domingo, 20 de março de 2016

Redes colaborativas e precariado produtivo

O modelo Peer-to-Peer transformou a cooperação numa etapa fundamental da produção cultural, tecnológica e econômica na sociedade contemporânea.

Nunca, na história da cultura, tivemos tantas possibilidades de descentralização dos meios de produção. Equipamentos digitais, câmeras de vídeo, câmeras fotográficas, equipamentos para músicos, DJs, produtores de audiovisual, computadores pessoais, softwares livres, uma enorme capacidade em duplicação de CDs, livros, música, que colocam em xeque o direito autoral tradicional e fazem vislumbrar um capitalismo do excedente e da possibilidade da livre circulação do conhecimento. Quais as bases “tecnológicas” dessas mudanças?

Segundo Michel Bauwens, em A economia política da produção entre pares (The political economy of peer production), à medida que os sistemas sociais se transformam em redes distribuídas, surge uma nova dinâmica produtiva: o modelo Peer-to-Peer (P2P), ponto a ponto. Mais que uma nova tecnologia de comunicação, é o modelo de funcionamento de novos processos sociais. E faz surgir um terceiro modo de produção, de autoridade e de propriedade, visando aumentar a participação generalizada de atores equipotenciais. Suas características mais importantes, segundo Bauwens, são: produção de valor de uso através da cooperação livre entre produtos que têm acesso ao capital distribuído; administração pela comunidade de produtores e não por mecanismos de alocação do mercado ou por uma hierarquia empresarial (“terceiro modo de autoridade”); disponibilizar livremente o valor de uso segundo um princípio de universidade, através de novos regimes de propriedade comum (“modo de propriedade distribuída ou entre pares”). A infraestrutura do P2P e das Redes Sociais Colaborativas tem algumas condições básicas, propostas por Bauwens, necessárias para facilitar a emergência de processos entre pares, que podemos resumir como: 1) A existência de uma infraestrutura tecnológica instalada. Os movimentos para a inclusão digital, os sistemas televisivos de file-serving – TiVo – e as infraestruturas alternativas de telecomunicação baseadas em meshworks são representativos desta tendência; 2) A existência de sistemas alternativos de informação e de comunicação que permitam a comunicação autônoma entre agentes cooperantes. A Web permite a produção, a disseminação e o consumo do material escrito, assim como o podcasting e o webcasting criam uma infraestrutura alternativa de informação e comunicação multimídia sem o intermédio dos meios de comunicação clássicos; 3) A existência de uma infraestrutura de software destinada à cooperação autônoma global. Um número crescente de ferramentas de colaboração que se inserem no software de redes sociais facilitam a criação de confiança e capital social; 4) A existência de infraestrutura legal que permita a criação de valor de uso e que o proteja da apropriação privada. A General Public Licence (que proíbe a apropriação do código software), a análoga Open Source Initiative e certas versões da licença Creative Commons desempenham esta função; 5) Por fim, o requisito cultural.

Para Bauwens, assim como para Antônio Negri, Maurizio Lazzarato e os teóricos do Capitalismo Cognitivo, esse requisito aponta para a difusão da intelectualidade humana, com as transformações nas formas de sentir e ser (ontologia), nas formas de conhecer (epistemologia), e em valores que contribuem para a criação de um “individualismo cooperativo”, uma das novas bases das redes colaborativas.]

O caso brasileiro

A estas proposições de Bauwens podemos acrescentar a “dobra” brasileira. Como enfrentar essa questão fugindo da criminalização do produtor e do consumidor de bens culturais? Se um camelô vende CD duplicado, DVD duplicado de música, de filme, se ele vende na porta do show de funk o que o garoto acabou de ouvir e dançar e quer levar para casa, será que o papel do Estado e das Corporações é criminalizar esse consumidor, criador, propagador, esses agentes de difusão virótica de cultura em que se transformaram os camelôs, os adolescentes, as vídeo-locadoras, os cineclubes, os coletivos, os blogueiros, as comunidades de troca de softwares, os produtores e consumidores de cultura locais e globais?

Em vez de reprimir, como legalizar “a cultura popular digital” (Hermano Vianna) que está se formando? Que não é só a questão da pirataria, é a oportunidade de um grupo de hip-hop ou de funk formar sua equipe de som, tocar na favela, nas comunidades, nos clubes, gravar sua música, queimar o seu CD e vender na porta do baile, formando uma rede produtiva que dá trabalho, ocupação e sentido para uma vida. Hoje, um computador pessoal de baixo custo e o acesso à internet são bens culturais essenciais no capitalismo cognitivo, pois o trabalho se tornou comunicacional e relacional. O desafio é como universalizar e socializar esses meios de produção de comunicação que são os meios de produção de cultura? Como apenas 10% da população brasileira possui computador em casa, então tem que ter bolsa cultura, bolsa comunicação, bolsa informática e colocar um computador funcionando em cada casa, centro, associação de moradores, quiosques públicos. Comunicação e cultura tornaram-se estratégicos para a sociedade civil. Nesse sentido, um dos programas mais significativos do governo Lula são os Pontos de Cultura, implementados pelo Ministério da Cultura em todo o país.

É preciso reconhecer a dimensão produtiva desses movimentos que não devem receber bolsas com contrapartidas, mas bolsas-investimento, pois eles próprios já são a contrapartida (Giuseppe Cocco), são os agentes produtivos que estão transformando realidades locais. São modelos embrionários de transformação radical das políticas públicas. São eles que produzem cultura a partir do local, vivem e moram em territórios abandonados e revitalizados de dentro. Também podemos falar de crise e extinção da tutela intelectual, econômica sobre os movimentos, que desconfiam das relações assimétricas e do roubo de capital simbólico e de um valor e um bem altamente valorado no contexto contemporâneo: a produção de mundos. Dessa forma, é a universidade, é a mídia, é o marketing social – ou o que eu chamo de “a lavagem social” – que precisa das periferias para se legitimar socialmente, intelectualmente ou até economicamente.

Emergência da cultura da periferia

A ascensão e a visibilidade da produção cultural vinda das periferias, subúrbios e favelas explicita esse novo valor. Uma produção cultural deslocada que traz consigo embriões de políticas públicas potenciais, com a possibilidade de redistribuição de riqueza e de poder, constituindo-se também como lugar de trabalho vivo e não meramente reprodutivo. Essa cultura das favelas e periferias (música, teatro, dança, literatura, cinema) surge como um discurso político “fora de lugar” e coloca em cenas novos mediadores e produtores de cultura: rappers, funkeiros, b-boys, jovens atores, performers, favelados, desempregados, subempregados, produtores da chamada economia informal, grupos e discursos que vêm revitalizando os territórios da pobreza e reconfigurando a cena cultural urbana. Transitam pela cidade e ascendem à mídia de forma muitas vezes ambígua, podendo assumir esse lugar de um discurso político urgente e de renovação num capitalismo da informação.

A cultura das favelas e periferias também é um contraponto para a visão estereotipada das favelas como fábricas de morte e violência, aspecto recorrente na mídia e no cinema que revela apenas a imagem da favela-inferno. A complexidade e ambiguidade da “dobra” brasileira no capitalismo global vem mostrando que as fábricas de pobreza e violência são também territórios e redes de criação. Essas vozes da periferia destituem os tradicionais mediadores da cultura e passam de “objetos” a “sujeitos” do discruso, concorrendo com os discursos da universidade e da mídia.

Nas favelas e periferias produziram-se novas relações de vizinhança, mutirões, redes de ajuda rizomáticas, cultura das festas, rituais religiosos, samba, funk, hip-hop, todo um capital cultural e afetivo forjado num ambiente de brutalidade compartilhado por diferentes grupos sociais. Desses espaços surgem práticas de cultura, estéticas e de redes políticas e de sociabilidade forjadas dentro dos guetos, mas conectadas aos fluxos globais (não é só o tráfico de drogas que consegue se globalizar) Grupos e territórios locais apontando saídas possíveis, rompendo com o velho “nacional-popular” populista e paternalista ou ideias engessadas de “identidade nacional”, e surgindo como expressões de um gueto global, dos guetos-mundo. Como falamos hoje de cidades globais, com questões e problemas comuns. O novo produtor de cultura das periferias faz parte de um precariado global: são os produtores sem salário nem emprego. São os trabalhadores do imaterial.

Estado-Nação versus Cidades da cooperação

Surgem também novas alianças entre as favelas e outros grupos isolados, como uma etapa no salto dos movimentos culturais locais e globais. Cidades da cooperação que rivalizam com o Estado-Nação, e funcionam à revelia dele. Movimentos que surgem da crise do Estado como provedor. Mas como dar suporte a essas redes socioculturais? Vivemos uma reestruturação produtiva. E na cultura isso é explícito. A cultura é hoje o lugar do trabalho informal (não assalariado). Movimentos que trabalham com informação, comunicação, arte, conhecimento e que não estão nas grandes corporações. Uma radicalização da democracia estimulando a produtividade social. Essa experiência da cultura a partir dos movimentos socioculturais surge como possibilidade de renovação radical das políticas públicas. Não é só uma mudança da política para a cultura, mas uma mudança da própria cultura política. São muitas iniciativas e podemos destacar, dentre outras, a economia e a cultura do funk e do hip-hop. São movimentos que produzem novas identidades e sentimentos de pertencimento, de comunidade, para além da música, e criam mundos e atividades produtivas. DJs, donos de equipamentos de som, donos de vans, organizadores de bailes, seguranças e rappers. Funkeiros que fazem até dez apresentações em bailes diferentes numa única noite. Todo um ciclo econômico em torno da cultura hip-hop e funk que explicita o primado da cultura na constituição da economia cognitiva do capitalismo contemporâneo.

Os movimentos culturais trabalham com uma ideia de educação não-formal como porta de entrada para a educação formal e para o trabalho vivo. Um movimento como o MST conseguiu construir escolas e propor programas educativos com mais rapidez que muitas prefeituras no interior do país. A produção cultural da periferia também não é formal. É precária, informal, veloz, e se dá em redes colaborativas, produzindo transferência de capital simbólico e real sem os tradicionais mediadores culturais e de poder. Os movimentos socioculturais podem atuar em todas as pontas: como produtores de cultura, administradores e beneficiários do resultado da sua produção. Se os atores culturais e sociais dispõem de recursos intelectuais e materiais para assumirem esse protagonismo, qual o papel das políticas públicas? Apoiar, estimular e promover, formar lideranças, agentes de cultura, administradores de cultura, de eventos culturais, dar as condições mínimas para esse desenvolvimento.
Artigo publicado em Global Brasil.
Março, abril e maio de 2007
Fonte: Caminhos para uma comunicação democrática. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2007. (Le Monde Diplomatique Brasil; 2) pp 111-119

O que fazer para democratizar as comunicações?

Para se desenvolver uma consciência coletiva crítica sobre como “funciona” a grande mídia brasileira, é importante a criação e atuação de veículos de comunicação alternativos.”

A constatação de que os grupos dominantes da grande mídia comercial brasileira sempre se recusaram a admitir qualquer avanço, por menor que seja, no sentido da democratização das comunicações, e sempre conseguiram que seus interesses prevalecessem na regulação do setor, provoca um inevitável desalento.
Qual seria uma perspectiva realista para orientar a ação dos vários grupos organizados da sociedade civil que reivindicam pelo menos ser ouvidos na formulação das políticas públicas de comunicações? A primeira e óbvia resposta a essa pergunta é que não se pode ingenuamente acreditar que a grande mídia, privada e comercial, um belo dia, posse a apoiar projetos de democratização da comunicação, abra espaço para a pluralidade e a diversidade de vozes de nossa sociedade. Isso não acontecerá.
O jornalista Bernard Cassen considerou essa “crença” uma ilusão fundamental daqueles que trabalham na perspectiva de que “um outro mundo é possível” nas comunicações. Em geral, dizia ele, se esquece que as empresas da grande mídia são atores centrais do processo de globalização e, portanto, a crítica ao processo deveria se dirigir igualmente a elas. Essa crítica direta, todavia, não ocorre porque aqueles que mantêm relações privilegiadas com jornalistas dessa grande mídia temem perder o acesso a ela. Ao se iludirem com os pequenos e ocasionais espaços oferecidos, deixam de investir naquilo que é de fato importante e estratégico. Essa ilusão, aliás, é parte importante do problema. Na verdade, ainda é extremamente restrito o segmento da população que percebe, com a necessária clareza, o que está em jogo. Tendo em vista a centralidade que ocupa nas sociedades contemporâneas, a mídia constitui-se hoje em locus privilegiado das disputas de poder. Seu papel mais importante decorre da capacidade que tem de “construir a realidade” através da representação dos diferentes aspectos da vida humana, sobretudo, da representação da própria política e dos políticos. É através da mídia que a política é construída simbolicamente e que adquire significado.
Trata-se, portanto, de uma questão de poder e nenhum ator político cede poder voluntariamente. O Executivo brasileiro, aparentemente, não tem tido forças para confrontar os grupos dominantes de mídia privados, eles próprios poderosos atores econômicos e políticos. Ao contrário, deles depende e se vê na contingência de com eles negociar não só as propostas de políticas públicas de comunicações, mas, inclusive, propostas em outras áreas (economia, educação, esportes, cultura etc.). Ademais, não se pode esquecer que os atores que exercem o controle do poder político somente são sensíveis a demandas que se expressem de forma organizada e representem potencialmente uma ameaça à sua permanência no poder. Por exemplo: no ano de 2005 foram realizadas duas marchas de setores organizados da sociedade civil interessados na reforma agrária a Brasília: MST e Contag. O Executivo, diante da demanda organizada, viu-se obrigado a negociar e atender a várias reivindicações desses movimentos. Há alguma possibilidade, a curto e médio prazos, de termos uma marcha a Brasília de movimentos sociais organizados da sociedade civil brasileira reivindicando a democratização das comunicações?
Ao contrário de setores como saúde, habitação e educação, por exemplo, as comunicações não são percebidas, pela imensa maioria da população como um direito humano básico. E mais: não se percebe como o controle da mídia pode determinar o próprio controle do poder político. Desta forma, uma das tarefas claras dos segmentos interessados na democratização da comunicação é trabalhar no sentido de ampliar a consciência coletiva da importância crítica deste setor para a democracia. Um dia ainda teremos as políticas públicas de comunicações percebidas pela maioria da população como já são hoje percebidas as políticas públicas de setores como saúde, habitação e educação. Até lá, os interesses dos grandes grupos privados de mídia certamente continuarão a prevalecer na regulação das comunicações.
Essa constatação, no entanto, não significa que nada há por fazer. Ao contrário. Existem várias iniciativas que podem e devem ser tomadas por instituições e movimentos da sociedade civil que trabalham na perspectiva de que “um outro mundo é possível” nas comunicações brasileiras. Alguns exemplos, não necessariamente na ordem de sua relevância:
1. A criação de jornais, revistas, emissoras de rádio, de televisão e agências on-line, alternativos à grande mídia, deveria constituir prioridade absoluta. É preciso que grupos empresariais alternativos e organizações da sociedade civil, por exemplo, disputem as novas concessões de radiodifusão quando licitadas pelo Ministério das Comunicações. Ao contrário de países como México, Espanha, Itália e França – para citar apenas alguns – até hoje não se conseguiu, a não ser por curtos períodos, constituir no Brasil uma mídia alternativa e economicamente viável. Existem experiências, em andamento, com histórico e potencial para se firmarem definitivamente no “mercado” brasileiro. Exemplos importantes são a Carta Capital, a Agência Carta Maior, a revista Caros Amigos, dentre outros.
2. A municipalização da competência para legislar sobre rádios comunitárias, apoiada em interpretação específica do inciso IV do Artigo 22 da Constituição, defendida pelo jurista Paulo Fernando Silveira, abre uma nova perspectiva para a comunicação comunitária. Projetos de lei nesse sentido já foram aprovados em importantes cidades, inclusive em São Paulo.
A modificação da atual legislação restritiva da radiodifusão comunitária; a regularização das emissoras de rádio que a grande mídia chama de “piratas”; a criação de um fundo de apoio público permanente para a radiodifusão comunitária; a suspensão do fechamento de emissoras de rádio pela Anatel e o fim das prisões que continuam sendo feitas pela Polícia Federal, são bandeiras fundamentais.
3. Uma das explicações oficiais utilizadas para justificar o recuo do governo federal em relação as Retransmissoras de Televisão Institucionais (RTVIs), em 2005, foi a necessidade de que primeiramente funcionem os Conselhos Municipais de Comunicação Social (CMCS) Esses CMCS podem ser criados por iniciativa de qualquer vereador e basta a aprovação de uma lei municipal. Uma referência possível, por exemplo, seria o CMCS de Porto Alegre que, embora não tenha sido ainda institucionalizado, funcionou e tem projeto de lei pronto.
4. Acompanhar as renovações e as novas outorgas de concessões das emissoras de rádio e de televisão existentes no município poderia ser uma das primeiras tarefas desses CMCS. Nem todos sabem que as emissoras de rádio e televisão são concessões públicas precárias, de 10 a 15 anos, respectivamente. O verdadeiro dono do serviço público de radiodifusão é o cidadão e não o empresário privado que explora a concessão.
Os CMCS deveriam obter junto ao Ministério das Comunicações a relação das concessões existentes em seu município e as datas de vencimento de cada uma delas. Essa informação deveria ser amplamente divulgada na comunidade. Subcomissões dos CMCS poderiam ser criadas para acompanhar as programações dessas emissoras que usariam como critério de avaliação as normas estabelecidas no capítulo da Comunicação Social da nossa Constituiçao (Artigos 220 a 224), ou seja, a ausência de oligopólios e monopólios na mídia; a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; a promoção da cultura nacional e regional; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística; e a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
À época da renovação dessas concessões, as avaliações feitas nas comunidades deveriam ser encaminhadas à Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados – que julga os pedidos – com cópia para os deputados federais da região e como expressão da opinião da comunidade.
Outra tarefa dos CMCS poderia ser explicitar as relações existentes entre os políticos profissionais e entidades concessionárias de rádio e televisão. Como se sabe, há no Brasil um vínculo histórico entre a mídia e as elites políticas locais e regionais, quase sempre escamoteado, e que muitas vezes só se revela pelo conhecimento direto das relações de parentesco nas comunidades.
A existência dos CMCS não é, evidentemente, condição necessária para que se realizem as tarefas acima sugeridas e tantas outras. Qualquer grupo de cidadãos pode realizá-las.
5. Embora a Constituição determine a observação do princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal para a outorga e renovação de concessões, permissões e autorizações de radiodifusão (Artigo 223), ele não tem sido observado.
Nessa perspectiva, o fortalecimento da mídia pública e da estatal – federal, estadual e municipal – é necessário na busca do próprio equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal A recente Medida Provisória criando a Empresa Brasileira de Comunicação é um importante avanço neste sentido. Resta garantir que a comunicação pública tenha mecanismos institucionais, tanto de gestão como de controle, que garantam sua autonomia e tal independência.
6. Em diversos países do mundo os “observatórios de mídia” exercem um papel permanente de reflexão crítica sobre o setor de comunicações. Eles constituem a melhor maneira de avaliar a mídia de acordo com seus próprios critérios: objetividade, neutralidade, pluralidade, diversidade e localismo, dentre outros. O resultado é que, frequentemente, a grande mídia é flagrada em contradição com suas próprias normas.
Tornar públicas essas contradições, além de aumentar a consciência coletiva crítica sobre como “funciona” a grande mídia, exerce também um importante papel pedagógico. Envolver sindicatos, associações comunitárias, entidades estudantis e cursos de comunicação no trabalho de “observação” permanente da grande mídia é, portanto, tarefa básica.
7. Os cursos de comunicação deveriam preparar seus milhares de alunos, prioritariamente, para exercer sua profissão em uma nova mídia que precisa também ser construída como alternativa à grande mídia privada. Isso implica mudar os velhos paradigmas dominantes no ensino e na pesquisa de comunicação. Não é tarefa simples, nem fácil. No entanto, é absolutamente necessária.
Outras iniciativas locais como a introdução nos currículos escolares de disciplinas sobre a mídia; a criação de associações de ouvintes, telespectadores e leitores; e a criação de circuitos alternativos de cinema e vídeo, certamente, poderão ser tomadas.
Como se vê, apesar do forte desequilíbrio existente na correlação de forças entre os principais atores que têm interesses em jogo no setor de comunicações, muito pode ser feito para a sua democratização. Às vezes avanços não acontecem em razão de muitas contradições e disputas internas existente dentro do próprio campo alternativo. Esse é outro obstáculo histórico a ser superado por aqueles que acreditam que “um outro mundo é possível” nas comunicações brasileiras.

Outubro de 2007
Autor: Venício A. de Lima
Fonte: Caminhos para uma comunicação democrática. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2007. (Le Monde Diplomatique Brasil; 2) pp 83-91