, e segue citando Clément Rosset:
     “[...] qualquer pessoa é idiota a partir do momento que só existe em si mesma, incapaz de aparecer de um modo diferente do que aquele em que se encontra e tal qual é: incapaz, pois, e em primeiro lugar, de refletir-se [...] de duplicar-se sem tornar-se logo um outro [...], um ser unilateral cujo complemento em espelho não existe” (Le Réel. Traité de l’idiotie. Paris: Minuit, 2003. p 42-43.)
     A situação apenas se complica pois, com todo este questionamento, o que poderemos propor a nossos alunos além da consciência de submissão a um sistema peçonhento ao qual estamos completamente dependentes e que, ainda por cima, somos chamados a minimizar seus efeitos para nossa própria salvação? 
     Mas estamos trabalhando com o Ensino Fundamental e Médio. Muitas destas discussões ainda não tem resposta e nem mesmo consenso entre estudiosos do chamado “nível superior”. Até que ponto podemos e devemos chegar com nossos alunos que nem mesmo entraram no mercado de trabalho, mas que sofrem diretamente os efeitos deste sistema?
     Vou finalizar o texto por aqui.
     A cultura capitalista é o modo de vida e produção ao qual estamos condenados a viver e o humanismo é o mecanismo que pretende minimizar seus efeitos nocivos. Se este mecanismo será suficiente é algo que não podemos prever, apenas nutrir nossas esperanças.