quarta-feira, 29 de agosto de 2012

PEDAGOGIA DA AUTONOMIA? SERÁ POSSÍVEL?


QUAIS INFORMAÇÕES E CONHECIMENTOS PRÉVIOS FORAM MOBILIZADOS PELOS ALUNOS PARA COMPREENDEREM AS IMAGENS E EXPLICAÇÕES DA PROFESSORA NOS TRECHOS DO EPISÓDIO DA SÉRIE CIDADE DOS HOMENS?

COMO VOCÊ EXPLICA ESSAS DIFERENÇAS ENTRE A PESPECTIVA DA PROFESSORA E DOS ALUNOS?

Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo.
(FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura. p 53).

Tomando da Introdução de Marc Bloch ao seu texto “Apologia da História”, coloco neste tópico o mesmo problema colocado por ele ao ouvir a pergunta de um garoto: “Papai, então me explica para que serve a história.” O problema que esta pergunta coloca não é nada menos do que o da legitimidade da história. É o que diz Marc Bloch.
O que sugere os trechos do episódio da série Cidade dos Homens e os desafios apresentados nas Orientações Curriculares para História (pp 35 e 36) reforçam a questão da legitimidade daquilo que queremos ensinar em sala de aula. Além de “o que” queremos ensinar, mas “como” queremos” ensinar, e “para que” queremos ensinar.
Meu livrinho de cabeceira tem sido, e pelo visto, continuará sendo por toda a minha vida; “Pedagogia da Autonomia”, do mestre Paulo Freire. Vejam o que ele nos diz na página 55 deste livreto: 

“Histórico-sócio-culturais, mulheres e homens nos tornamos seres em quem a curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, se torna fundante da produção do conhecimento. Mais ainda, a curiosidade é já conhecimento. Como a linguagem que anima a curiosidade e com ela se anima, é também conhecimento e não só expressão dele.”

Mas vamos fazer uma análise de uma experiência prática na cidade de Santos. Vejam o anexo 1 deste texto retirado do site g1.globo.com. A manchete é “Professor de matemática é suspeito de apologia ao crime em Santos”. Mas será que Acerola e a professora de História não fizeram apologia ao crime na série Cidade dos Homens? O que os distingue? Quem determina quem é exemplo e quem é criminoso?

A legitimidade.
A Rede Globo tem o poder e o domínio para determinar o que é legítimo e o que não é. Em uma novela de TV vê-se um exemplo que pode ser aplicado em um curso de formação de professores. Na prática do professor vê-se o crime. Eu volto a perguntar: O que os distingue?
E respondo com Paulo Freire, o mesmo livreto, na página 63:
“É o meu bom senso, em primeiro lugar, o que me deixa suspeitoso, no mínimo, de que não é possível à escola, se, na verdade, engajada na formação de educandos educadores, alhear-se das condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos.”

E continuo com a página 65:

“A prática docente especificamente humana, é profundamente formadora, por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão.”

E fica a pergunta, esta, sem resposta: Quem determina o que é legítimo e o que não é? Neste aspecto, tanto a Rede Globo quanto a academia se fazem juízes e condenam, sem profundidade de conhecimento, apenas com teses, conceitos, teorias e mercado.
Mas pretendo ampliar esta questão evitando restringir nossa análise a fatos singulares, como sugere as Orientações Curriculares. Até onde vai nossa realidade e nossa responsabilidade?
Vejamos a tabela de gastos de manutenção de gabinete de vereadores em São Paulo. Vamos comparar com o gasto de nossas Escolas? A Escola onde trabalho, que atende mais de 800 alunos, recebeu menos de R$ 50.000 no ano de 2011. A Prefeitura gastou mais de 7,5 milhões de reais para manter 54 gabinetes, podendo gastar até R$ 192.312,56 por gabinete/ano.
Esta é a triste realidade de nosso cotidiano. Nossos heróis jogam bola e exibem o corpo “sarado”. Nossos heróis não precisam ler, muito menos estudar. O político que ganha menos recebe um salário pelo menos duas vezes maior do que qualquer professor ou médico.
Enquanto nossos valores estiverem sujeitos ao mercado e não sofrerem uma mudança ética nossos alunos não serão encorajados à árdua tarefa de transformação do saber ingênuo em saber produzido. E finalizo este texto com mais uma citação de Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, página 69, como uma forma de oração: 
“Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.”




RESPOSTA SIMPLES PARA AS QUESTÔES POSTAS:

1. Os conhecimentos prévios mobilizados pelo aluno Acerola para compreender as imagens e explicações da professora foram as imagens, linguagem e contexto de seu cotidiano nos morros dominados por traficantes no Rio de Janeiro.
2. A perspectiva da professora era meramente acadêmica, enquanto a perspectiva do Acerola era figurativa e vinculada ao seu cotidiano. O grande elo que é apresentado neste episódio, a meu ver, é o momento em que a professora “ouve” a narrativa de seu aluno e se apropria dele para desenvolver o tema.
Anexo 1:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/02/professor-de-matematica-e-acusado-de-apologia-ao-crime-em-santos.html

Anexo 2:
http://ocasional-mente.blogspot.com.br/2012/08/manutencao-de-gabinete-dos-vereadores.html

O episódio de Cidade dos Homens citado é "Coroa do Imperador" (partes 1 e 4):
http://www.youtube.com/watch?v=vIliPChFgRs&feature=player_embedded

Um comentário:

Unknown disse...

Gostei muito dessa análise. Parabéns pelo conteúdo desse blog.