quarta-feira, 29 de agosto de 2012

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA? SERÁ POSSÍVEL?


QUAIS INFORMAÇÕES E CONHECIMENTOS PRÉVIOS FORAM MOBILIZADOS PELOS ALUNOS PARA COMPREENDEREM AS IMAGENS E EXPLICAÇÕES DA PROFESSORA NOS TRECHOS DO EPISÓDIO DA SÉRIE CIDADE DOS HOMENS?

COMO VOCÊ EXPLICA ESSAS DIFERENÇAS ENTRE A PESPECTIVA DA PROFESSORA E DOS ALUNOS?

Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo.
(FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura. p 53).

Tomando da Introdução de Marc Bloch ao seu texto “Apologia da História”, coloco neste tópico o mesmo problema colocado por ele ao ouvir a pergunta de um garoto: “Papai, então me explica para que serve a história.” O problema que esta pergunta coloca não é nada menos do que o da legitimidade da história. É o que diz Marc Bloch.
O que sugere os trechos do episódio da série Cidade dos Homens e os desafios apresentados nas Orientações Curriculares para História (pp 35 e 36) reforçam a questão da legitimidade daquilo que queremos ensinar em sala de aula. Além de “o que” queremos ensinar, mas “como” queremos” ensinar, e “para que” queremos ensinar.
Meu livrinho de cabeceira tem sido, e pelo visto, continuará sendo por toda a minha vida; “Pedagogia da Autonomia”, do mestre Paulo Freire. Vejam o que ele nos diz na página 55 deste livreto: 

“Histórico-sócio-culturais, mulheres e homens nos tornamos seres em quem a curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, se torna fundante da produção do conhecimento. Mais ainda, a curiosidade é já conhecimento. Como a linguagem que anima a curiosidade e com ela se anima, é também conhecimento e não só expressão dele.”

Mas vamos fazer uma análise de uma experiência prática na cidade de Santos. Vejam o anexo 1 deste texto retirado do site g1.globo.com. A manchete é “Professor de matemática é suspeito de apologia ao crime em Santos”. Mas será que Acerola e a professora de História não fizeram apologia ao crime na série Cidade dos Homens? O que os distingue? Quem determina quem é exemplo e quem é criminoso?

A legitimidade.
A Rede Globo tem o poder e o domínio para determinar o que é legítimo e o que não é. Em uma novela de TV vê-se um exemplo que pode ser aplicado em um curso de formação de professores. Na prática do professor vê-se o crime. Eu volto a perguntar: O que os distingue?
E respondo com Paulo Freire, o mesmo livreto, na página 63:
“É o meu bom senso, em primeiro lugar, o que me deixa suspeitoso, no mínimo, de que não é possível à escola, se, na verdade, engajada na formação de educandos educadores, alhear-se das condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos.”

E continuo com a página 65:

“A prática docente especificamente humana, é profundamente formadora, por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão.”

E fica a pergunta, esta, sem resposta: Quem determina o que é legítimo e o que não é? Neste aspecto, tanto a Rede Globo quanto a academia se fazem juízes e condenam, sem profundidade de conhecimento, apenas com teses, conceitos, teorias e mercado.
Mas pretendo ampliar esta questão evitando restringir nossa análise a fatos singulares, como sugere as Orientações Curriculares. Até onde vai nossa realidade e nossa responsabilidade?
Vejamos a tabela de gastos de manutenção de gabinete de vereadores em São Paulo. Vamos comparar com o gasto de nossas Escolas? A Escola onde trabalho, que atende mais de 800 alunos, recebeu menos de R$ 50.000 no ano de 2011. A Prefeitura gastou mais de 7,5 milhões de reais para manter 54 gabinetes, podendo gastar até R$ 192.312,56 por gabinete/ano.
Esta é a triste realidade de nosso cotidiano. Nossos heróis jogam bola e exibem o corpo “sarado”. Nossos heróis não precisam ler, muito menos estudar. O político que ganha menos recebe um salário pelo menos duas vezes maior do que qualquer professor ou médico.
Enquanto nossos valores estiverem sujeitos ao mercado e não sofrerem uma mudança ética nossos alunos não serão encorajados à árdua tarefa de transformação do saber ingênuo em saber produzido. E finalizo este texto com mais uma citação de Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, página 69, como uma forma de oração: 
“Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.”




RESPOSTA SIMPLES PARA AS QUESTÔES POSTAS:

1. Os conhecimentos prévios mobilizados pelo aluno Acerola para compreender as imagens e explicações da professora foram as imagens, linguagem e contexto de seu cotidiano nos morros dominados por traficantes no Rio de Janeiro.
2. A perspectiva da professora era meramente acadêmica, enquanto a perspectiva do Acerola era figurativa e vinculada ao seu cotidiano. O grande elo que é apresentado neste episódio, a meu ver, é o momento em que a professora “ouve” a narrativa de seu aluno e se apropria dele para desenvolver o tema.
Anexo 1:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/02/professor-de-matematica-e-acusado-de-apologia-ao-crime-em-santos.html

Anexo 2:
http://ocasional-mente.blogspot.com.br/2012/08/manutencao-de-gabinete-dos-vereadores.html

O episódio de Cidade dos Homens citado é "Coroa do Imperador" (partes 1 e 4):
http://www.youtube.com/watch?v=vIliPChFgRs&feature=player_embedded

Manutenção de gabinete dos vereadores de São Paulo

Veja o quanto os vereadores de São Paulo gastaram com "manutenção de gabinete" no ano de 2011. Esta tabela não inclui salários. Os itens são "correio", "internet", "combustível"... Uma vergonha, principalmente quando sabemos que uma EMEF com mais de 800 alunos não recebe mais do que R$ 50.000 por ano para gastos semelhantes. Por exemplo, somente no mês de dezembro foi gasto R$ 1.154.590,42. A média seria de R$ 610.912,86 por mês, mas em dezembro eles precisam chegar no "limite" de gastos disponíveis, por isso, gastam mais. Para quê? O campeão foi o vereador Roberto Trípoli (PV), que em dezembro conseguiu gastar R$ 72.469,95 para atingir sua meta. Você consegue imaginar o que pode ser feito de benefício para a populaçãocom mais de 7,5 milhões de reais?

Abou Anni PV  196.172,99
Toninho Paiva PR  196.129,02
Alfredinho PT  195.833,56
Eliseu Gabriel PSB  194.798,60
Paulo Frange PTB  194.177,50
Sandra Tadeu DEM  194.088,23
Souza Santos PSD  193.332,51
Jamil Murad PCdoB   192.904,21
José Américo PT  192.437,15
Gilberto Natalini PV  191.354,91
Noemi Nonato PSB  191.277,08
Dr. Milton Ferreira PPS  187.915,29
Francisco Chagas PT  186.891,40
Senival Moura PT  185.649,13
Gilson Barreto PSDB  185.221,59
Atílio Francisco PRB  184.156,84
Wadih Mutran PP  177.629,28
Ricardo Teixeira PV  175.549,61
Juscelino Gadelha PSB  173.155,11
Dalton Silvano PV  172.785,00
Agnaldo Timóteo PR  170.013,89
Quito Formiga PR  168.116,80
Adilson Amadeu PTB  167.609,25
Claudio Prado PDT  162.246,54
José Ferreira (Zelão) PT  158.052,94
Donato PT  157.107,23
Juliana Cardoso PT  155.267,61
Marta Costa DEM  153.903,05
Adolfo Quintas PSDB  153.549,22
Edir Sales PSD  151.051,61
Antonio Goulart PSD  150.508,65
Floriano Pesaro (Salomão) PSDB  140.850,35
Roberto Tripoli PV  127.010,52
Claudinho PSDB  126.596,87
Carlos Neder PT  124.912,30
Chico Macena PT  121.614,09
Ushitaro Kamia DEM  121.517,12
Milton Leite DEM  118.580,44
Ítalo Cardoso PT  110.254,75
Arselino Tatto PT  108.783,35
Antonio Carlos Rodrigues PR  101.937,23
Aurélio Nomura PSDB  100.331,99
Anibal de Freitas PSDB    97.872,55
Attila Russomanno PP    78.360,31
Aurelio Miguel PR    71.824,30
Claudio Fonseca PPS    64.871,22
José Police Neto PSD    62.773,79
Marco Aurélio Cunha PSD    61.842,87
David Soares PSD    59.549,19
Netinho de Paula PCdoB    47.568,59
Tião Farias PSDB    47.274,53
José Rolim PSDB    47.121,03
Domingos Dissei PSD    37.551,00
Celso Jatene PTB    36.023,96
Carlos Apolinario DEM    15.228,11
   7.539.136,26


Fonte:
http://www.camara.sp.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=472&Itemid=66

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Comparação da "experiência concreta" com textos sugeridos para leitura:


Fiz minha licenciatura no interior de Minas Gerais, na Universidade Federal de Ouro Preto, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, UFOP/ICHS, na cidade de Mariana. Uma das grandes vantagens de ter realizado meu curso nesta Instituição de Ensino Superior é o fato de que todos os professores estão muito próximos. Eram comuns as festas e encontros entre alunos e professores, saídas para almoço ou mesmo um lanche rápido na cantina da Faculdade ou mesmo um papo informal no famoso “redondo”, um espaço onde todos se sentavam para conversar e tocar violão.
Meu professor das disciplinas de Didática e Prática de Ensino se tornou um grande amigo, o Prof. Marcelo Seabra. E a grande lição que ele nos passou foi sobre a efetividade de nossa prática de ensino.
Toda teoria é muito bonita dentro dos muros da academia. É muito fácil elaborar projetos e textos referenciando grandes autores da Pedagogia. É muito fácil obter notas altas em avaliações, projetos e relatórios de atividades. Difícil é estar em uma sala de aula com mais de 35 alunos, muitos analfabetos funcionais, muitos sem estrutura familiar, a maioria sem o menor interesse pela história, conceitos, habilidades e capacidades que queremos trabalhar em sala de aula.
Contra as Orientações Curriculares temos uma realidade que nega os valores que pretendemos trabalhar. Não vemos nenhum “herói” do Big Brother Brasil lendo um livro. Não vemos nenhum jogador de futebol falando sobre sua escola ou sequer sobre seu curso superior de Educação Física. O político que mais teve votos na última eleição, mais de 1.300.000 votos para deputado federal, foi Francisco Everardo Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, que teve seu grande slogan repetido por todo o país: “Pior que tá, não fica”, confirmando seu total desconhecimento de História, pois o século XX é um dos maiores exemplos que sim, sempre é possível ficar “pior”.
Para combater esta realidade as universidades elaboram textos lindos como o de Isabel Barca, com seus termos rebuscados como “paradigmas educativos”, “aula-oficina”, “compreensão textualizada”, um texto perfeito obedecendo a todas as regras da ABNT. Para minha prática diária, serve como um instrumento de frustração ao tentar efetivar esta teoria acadêmica em uma sala de aula com 38 adolescentes desinteressados, onde muitos deles nunca saíram do próprio bairro, cujas referências de mundo são o que veem na televisão e o Shopping Center mais próximo.
O texto de Maria Auxiliadora e Tânia Maria já tem um pouco mais de consistência, quando aplicam sua teoria e demonstram algum resultado. Pelo menos nos indica alguma possibilidade de sucesso. Mas aqui também, existe uma hegemonia perigosa: “alunos-investigadores”, como se todos os alunos de uma escola, e eu, pessoalmente, trabalho com mais de 250 alunos, como se todos os meus 250 alunos fossem ou se interessassem em ser um “aluno-investigador”.
Muitos de meus alunos já são “moto-boys”, mesmo sem carteira de motorista, já trabalham como motoqueiro na estrega de pizzas na região onde moram. Muitos de meus alunos estão em LA (liberdade assistida), já tem experiência no crime, já fizeram um curso intensivo na Fundação CASA. Algumas de minhas alunas já tem filhos para cuidar. O interesse e preocupação destes alunos e alunas está muito distante de uma “interpretação de fontes” ou “compreensão textualizada”.
O que salva no texto de Maria Auxiliadora e Tânia Maria são suas questões finais: O que você aprendeu de novo nestas aulas? O que você já sabia? O que gostou mais de aprender? O que gostaria de saber mais sobre esse assunto?, citados como “última parte da Aula Oficina”.
É aqui que entram as Orientações Curriculares, pois são Orientações, e não “receitas” de sucesso.
Apesar de muitos professores reclamarem de que as Orientações Curriculares não oferecem instrumentos de trabalhos, exemplos práticos ou propostas práticas, as Orientações Curriculares nos indicam o “objetivo”, o “resultado”, “o quê nos queremos alcançar” com nosso trabalho. E isto, para mim, é essencial.
Eu adoraria trabalhar com 250 alunos-investigadores, mas eu não trabalho com este público. Eu trabalho com alunos que não gostam de ler, e muitos escrevem muito mal, quando escrevem. Minha maior vitória é quando um aluno que nunca leu um livro entra na Sala de Leitura a procura de algum livro ou autor que eu citei em sala de aula. São estes os troféus que eu coleciono em minha estante.
Eu adoraria realizar apenas aulas-oficinas. E é o que eu busco trabalhar com meus alunos do primeiro ano do Ciclo II, pois é este o momento onde nós conseguimos desenvolver, na prática, “alunos-investigadores”.
Quando o aluno passou por todo o Ciclo II em outro processo de aprendizado, com professores de práticas didáticas diferentes, com professores inconstantes que estão mais tempo afastados por problemas de saúde do que em sala de aula, com professores substitutos que acompanham a turma por algumas aulas, sem continuidade, “tapando o buraco” de professores que não estão presentes na escola. Quando os alunos passam por este processo, e sufocados por um ambiente social que não valoriza a “prática escolar”, o que eles querem é sair da escola o mais rápido possível, executar o mínimo necessário para obter o diploma que para eles, é “maldito”, que não lhes traz ou garante qualquer prazer, fama ou dinheiro.
Assim, “o buraco é mais embaixo”. Antes de conseguir realizar uma “aula-oficina” eu preciso fazer com que meus alunos “queiram” se tornar “alunos-investigadores”. Antes de me preocupar com “interpretação de fontes” e “compreensão textualizada”, eu preciso me preocupar com: O que meu aluno aprendeu de novo nestas aulas? O que meu aluno já sabia? O que meu aluno mais gostou de aprender? O que meu aluno gostaria de saber mais sobre esse assunto?
Não quero, com meu texto, desvalorizar ou desacreditar as propostas de Isabel Barca, Maria Auxiliadora Schmidt e Tania Garcia, muito pelo contrário. Conseguir realizar “aulas-oficina” com “alunos-investigadores” é meu grande sonho. Mas não podemos deixar de ter consciência de que “o mundo real está sempre um passo adiante da lógica”. Alimentarmos nossa utopia é essencial para qualquer transformação. Mas esta transformação apenas acontecerá quando a sociedade brasileira, e consequentemente seus políticos e acadêmicos, tiverem a humildade de estarem ou, pelo menos, ouvirem o que de fato acontece dentro das salas de aula. Elaborar teorias e receitas é apenas uma técnica.
A bula de um remédio nos diz suas indicações e efeitos colaterais, mas o que determina a eficácia e efeitos do medicamento é o corpo do paciente, não a sabedoria do médico.


EXPERIÊNCIA CONCRETA DE PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA
“Como posso jurar dizer a verdade? Só posso dizer o que sei.
Como posso saber se isto é a verdade?”
 (Índio Cree ao fazer juramento em um processo judicial sobre
uma barragem no seu território, Richardson, 1975).

Tenho várias histórias que me alegram no decorrer destes poucos anos como professor de história. Uma delas é sobre minha experiência na Fundação Casa em 2008. Eram quatro turmas de adolescentes em sistema de reclusão cursando o Ciclo II do Ensino Fundamental, baseado no Projeto ENCEEJA. A grande vitória foi obter, do líder de cada turma, a “permissão” para falar e ensinar. Neste ambiente, o professor precisa conquistar sua posição junto aos adolescentes. Neste ambiente, nenhuma autoridade é imposta. Eles estão naquela condição exatamente pelo fato de se colocarem concretamente contra todas as formas de autoridades e regras impostas em nossa sociedade. Assim, conseguir dar aula neste contexto, mesmo sendo aulas meramente expositivas, foi uma grande vitória.
Mas não vou me delongar nesta experiência, que acredito ser bastante diferente do dia-a-dia dos demais colegas neste curso. Vou descrever uma experiência que tive neste ano, com minhas três turmas do primeiro ano do Ciclo II, as antigas quintas séries, e que dialogam melhor com as Orientações Curriculares e os demais textos sugeridos para nossa leitura.
O primeiro ano do Ciclo II traz uma mudança bastante drástica para todos os alunos. Agora os alunos convivem com vários professores, cada um deles trabalhando com uma disciplina diferente. Cada professor tem uma relação e uma prática pedagógica diferente, além dos conteúdos. Por mais que se trabalhe em Projetos Pedagógicos e se proporcionem Encontros de Formação e diálogo entre a equipe pedagógica, cada professor tem o seu perfil e o seu “jeito” de ensinar. E os alunos tem que se adaptar a estas diferenças.
No caso da disciplina de História, seguindo o Planejamento realizado e o livro didático adotado pela Escola, iniciamos com os conceitos básicos de História: fontes históricas, mudanças e permanências na história, arqueologia, sujeitos da história, cultura e tempos históricos.
Para um estudante universitário, a leitura exaustiva de textos de historiadores reconhecidos são suficientes para propiciar uma aula com discussões e exposição de ideias sobre tais conceitos. Para crianças de 10 a 12 anos de idade, estes conceitos não tem nenhum significado, e a tarefa do professor é exatamente trazer estes conceitos “ideais” para o cotidiano dos alunos.
Assim, propus uma “brincadeira”. Em uma aula levei alguns objetos meus, que guardo há muito tempo, algumas fotos, objetos que ajudassem a identificação por parte deles. A partir dos meus objetos e de nossa conversa, solicitei que eles trouxessem, nas aulas seguintes, objetos que existissem em suas casas, fotos, álbuns, dinheiro, brinquedos. Propus que conversassem com seus pais e avós pedindo permissão para trazerem objetos também de seus familiares “mais velhos”. Na proposta deixei claro que os objetos deveriam ser trazidos dentro de caixas, e pedi para que não fossem mostrados antes da aula. Na medida do possível, eles gostaram da brincadeira e a maioria conseguiu manter o “segredo” combinado.
Nas aulas seguintes estavam todos excitados e animados com as surpresas.
Pedi para que as caixas fossem todas empilhadas na frente da sala. Depois, criei a história de um arqueólogo, lembrando os filmes de Indiana Jones. Feita a introdução, sorteei um dos alunos para ser meu “assistente”. Este aluno escolheu uma das caixas encontradas em nossa “exploração” e fez uma “análise” sobre o conteúdo da caixa.
A conversa e controle da aula, em alguns momentos, foi bastante difícil. Mas, para que a brincadeira pudesse continuar, todos acabavam colaborando. Depois de o assistente ter feito sua análise dos objetos encontrados, eu chamava o aluno proprietário dos objetos para “esclarecer” sobre o conteúdo dela. Neste momento surgiram várias histórias e conversas interessantes.
Esta atividade durou várias aulas, sem pressa, procurando proporcionar a participação de todos os alunos (apesar de serem mais de 35). E foi bacana que os objetos foram mudando no decorrer das aulas. Surgiram monóculos, fotos muito antigas, muitas notas de dinheiro antigas, até mesmo objetos bem diferentes e interessantes como máquinas fotográficas antigas e um gravador de fita cassete. Enfim, uma multiplicidade de objetos com muitas histórias e uma participação que despertou nos alunos a “curiosidade” e o “prazer” pelas aulas de história. Foi muito gostoso ouvir muitos alunos dizerem que a “aula de história é a mais legal”.
Bom, depois de toda a brincadeira, coloquei no quadro os conceitos de história que estávamos trabalhando. É extremamente importante neste momento deixar claro para os alunos a necessidade desta “formalização do conhecimento”. Mas, depois da introdução que fizemos, os conceitos tinham mais sentido, e consequentemente, significado. A atividade que eu chamo de “sensibilizadora” proporcionou as dúvidas necessárias para que a formalização do conteúdo fosse tão interessante e “legal” quanto a brincadeira.
Depois desta atividade propus aos alunos que, em grupo, eles criassem alguns cartazes com recortes de revistas e desenhos que mostrassem o que eles entendiam como “o que mudou na história do mundo”, e “o que não mudou na história do mundo”. Para mim foi importante, apesar de triste, que boa parte destes alunos reconheceram que a violência e as guerras é algo que nunca deixou de existir em nossa história.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

MINHA HISTÓRIA, HISTORIADOR


Tudo que se passa no onde vivemos
é em nós que se passa.
Tudo que cessa no que vemos
é em nós que cessa.
Tudo que foi, se o vimos quando era,
é de nós que foi tirado quando partiu.
(Fernando Pessoa)

Minha História não começa com o desejo de estudar História ou de ser um professor de História. Apenas tinha o grande desejo de ser professor, mas sentia mais desafio na área de Exatas, e com o surgimento da Informática, minha trajetória tomou este caminho.
Fiz um curso técnico em Mecânica, iniciei um curso de Engenharia de Produção e depois, de Matemática e junto a isto, fui acompanhando o desenvolvimento dos computadores e seus programas. Era este o meu campo de trabalho e de busca por conhecimento.
A História começou a se insurgir lentamente em mim...
Lembro-me de assistir ao filme “Eles não usam Black Tie”, junto com meus amigos, em um cinema antigo que existia em minha cidade no interior de São Paulo. Sai do cinema inquieto. Aquela história era verdade? Aqueles fatos aconteciam neste país? Por que eu nunca havia prestado atenção nesta situação? Mas esta preocupação não ocupou muito espaço, acabou sendo arquivada.
Alguns anos depois, finalizando o meu curso técnico, consegui uma bolsa de estudos que me levou a viver três meses em Londres. Foi uma grande aventura. Eu, um caipira do interior de São Paulo, vivendo em uma grande metrópole como Londres. A casa onde morei era uma pensão por onde passavam pessoas das mais diferentes nacionalidades, vindas de diferentes lugares do mundo. E eu, jovem, pude ser por um tempo curto, amigo de todos: alemães, franceses, chineses, indianos, espanhóis.
Um dos lugares que mais me fascinou naquela cidade foi o Museu Britânico. Voltei a este museu inúmeras vezes. Caminhar por aqueles monumentos era como reviver no Egito Antigo, na Grécia, na Assíria. Tantos lugares, tantos tempos diferentes. E a própria cidade me falava de mundos diferentes, muito diferentes daquele mundo em que vivia. Mas, novamente, a História foi arquivada.
Voltando para minha cidade, senti que ela estava menor do que quando sai. No ano seguinte me mudei para Campinas, uma cidade maior, onde iniciei meu curso de Matemática.
Foi durante meu curso de Matemática que acabei ingressando no movimento estudantil. Houve uma greve, o centro acadêmico do curso de Matemática estava abandonado. Mobilizamos um grupo e reativamos o movimento estudantil naquele Instituto. Depois de Presidente do Centro Acadêmico acabei ocupando também a posição de Representante Discente no Conselho Universitário. Foi também o tempo em que comecei a trabalhar em um grupo de teatro. Universos se abrindo.
Foi neste momento que o meu papel de professor de Matemática começou a não me satisfazer. Havia algo diferente que me inquietava. Aquela inquietação do filme “Eles não usam Black Tie” tomou força. Como era possível, tudo aquilo acontecendo e eu, ali na praça, dando milho aos pombos...
Neste momento resolvi abandonar o curso de Matemática e tomar outros rumos.
Mas minha vida é um rio turbulento. Eu nunca tomo os atalhos, nem mesmo as estradas, que seguem uma linha reta se curvando apenas quando necessário, sempre nos convidando a seguir. Minha vida é um rio turbulento, que faz inúmeras curvas, sempre nos convidando a parar e redemoinhar.
Assim foi, viver em Belo Horizonte, viver em São Paulo, trabalhar em uma livraria importante, descobrir mundos, ai então, tentar o curso de História na USP, sem sucesso, ir para Ouro Preto, e então, finalmente, obter meu título de Bacharel e Licenciado em História.
Pronto, estava feito? Não. Estava apenas começando outra história.
Voltei a São Paulo e à livraria, adoeci e voltei para minha cidade, sempre pequena. Recuperei minhas forças e, somente muito depois, agora, a pouco tempo, assumi meu papel de Professor de História, da nossa História como humanos, demasiado humanos, querendo céu, e tropeçando nas pedras do caminho.
Apesar de professor tardio, minha experiência de vida me dá uma grande segurança naquilo que faço. Quando falo aos meus alunos não falo de uma História distante, falo da História que está em mim, que tem significado para mim, com todos os seus percalços, com todas as suas dúvidas, com todas as perguntas sem repostas ou com várias respostas contraditórias. Quando ensino História, não ensino uma História morta, definitiva, escrita em carrara; quando ensino História quero falar de todas as Histórias, até mesmo das Histórias impossíveis e principalmente das utópicas.
A História que procuro ensinar não traz respostas, apenas abre nossas Vidas, a minha e a de meus alunos, para mais perguntas.
Assim sou, professor de Histórias.