terça-feira, 21 de agosto de 2012

Comparação da "experiência concreta" com textos sugeridos para leitura:


Fiz minha licenciatura no interior de Minas Gerais, na Universidade Federal de Ouro Preto, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, UFOP/ICHS, na cidade de Mariana. Uma das grandes vantagens de ter realizado meu curso nesta Instituição de Ensino Superior é o fato de que todos os professores estão muito próximos. Eram comuns as festas e encontros entre alunos e professores, saídas para almoço ou mesmo um lanche rápido na cantina da Faculdade ou mesmo um papo informal no famoso “redondo”, um espaço onde todos se sentavam para conversar e tocar violão.
Meu professor das disciplinas de Didática e Prática de Ensino se tornou um grande amigo, o Prof. Marcelo Seabra. E a grande lição que ele nos passou foi sobre a efetividade de nossa prática de ensino.
Toda teoria é muito bonita dentro dos muros da academia. É muito fácil elaborar projetos e textos referenciando grandes autores da Pedagogia. É muito fácil obter notas altas em avaliações, projetos e relatórios de atividades. Difícil é estar em uma sala de aula com mais de 35 alunos, muitos analfabetos funcionais, muitos sem estrutura familiar, a maioria sem o menor interesse pela história, conceitos, habilidades e capacidades que queremos trabalhar em sala de aula.
Contra as Orientações Curriculares temos uma realidade que nega os valores que pretendemos trabalhar. Não vemos nenhum “herói” do Big Brother Brasil lendo um livro. Não vemos nenhum jogador de futebol falando sobre sua escola ou sequer sobre seu curso superior de Educação Física. O político que mais teve votos na última eleição, mais de 1.300.000 votos para deputado federal, foi Francisco Everardo Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, que teve seu grande slogan repetido por todo o país: “Pior que tá, não fica”, confirmando seu total desconhecimento de História, pois o século XX é um dos maiores exemplos que sim, sempre é possível ficar “pior”.
Para combater esta realidade as universidades elaboram textos lindos como o de Isabel Barca, com seus termos rebuscados como “paradigmas educativos”, “aula-oficina”, “compreensão textualizada”, um texto perfeito obedecendo a todas as regras da ABNT. Para minha prática diária, serve como um instrumento de frustração ao tentar efetivar esta teoria acadêmica em uma sala de aula com 38 adolescentes desinteressados, onde muitos deles nunca saíram do próprio bairro, cujas referências de mundo são o que veem na televisão e o Shopping Center mais próximo.
O texto de Maria Auxiliadora e Tânia Maria já tem um pouco mais de consistência, quando aplicam sua teoria e demonstram algum resultado. Pelo menos nos indica alguma possibilidade de sucesso. Mas aqui também, existe uma hegemonia perigosa: “alunos-investigadores”, como se todos os alunos de uma escola, e eu, pessoalmente, trabalho com mais de 250 alunos, como se todos os meus 250 alunos fossem ou se interessassem em ser um “aluno-investigador”.
Muitos de meus alunos já são “moto-boys”, mesmo sem carteira de motorista, já trabalham como motoqueiro na estrega de pizzas na região onde moram. Muitos de meus alunos estão em LA (liberdade assistida), já tem experiência no crime, já fizeram um curso intensivo na Fundação CASA. Algumas de minhas alunas já tem filhos para cuidar. O interesse e preocupação destes alunos e alunas está muito distante de uma “interpretação de fontes” ou “compreensão textualizada”.
O que salva no texto de Maria Auxiliadora e Tânia Maria são suas questões finais: O que você aprendeu de novo nestas aulas? O que você já sabia? O que gostou mais de aprender? O que gostaria de saber mais sobre esse assunto?, citados como “última parte da Aula Oficina”.
É aqui que entram as Orientações Curriculares, pois são Orientações, e não “receitas” de sucesso.
Apesar de muitos professores reclamarem de que as Orientações Curriculares não oferecem instrumentos de trabalhos, exemplos práticos ou propostas práticas, as Orientações Curriculares nos indicam o “objetivo”, o “resultado”, “o quê nos queremos alcançar” com nosso trabalho. E isto, para mim, é essencial.
Eu adoraria trabalhar com 250 alunos-investigadores, mas eu não trabalho com este público. Eu trabalho com alunos que não gostam de ler, e muitos escrevem muito mal, quando escrevem. Minha maior vitória é quando um aluno que nunca leu um livro entra na Sala de Leitura a procura de algum livro ou autor que eu citei em sala de aula. São estes os troféus que eu coleciono em minha estante.
Eu adoraria realizar apenas aulas-oficinas. E é o que eu busco trabalhar com meus alunos do primeiro ano do Ciclo II, pois é este o momento onde nós conseguimos desenvolver, na prática, “alunos-investigadores”.
Quando o aluno passou por todo o Ciclo II em outro processo de aprendizado, com professores de práticas didáticas diferentes, com professores inconstantes que estão mais tempo afastados por problemas de saúde do que em sala de aula, com professores substitutos que acompanham a turma por algumas aulas, sem continuidade, “tapando o buraco” de professores que não estão presentes na escola. Quando os alunos passam por este processo, e sufocados por um ambiente social que não valoriza a “prática escolar”, o que eles querem é sair da escola o mais rápido possível, executar o mínimo necessário para obter o diploma que para eles, é “maldito”, que não lhes traz ou garante qualquer prazer, fama ou dinheiro.
Assim, “o buraco é mais embaixo”. Antes de conseguir realizar uma “aula-oficina” eu preciso fazer com que meus alunos “queiram” se tornar “alunos-investigadores”. Antes de me preocupar com “interpretação de fontes” e “compreensão textualizada”, eu preciso me preocupar com: O que meu aluno aprendeu de novo nestas aulas? O que meu aluno já sabia? O que meu aluno mais gostou de aprender? O que meu aluno gostaria de saber mais sobre esse assunto?
Não quero, com meu texto, desvalorizar ou desacreditar as propostas de Isabel Barca, Maria Auxiliadora Schmidt e Tania Garcia, muito pelo contrário. Conseguir realizar “aulas-oficina” com “alunos-investigadores” é meu grande sonho. Mas não podemos deixar de ter consciência de que “o mundo real está sempre um passo adiante da lógica”. Alimentarmos nossa utopia é essencial para qualquer transformação. Mas esta transformação apenas acontecerá quando a sociedade brasileira, e consequentemente seus políticos e acadêmicos, tiverem a humildade de estarem ou, pelo menos, ouvirem o que de fato acontece dentro das salas de aula. Elaborar teorias e receitas é apenas uma técnica.
A bula de um remédio nos diz suas indicações e efeitos colaterais, mas o que determina a eficácia e efeitos do medicamento é o corpo do paciente, não a sabedoria do médico.


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