Fiz minha
licenciatura no interior de Minas Gerais, na Universidade Federal de Ouro
Preto, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, UFOP/ICHS, na cidade de
Mariana. Uma das grandes vantagens de ter realizado meu curso nesta Instituição
de Ensino Superior é o fato de que todos os professores estão muito próximos.
Eram comuns as festas e encontros entre alunos e professores, saídas para
almoço ou mesmo um lanche rápido na cantina da Faculdade ou mesmo um papo
informal no famoso “redondo”, um espaço onde todos se sentavam para conversar e
tocar violão.
Meu
professor das disciplinas de Didática e Prática de Ensino se tornou um grande
amigo, o Prof. Marcelo Seabra. E a grande lição que ele nos passou foi sobre a
efetividade de nossa prática de ensino.
Toda
teoria é muito bonita dentro dos muros da academia. É muito fácil elaborar
projetos e textos referenciando grandes autores da Pedagogia. É muito fácil
obter notas altas em avaliações, projetos e relatórios de atividades. Difícil é
estar em uma sala de aula com mais de 35 alunos, muitos analfabetos funcionais,
muitos sem estrutura familiar, a maioria sem o menor interesse pela história,
conceitos, habilidades e capacidades que queremos trabalhar em sala de aula.
Contra as
Orientações Curriculares temos uma realidade que nega os valores que
pretendemos trabalhar. Não vemos nenhum “herói” do Big Brother Brasil lendo um
livro. Não vemos nenhum jogador de futebol falando sobre sua escola ou sequer
sobre seu curso superior de Educação Física. O político que mais teve votos na
última eleição, mais de 1.300.000 votos para deputado federal, foi Francisco
Everardo Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, que teve seu grande slogan repetido por todo o país: “Pior
que tá, não fica”, confirmando seu total desconhecimento de História, pois o
século XX é um dos maiores exemplos que sim, sempre é possível ficar “pior”.
Para
combater esta realidade as universidades elaboram textos lindos como o de
Isabel Barca, com seus termos rebuscados como “paradigmas educativos”,
“aula-oficina”, “compreensão textualizada”, um texto perfeito obedecendo a
todas as regras da ABNT. Para minha prática diária, serve como um instrumento
de frustração ao tentar efetivar esta teoria acadêmica em uma sala de aula com
38 adolescentes desinteressados, onde muitos deles nunca saíram do próprio
bairro, cujas referências de mundo são o que veem na televisão e o Shopping
Center mais próximo.
O texto
de Maria Auxiliadora e Tânia Maria já tem um pouco mais de consistência, quando
aplicam sua teoria e demonstram algum resultado. Pelo menos nos indica alguma
possibilidade de sucesso. Mas aqui também, existe uma hegemonia perigosa:
“alunos-investigadores”, como se todos os alunos de uma escola, e eu,
pessoalmente, trabalho com mais de 250 alunos, como se todos os meus 250 alunos
fossem ou se interessassem em ser um “aluno-investigador”.
Muitos de
meus alunos já são “moto-boys”, mesmo
sem carteira de motorista, já trabalham como motoqueiro na estrega de pizzas na
região onde moram. Muitos de meus alunos estão em LA (liberdade assistida), já
tem experiência no crime, já fizeram um curso intensivo na Fundação CASA.
Algumas de minhas alunas já tem filhos para cuidar. O interesse e preocupação
destes alunos e alunas está muito distante de uma “interpretação de fontes” ou
“compreensão textualizada”.
O que
salva no texto de Maria Auxiliadora e Tânia Maria são suas questões finais: O
que você aprendeu de novo nestas aulas? O que você já sabia? O que gostou mais
de aprender? O que gostaria de saber mais sobre esse assunto?, citados como
“última parte da Aula Oficina”.
É aqui
que entram as Orientações Curriculares, pois são Orientações, e não “receitas”
de sucesso.
Apesar de
muitos professores reclamarem de que as Orientações Curriculares não oferecem
instrumentos de trabalhos, exemplos práticos ou propostas práticas, as
Orientações Curriculares nos indicam o “objetivo”, o “resultado”, “o quê nos
queremos alcançar” com nosso trabalho. E isto, para mim, é essencial.
Eu
adoraria trabalhar com 250 alunos-investigadores, mas eu não trabalho com este
público. Eu trabalho com alunos que não gostam de ler, e muitos escrevem muito
mal, quando escrevem. Minha maior vitória é quando um aluno que nunca leu um
livro entra na Sala de Leitura a procura de algum livro ou autor que eu citei
em sala de aula. São estes os troféus que eu coleciono em minha estante.
Eu
adoraria realizar apenas aulas-oficinas. E é o que eu busco trabalhar com meus
alunos do primeiro ano do Ciclo II, pois é este o momento onde nós conseguimos
desenvolver, na prática, “alunos-investigadores”.
Quando o
aluno passou por todo o Ciclo II em outro processo de aprendizado, com
professores de práticas didáticas diferentes, com professores inconstantes que
estão mais tempo afastados por problemas de saúde do que em sala de aula, com
professores substitutos que acompanham a turma por algumas aulas, sem
continuidade, “tapando o buraco” de professores que não estão presentes na
escola. Quando os alunos passam por este processo, e sufocados por um ambiente
social que não valoriza a “prática escolar”, o que eles querem é sair da escola
o mais rápido possível, executar o mínimo necessário para obter o diploma que
para eles, é “maldito”, que não lhes traz ou garante qualquer prazer, fama ou
dinheiro.
Assim, “o
buraco é mais embaixo”. Antes de conseguir realizar uma “aula-oficina” eu
preciso fazer com que meus alunos “queiram” se tornar “alunos-investigadores”.
Antes de me preocupar com “interpretação de fontes” e “compreensão
textualizada”, eu preciso me preocupar com: O que meu aluno aprendeu de novo
nestas aulas? O que meu aluno já sabia? O que meu aluno mais gostou de
aprender? O que meu aluno gostaria de saber mais sobre esse assunto?
Não
quero, com meu texto, desvalorizar ou desacreditar as propostas de Isabel
Barca, Maria Auxiliadora Schmidt e Tania Garcia, muito pelo contrário.
Conseguir realizar “aulas-oficina” com “alunos-investigadores” é meu grande
sonho. Mas não podemos deixar de ter consciência de que “o mundo real está
sempre um passo adiante da lógica”. Alimentarmos nossa utopia é essencial para
qualquer transformação. Mas esta transformação apenas acontecerá quando a
sociedade brasileira, e consequentemente seus políticos e acadêmicos, tiverem a
humildade de estarem ou, pelo menos, ouvirem o que de fato acontece dentro das
salas de aula. Elaborar teorias e receitas é apenas uma técnica.
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