Neste texto vamos apresentar uma visão biológica da Ayahuasca, seus elementos químicos e seus efeitos. A Ayahuasca é preparada principalmente a partir do cipó Banisteriopsis caapi (o Mariri) e da folha de Psycotria viridis (a Chacrona).
O cipó Banisteriopsis caapi, da família Malpighiaceae, contém alcalóides β-carbolinas, como harmina, harmalina e tetra-hidro-harmalina, que atuam como inibidores da MAO (monoaminoxidase). A concentração desses alcaloides no cipó varia de 0,05% a 1,95%. A Psycotria viridis, da família Rubiaceae, possui N,N-dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide derivado indólico que age nos receptores da serotonina, em concentrações que variam de 0,1% a 0,66%. Em 200 mL de Ayahuasca, as análises quantitativas indicam aproximadamente 30 mg de harmina, 10 mg de tetra-hidro-harmalina e 25 mg de DMT.
Para compreender o mecanismo de ação da Ayahuasca, é fundamental entender o papel da serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT). Essa substância distribui-se amplamente nos tecidos animais, sendo mais de 90% encontrada nas células enterocromafins do trato gastrointestinal. No sangue, a serotonina está presente nas plaquetas, e no cérebro, nos núcleos da rafe do tronco cerebral, onde neurônios triptaminérgicos a sintetizam, armazenam e liberam como neurotransmissor. A serotonina cerebral está envolvida em funções como sono, humor, regulação da temperatura, percepção da dor e regulação da pressão arterial, e pode estar ligada a condições patológicas como depressão, ansiedade e enxaqueca. Ela é metabolizada pela MAO em 5-hidroxindol acetaldeído. A serotonina exerce suas ações mediadas por receptores na membrana celular, como o 5-HT1a (nos núcleos da rafe e hipocampo, diminuindo o AMP cíclico), o 5-HT1b (no globo pálido e gânglios da base, diminuindo o AMPc), o 5-HT1c (no coroide e hipocampo, aumentando o IP3), e o 5-HT2 (nas plaquetas, músculo liso, córtex cerebral e fundo do estômago, aumentando o IP3). O aumento de IP3 leva ao aumento da secreção e motilidade em órgãos e tecidos. Os principais efeitos da serotonina no sistema cardiovascular incluem contração do músculo liso e potente vasoconstrição (exceto em músculos esqueléticos e no coração), além de causar vasodilatação e agregação plaquetária no coração. No trato gastrointestinal, causa contração da musculatura lisa, aumentando o tônus e facilitando o peristaltismo, e o excesso de serotonina em tumores associa-se à diarreia intensa. Na respiração, tem pequena ação estimulante do músculo liso bronquiolar. No sistema nervoso, é um potente estimulador das terminações nervosas sensoriais para dor e prurido, e ativadora das terminações quimiossensíveis no leito vascular coronário, associada à bradicardia e hipotensão.
O DMT é um potente alucinógeno quando administrado por via parenteral em doses de 25 mg, agindo como agonista dos receptores 5-HT1a, 1b, 1d, 5-HT2a e 2c. No entanto, por via oral, é inativado pela enzima MAO intestinal e hepática. As β-carbolinas, por sua vez, possuem propriedades alucinógenas e contribuem para a atividade da Ayahuasca. Sendo inibidoras da MAO, as β-carbolinas impedem a desaminação intestinal do DMT, permitindo que ele chegue ao cérebro mesmo após ingestão oral. Além disso, elas aumentam os níveis de serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina no cérebro. Os efeitos sedativos de altas doses de β-carbolinas resultam do bloqueio da desaminação da serotonina. A tetra-hidro-harmina (THH), a segunda β-carbolina mais abundante na Ayahuasca, atua como um fraco inibidor da recaptação do receptor 5-HT e inibidor da MAO, podendo prolongar a meia-vida do DMT ao bloquear sua recaptação intraneuronal. A THH também pode bloquear a recaptação neuronal da serotonina, elevando os níveis de 5-HT na fenda sináptica, e pode atenuar os efeitos da ingestão oral de DMT por competir com os sítios receptores pós-sinápticos. A ação da bebida se deve à interação das β-carbolinas com o DMT, que juntas potencializam as propriedades alucinógenas, considerando que as β-carbolinas aumentam as concentrações de DMT.
Os efeitos da Ayahuasca aparecem em aproximadamente 30 a 45 minutos e podem durar até quatro horas. Os efeitos subjetivos incluem visões de imagens com os olhos fechados, delírios semelhantes a sonhos e sensação de vigilância e estimulação. É comum a ocorrência de hipertensão, palpitação, taquicardia, tremores, midríase, euforia e excitação agressiva. Náuseas, vômitos e diarreia são frequentes e podem estar associados à ação no receptor 5-HT2. Algumas β-carbolinas foram identificadas como causadoras de efeitos co-mutagênicos, possivelmente por interagirem com ácidos nucleicos. Por serem inibidoras da MAO, essas substâncias podem causar a síndrome serotoninérgica, uma patologia grave decorrente do excesso de serotonina. A "miração", uma ação alucinógena específica e frequente, caracteriza-se por visões de animais, "seres da floresta", divindades, demônios, sensação de voar, e a substituição do corpo pelo de outro ser, variando conforme a experiência individual. A Ayahuasca pode induzir ilusões visuais, auditivas, olfativas e dos demais sentidos.
Os "estados alterados de consciência" provocados pelo chá podem ser vistos como alterações da percepção, cognição, volição e afetividade. A avaliação da intensidade dos efeitos da Ayahuasca, usando a Escala de Mensuração dos Alucinógenos (HRS) após a ingestão de cerca de 150 mL do chá, mostrou resultados semelhantes a uma dose intravenosa de 0,1 a 0,2 mg/kg de DMT nos espectros de intensidade, afeto, cognição e volição. Na percepção, foi comparável a 0,1 mg/kg de DMT, e na sinestesia, inferior à menor dose de DMT intravenosa (0,05 mg/kg). A maioria dos alucinógenos que atuam no receptor 5-HT leva ao fenômeno de tolerância, que exige doses maiores para os mesmos efeitos ou diminui o efeito inicial com a mesma dose. Contudo, um estudo de 1997 demonstrou que o DMT, quando usado isoladamente, não causou desenvolvimento de tolerância crescente após doses subsequentes.
Até aqui, o texto foi baseado no trabalho de Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005. O texto original foi adaptado por uma IA. Tomei a liberdade de realizar esse procedimento para destacar que os dados científicos não precisam de interpretação ou de tradução, afinal, um charuto é apenas um charuto. O que precisamos compreender é que a base em que esses elementos químicos irão atuar é um ser humano singular, portanto, cada efeito, em cada corpo, em determinado momento, também é singular.
Na história da humanidade, com o movimento chamado Iluminismo, se determinou a separação entre ciência e religião, entre corpo e espírito. Porém, depois de Einstein e Freud, podemos afirmar que esta separação é uma falácia. Ou, tudo é energia.
“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.” (Airton Krenak, O amanhã não está a venda.)
Assim como palavras combinadas e articuladas formam frases e textos que, como um todo transmitem um significado complexo que transcende a soma dos significados individuais das palavras, DMT, MAO, harmalina, alcaloides, serotonina, são elementos que, combinados e articulados no todo humano, transcendem a soma de seus efeitos.
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