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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Ayahuasca, uma revolução ancestral. Parte 2.


Neste texto vamos apresentar uma visão biológica da Ayahuasca, seus elementos químicos e seus efeitos. A Ayahuasca é preparada principalmente a partir do cipó Banisteriopsis caapi (o Mariri) e da folha de Psycotria viridis (a Chacrona).

O cipó Banisteriopsis caapi, da família Malpighiaceae, contém alcalóides β-carbolinas, como harmina, harmalina e tetra-hidro-harmalina, que atuam como inibidores da MAO (monoaminoxidase). A concentração desses alcaloides no cipó varia de 0,05% a 1,95%. A Psycotria viridis, da família Rubiaceae, possui N,N-dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide derivado indólico que age nos receptores da serotonina, em concentrações que variam de 0,1% a 0,66%. Em 200 mL de Ayahuasca, as análises quantitativas indicam aproximadamente 30 mg de harmina, 10 mg de tetra-hidro-harmalina e 25 mg de DMT.

Para compreender o mecanismo de ação da Ayahuasca, é fundamental entender o papel da serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT). Essa substância distribui-se amplamente nos tecidos animais, sendo mais de 90% encontrada nas células enterocromafins do trato gastrointestinal. No sangue, a serotonina está presente nas plaquetas, e no cérebro, nos núcleos da rafe do tronco cerebral, onde neurônios triptaminérgicos a sintetizam, armazenam e liberam como neurotransmissor. A serotonina cerebral está envolvida em funções como sono, humor, regulação da temperatura, percepção da dor e regulação da pressão arterial, e pode estar ligada a condições patológicas como depressão, ansiedade e enxaqueca. Ela é metabolizada pela MAO em 5-hidroxindol acetaldeído. A serotonina exerce suas ações mediadas por receptores na membrana celular, como o 5-HT1a (nos núcleos da rafe e hipocampo, diminuindo o AMP cíclico), o 5-HT1b (no globo pálido e gânglios da base, diminuindo o AMPc), o 5-HT1c (no coroide e hipocampo, aumentando o IP3), e o 5-HT2 (nas plaquetas, músculo liso, córtex cerebral e fundo do estômago, aumentando o IP3). O aumento de IP3 leva ao aumento da secreção e motilidade em órgãos e tecidos. Os principais efeitos da serotonina no sistema cardiovascular incluem contração do músculo liso e potente vasoconstrição (exceto em músculos esqueléticos e no coração), além de causar vasodilatação e agregação plaquetária no coração. No trato gastrointestinal, causa contração da musculatura lisa, aumentando o tônus e facilitando o peristaltismo, e o excesso de serotonina em tumores associa-se à diarreia intensa. Na respiração, tem pequena ação estimulante do músculo liso bronquiolar. No sistema nervoso, é um potente estimulador das terminações nervosas sensoriais para dor e prurido, e ativadora das terminações quimiossensíveis no leito vascular coronário, associada à bradicardia e hipotensão.

O DMT é um potente alucinógeno quando administrado por via parenteral em doses de 25 mg, agindo como agonista dos receptores 5-HT1a, 1b, 1d, 5-HT2a e 2c. No entanto, por via oral, é inativado pela enzima MAO intestinal e hepática. As β-carbolinas, por sua vez, possuem propriedades alucinógenas e contribuem para a atividade da Ayahuasca. Sendo inibidoras da MAO, as β-carbolinas impedem a desaminação intestinal do DMT, permitindo que ele chegue ao cérebro mesmo após ingestão oral. Além disso, elas aumentam os níveis de serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina no cérebro. Os efeitos sedativos de altas doses de β-carbolinas resultam do bloqueio da desaminação da serotonina. A tetra-hidro-harmina (THH), a segunda β-carbolina mais abundante na Ayahuasca, atua como um fraco inibidor da recaptação do receptor 5-HT e inibidor da MAO, podendo prolongar a meia-vida do DMT ao bloquear sua recaptação intraneuronal. A THH também pode bloquear a recaptação neuronal da serotonina, elevando os níveis de 5-HT na fenda sináptica, e pode atenuar os efeitos da ingestão oral de DMT por competir com os sítios receptores pós-sinápticos. A ação da bebida se deve à interação das β-carbolinas com o DMT, que juntas potencializam as propriedades alucinógenas, considerando que as β-carbolinas aumentam as concentrações de DMT.

Os efeitos da Ayahuasca aparecem em aproximadamente 30 a 45 minutos e podem durar até quatro horas. Os efeitos subjetivos incluem visões de imagens com os olhos fechados, delírios semelhantes a sonhos e sensação de vigilância e estimulação. É comum a ocorrência de hipertensão, palpitação, taquicardia, tremores, midríase, euforia e excitação agressiva. Náuseas, vômitos e diarreia são frequentes e podem estar associados à ação no receptor 5-HT2. Algumas β-carbolinas foram identificadas como causadoras de efeitos co-mutagênicos, possivelmente por interagirem com ácidos nucleicos. Por serem inibidoras da MAO, essas substâncias podem causar a síndrome serotoninérgica, uma patologia grave decorrente do excesso de serotonina. A "miração", uma ação alucinógena específica e frequente, caracteriza-se por visões de animais, "seres da floresta", divindades, demônios, sensação de voar, e a substituição do corpo pelo de outro ser, variando conforme a experiência individual. A Ayahuasca pode induzir ilusões visuais, auditivas, olfativas e dos demais sentidos.

Os "estados alterados de consciência" provocados pelo chá podem ser vistos como alterações da percepção, cognição, volição e afetividade. A avaliação da intensidade dos efeitos da Ayahuasca, usando a Escala de Mensuração dos Alucinógenos (HRS) após a ingestão de cerca de 150 mL do chá, mostrou resultados semelhantes a uma dose intravenosa de 0,1 a 0,2 mg/kg de DMT nos espectros de intensidade, afeto, cognição e volição. Na percepção, foi comparável a 0,1 mg/kg de DMT, e na sinestesia, inferior à menor dose de DMT intravenosa (0,05 mg/kg). A maioria dos alucinógenos que atuam no receptor 5-HT leva ao fenômeno de tolerância, que exige doses maiores para os mesmos efeitos ou diminui o efeito inicial com a mesma dose. Contudo, um estudo de 1997 demonstrou que o DMT, quando usado isoladamente, não causou desenvolvimento de tolerância crescente após doses subsequentes.


Até aqui, o texto foi baseado no trabalho de Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005. O texto original foi adaptado por uma IA. Tomei a liberdade de realizar esse procedimento para destacar que os dados científicos não precisam de interpretação ou de tradução, afinal, um charuto é apenas um charuto. O que precisamos compreender é que a base em que esses elementos químicos irão atuar é um ser humano singular, portanto, cada efeito, em cada corpo, em determinado momento, também é singular.

Na história da humanidade, com o movimento chamado Iluminismo, se determinou a separação entre ciência e religião, entre corpo e espírito. Porém, depois de Einstein e Freud, podemos afirmar que esta separação é uma falácia. Ou, tudo é energia.

“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.” (Airton Krenak, O amanhã não está a venda.)

Assim como palavras combinadas e articuladas formam frases e textos que, como um todo transmitem um significado complexo que transcende a soma dos significados individuais das palavras, DMT, MAO, harmalina, alcaloides, serotonina, são elementos que, combinados e articulados no todo humano, transcendem a soma de seus efeitos.

Ayahuasca, uma revolução ancestral. Parte 1.




A história sobre o chá da Ayahuasca remonta desde o Império Inca e vem sendo utilizado milenarmente por indígenas que vivem na região da Amazônia como prática espiritual e ritual. Com a chegada de outros povos ao Brasil, não-indígenas passaram a fazer uso do chá. Essa utilização vem aumentando desde a liberação do uso da Ayahuasca para fins religiosos no Brasil. A ação do chá deve-se à presença de alcaloides nas plantas utilizadas na sua preparação: o cipó Banisteriopsis caapi, chamado de Mariri; e as folhas do arbusto Psycotria viridis, chamado de Chacrona.

A palavra Ayahuasca é de origem indígena. Aya quer dizer “pessoa morta, alma espírito” e waska significa “corda, liana, cipó ou vinho”. Assim a tradução, para o português, seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”. No Peru, encontrou-se o seguinte significado: “soga de los muertos”.

Diversos povos indígenas, que vivem desde a região da Amazônia até o sul dos Andes, fazem uso da Ayahuasca, especificamente, é utilizada por cerca de 72 tribos distintas da Amazônia, dentre elas destacam-se os Kaxinawá, Yaminawa, Sharanawa, Ashaninka, Airo-pai, Baranara, dentre muitas outras. Para estas civilizações, as manifestações religiosas ocorrem na forma de mitos ligados à realidade do meio que os cercam. Para os Kaxinawá a natureza possui alma, vontade e ordem própria, revelando que o espírito da mesma é uma energia vital responsável por todo o fenômeno em qualquer parte do mundo. Assim, a natureza não está fora do humano, o humano está dentro da natureza. Para os Kaxinawá, a natureza não existe sem ser permeada pelo espiritual.

A ingestão da bebida seria, ainda, fundamental para o destino do indígena depois da sua morte. Somente com o chá, o ser humano poderia perceber a separação entre o espírito e o corpo. Sem isso o corpo ficaria louco e não conseguiria alcançar a “aldeia celeste”, que seria o destino final do espírito. E, também, somente com o chá se pode adquirir a força necessária para enfrentar “a luta espiritual com a onça gigante e não ser devorado por esta, que está no meio do caminho para a aldeia celeste”. Entre os Ashaninka, a Ayahuasca significa virtude religiosa e moral, sendo seu uso ligado a um dever, cuja principal característica é a eternidade. Dentre as culturas indígenas, as visões causadas pelas plantas são consideradas verdades absolutas, e mais, as visões seriam a verdade. Para estas civilizações, a vida cotidiana seria uma ilusão ou um período transitório. O verdadeiro aspecto da vida na Terra é aquele contemplado nas visões sob o efeito do chá. A planta revelaria as coisas como elas realmente são, revelaria a essência dos seres, e neste caso todos seriam iguais, todos com aspecto humano, mas não são humanos e sim seres da natureza que vivem em um espaço próprio, onde eles vêem tudo e sabem de tudo.

Aqui, destaco Teilhard de Chardin, um padre francês que faleceu em Nova Iorque em 1955, a quem é atribuída a frase: “somos seres espirituais vivendo uma experiência humana”. Uma pessoa com uma ancestralidade completamente diversa de qualquer indígena sul americano, mas com a mesma percepção.

A Ayahuasca é considerada, ainda, como sendo a fonte de todo o conhecimento necessário para se viver corretamente em todos os aspectos (pessoal, moral, social, espiritual, ancestral, com os animais, plantas e seres sobrenaturais). Por fim, temos os efeitos terapêuticos da planta que é ao mesmo tempo aquilo que permite o diagnóstico, bem como a cura para inúmeros males.

O importante de todo este prólogo é que esses elementos se fazem presentes nos diversos grupos não-indígenas que utilizam o consumo da Ayahuasca em seus rituais, pois esses elementos são efeitos produzidos pelo consumo do chá.

Eu, pessoalmente, faço uso da Ayahuasca há mais de 7 anos, bebendo o chá, geralmente, a cada 15 dias. O que eu posso dizer, da minha experiência pessoal, é que os elementos descritos nas pesquisas que foram fonte desse texto estão também presentes em minha experiência subjetiva.

Encerro deixando a reflexão: os efeitos produzidos pelo chá são determinados pelo ritual? Ou são os efeitos do chá na psique humana que determinam os rituais?

No próximo texto pretendo trazer algumas informações de estudos sobre a ação dos alcaloides encontrados na Ayahuasca.


Fontes:

Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005.

Labate, B.C.; Araújo, W.S. - O uso Ritual da Ayahuasca. Mercado das Letras. FAPESP, São Paulo, 2002.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Carta para um amigo não tão distante

    Cá estou nesta longa viagem dias adentro.

    Eu, que sempre fui auto suficiente, me pego agora questionando minha solidão.

    Trouxe comigo vários livros para preencher meu tempo, me fazer companhia. Suíte Tóquio, A vida invisível de Eurídice Gusmão, Canção para ninar menino grande, estes já lidos, e agora Um beijo de colombina. Seleção maravilhosa da bibliotecária do SESC, faço questão de citar.

    Neste, do agora, a personagem encontra uma rosa como Manuel Bandeira, uma rosa branca, sozinha no mundo, sozinha no tempo, e tudo ao redor da rosa era excesso. A rosa da personagem estava no meio de um canteiro malcuidado de uma lanchonete de beira de estrada. A minha rosa é apenas… apenas? uma palavra entre tantas outras. Assim como eu, uma pessoa no meio de tantas outras.

    Esta rosa me fez parar a leitura. Esta rosa me fez parar e observar minha respiração. Esta rosa me fez conversar contigo, sem sua presença, o que é bastante comum. É muito bom quando isto acontece pois nestas conversas você apenas ouve o que eu quero dizer, não responde, não comenta. Às vezes eu ouço uma risada dentro da minha cabeça sem saber se a risada foi minha ou se foi sua, como agora.

    Escalar o Pico dos Itatins. Me deliciar nas diversas banheiras de hidromassagem nas corredeiras da cachoeira do Paraíso. A visita à Prainha e depois, uau, uma pausa semibreve ocupando todo o tempo do compasso, a trilha e a praia do Índio. Aqui sim, uma solidão absoluta. Uma praia toda minha. Todas as ondas para me banhar. Todas as sombras para me proteger. Entendi a origem do nome da praia, da pessoa que viveu ali por anos, sozinha, como o carvalho em Luisiana do Walt Whitman. Bem sei que eu não poderia. Mas por quase uma eternidade eu vivi, ali, só, pleno, sem vontade de sair.

    Essa contradição me interessa. No mesmo prazer da solitude, a sensação de falta, da ausência de companhia.

    Descobri como eu preenchia esta solidão no tempo passado, eu escrevia, escrevia muito.

    Nunca havia estabelecido essa relação até ler Um beijo de colombina. Agora eu percebo. Quando a solidão se faz presente a escrita me faz companhia, como agora, e as palavras preenchem a ausência.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Leitura de I Ching com varetas

Durante muitos anos desenvolvi a prática de leitura do I Ching com varetas, estudando textos de C. G. Jung. A partir desta prática e dos estudos, preparei uma oficina de "Leitura do I Ching com varetas".

Projeto de HistóriaS

Obtive minha formação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto em 2003 (Bacharelado e Licenciatura) e iniciei minha carreira como Professor na Rede Municipal de Ensino de São Paulo em 2010.
Neste período, desenvolvi diversos resumos e mapas mentais para auxiliar minhas aulas, nunca prontos, sempre em aprimoramento:














sexta-feira, 1 de julho de 2016

Erundina com @s LGBTs

No dia 17 de junho realizou-se um maravilhoso encontro da comunidade LGBT de São Paulo com a candidata a Prefeita Luzia Erundina (PSOL). Tive a honra de transcrever a fala desta Mulher Maravilhosa e tenho muito orgulho em poder compartilhar suas palavras aqui em meu blog. Conheçam a coerência, dignidade e visão desta Política rara em nosso país!



Eu quero agradecer a vocês o carinho, a receptividade, a confiança e essa energia enorme que vocês mobilizam. Eu quero agradecer também o que vocês representam de força de mudança na sociedade, não só na sociedade brasileira, mas no mundo todo, e a um custo altíssimo, haja vista a tragédia que ocorreu em Orlando. Esta é uma tragédia que se dá em todo lugar desse mundo e desse país todos os dias. Que se juntou naquele momento e houve aquela expressão coletiva de um massacre só pelo fato de as pessoas se amarem e colocarem o amor como uma coisa importante em suas vidas. E Isso me dá a consciência do quanto vocês representam nos dias de hoje não só para São Paulo, para o Brasil, mas para o mundo. Vocês estão rompendo uma cultura milenar que insiste em se preservar e se impor às relações humanas, às opções de vida, à existência e à realização da vida. Vocês não tem talvez consciência do que vocês representam potencialmente; da ruptura de um mundo que envelheceu. É o fim de um ciclo histórico-social. Tem uma lógica que constrói a história e que obedece a uma espiral dialética. Essa espiral dialética realiza ciclos históricos em tempos não precisos, mas em cada momento dessa história esse ciclo atinge seu ápice, ele retorna e não volta no marco zero onde ele começou, ele volta num outro nível e quando recomeça um outro ciclo este outro ciclo se constrói de forma potencializada, vai para um outro nível, superior àquele primeiro nível, e cada mudança de ciclo representa uma transição dolorosa, a transição de um ciclo transitando para um outro ciclo histórico-social. Isso é um imperativo da realidade, e a realidade é dinâmica, é dialética; seja a realidade pessoal, seja a realidade social, seja a realidade da natureza, seja a realidade da política, seja a realidade da cultura. Obedece a essa lei, a lei da dialética. E é uma dialética que se impõe nos processos sociais, nos processos humanos, em diferentes ciclos da história humana. E nós estamos vivendo isso, uma virada de ciclo. É um ciclo que já está no seu estertor, por isso que ele vem com tanta virulência, essa reação homofóbica, essa reação conservadora, fundamentalista, autoritária, repressora; reprimindo e comprometendo as conquistas que os grupos sociais conseguiram a duras penas. Eles estão muito inseguros. Eles estão com muito medo. Eles tem medo do novo. E vocês são o novo. Vocês estão rompendo com uma cultura.
Daí a importância e o peso político que vocês têm. Vocês não se dão conta disso. Vocês estão rompendo com aquilo que sustenta os alicerces de uma sociedade velha, antiga, esgotada; que é a ideologia, que é a cultura. É nisso que vocês estão mexendo, estão provocando, estão questionando, estão criticando, estão botando um outro caminho. Quem quiser enxergar que enxergue. Quem não quiser vai de roldão, porque é um determinismo histórico.
Eu estou dando essa fala inicial. Eu não estou querendo fazer discurso. Eu lamento não ter chegado mais cedo para ouvir todos os depoimentos que vocês fizeram aqui. É Exatamente o que a gente está provocando nos ciclos de conversa. Essa campanha está se dando exatamente neste modelo. Já fizemos dezenas de rodas de conversa. Estamos vindo de uma. Dos mais diversos grupos. Grupos plurais. E essa campanha, ela tem uma característica, e ela tem um significado, que é exatamente viver esse momento de um fim de um ciclo histórico-social, transitando para um outro ciclo histórico-social. Nós estamos num processo que está rearticulando as pessoas, está resgatando essas pessoas, está voltando a interessá-las pela política, pelo debate político. E tudo é política. E a solução dos problemas do mundo. A solução dos problemas, dos vários grupos sociais, como o de vocês, não é outro senão a política, como expressão de poder. E vocês são uma força política com enorme potencial.
Sobretudo porque vocês mexem na essência das vidas, das relações de uma sociedade. Vocês estão mexendo com a cultura, com valores, com conceitos. Vocês estão mostrando que esses valores, esses conceitos, esses preconceitos, essa exclusão que existe na sociedade, é algo velho, não cabe mais na evolução humana, em pleno século XXI. Então não se pensem na sociedade como um grupo que vai edificar uma política própria de saúde, ou uma política própria de educação, ou uma política própria de emprego. Vocês tem que lutar pelo espaço de vocês como uma força política que tem o que dizer para a sociedade no sentido da transformação desta sociedade. Essas coisas virão como consequência. Vocês tem que disputar o poder. Não só o poder institucional, mas o poder da fala, o poder de decidir as questões que lhes dizem respeito diretamente, o poder de serem respeitados e respeitadas, de serem reconhecidos, de serem ouvidos. É disto que se trata.
Eu não era candidata. Eu nunca pensei em ser candidata mais uma vez para a Prefeitura de São Paulo. Eu estava mudando de partido porque eu não aguentava mais aquela coisa horrorosa que era o partido que eu estava nele. Fui para o PSOL, que há muito tempo vinha insistindo nisso. Mas antes de ir para o PSOL nós já estávamos construindo uma outra via, que não é melhor nem pior do que as outras. É algo diferente. É algo que veio no bojo, nessa busca que existe no mundo de outras formas. Essas formas estão todas superadas. Seja a forma partido, seja a forma movimento sindical, seja a forma movimento popular, seja a forma que for. Forma não cabe mais numa realidade em transformação, em movimento. É revolucionário. Essa campanha, companheiras e companheiros, não está sendo uma campanha para disputar votos. É uma campanha que está servindo para reencantar a política. Para trazer de novo as pessoas a serem sujeitos da política. Se chegarmos lá isso vai se transformar em uma outra forma de exercer o poder na cidade. E não tenham dúvidas, nós vamos para as cabeças e vamos radicalizar a forma de governar essa cidade.
Quando o PSOL conseguiu me seduzir – e foi sedução mesmo – eu cheguei a dizer para o Ivan (Ivan Valente): – Oh, Ivan, ou você diminui esse assédio ou eu vou dedar você a tua mulher. Mas já são vários mandatos juntos, tem muita coisa, e ao mesmo tempo nós estávamos nessa busca de um outro caminho, de uma outra via, sem excluir as que existem e que tem identidade entre si, entre PSOL, RAIZ, PARTIDA e outros grupos que não tem nome, não tem título, não tem rótulo, mas vem nessa onda do novo, da descoberta, da criatividade, da busca de saídas. Não quero falar em crise. Eu não vim aqui para falar em crise. Eu vim aqui para falar do futuro. Este futuro. E este futuro está nas nossas mãos.
E vejam vocês, companheiras e companheiros. Vamos supor que se consiga derrotar a tese do impeachment no Senado. O que que virá depois? O que que virá a seguir? O mesmo governo anterior? Vai resolver? Não vai. Se perder e o impeachment for aprovado, esse governo já nasceu morto. É um natimorto. Portanto há um vazio no cenário político do país e do mundo que explica a emergência dessa força nova, dessa energia sem modelo, dessa força criativa, dessa irreverência que vocês representam; e quanto mais isso for forte e presente na sociedade mais rápido a gente rompe com esse velho dessa sociedade. É disso que se trata.
E aí eu vim para o PSOL. E ai vem a pressão para eu ser a candidata a prefeita. Minha gente, eu estou com oitenta anos, oitenta e um anos. Vocês acham que isso faz sentido? Eu já estava me preparando para encerrar – eu não gosto desse negócio de carreira não, carreira complica a vida política. Mas eu não ia deixar nunca de fazer política. Mas, evidentemente, eu ia deixar de ser candidata, da militância partidária. Eu queria passar para a Muna (Muna Zeyn) e para outros que estão se assumindo no institucional. Mas a gente não faz aquilo que é da vontade da gente, sobretudo quando a gente decide na vida da gente a fazer aquilo que o povo dita e quer que a gente faça. É isso que me convenceu, junto com meus companheiros da RAIZ, com meus companheiros do PSOL, numa plenária que eu convidei para prestar contas dos mandatos. Tinha mais de quatrocentas pessoas naquele plenário. E eles não queriam discutir “prestar conta” nenhuma. Eles queriam me pressionar pra eu ser candidata a prefeita.
E aí eu não escapei. E de lá pra cá essa pressão é cada vez mais forte. A ponto de me dar a compreensão de que há uma determinação. Não sei de onde vem. Mas vem do povo. É energia do povo. Dom Tomás Balduino era um bispo que trabalhava com os índios, que enfrentava o latifúndio, a repressão no campo. Ele dizia que o novo, o povo é quem cria. A gente não cria nada de novo. Quem cria o novo é o povo. Mas a gente tem que estar junto dele para que ele nos diga para onde ir. Então, se isso a gente acredita de fato, a gente não se perde, e a gente não recusa, e a gente não escolhe, e a gente vai junto, e as coisas não secam.
Então essa campanha está servindo para isso; trazer de volta quem havia se afastado, se desinteressado da política, os mais antigos, os mais velhos, os mais experientes, e ao mesmo tempo está havendo uma convergência, de um encontro, dessa energia nova da juventude. De todo lado vem movimento de jovens; sem nome, com nome, com projeto, sem projeto; mas é uma energia tão poderosa, tão forte, tão criativa, tão emergente, que eu acho que tem um fenômeno novo que está acontecendo nesse processo. Eu estou aberta a ele junto com vocês. Não quero discutir política de saúde, de educação, de trabalho com vocês. Essas políticas nós vamos construir juntos.
Quando eu penso em governar essa cidade pela segunda vez depois de mais de vinte anos. Eu não estou querendo repetir aquela experiência do passado, que hoje é reconhecida. Tem propostas que não se viabilizaram naquele momento, mas estão vindo pelas mãos dos movimentos, como o passe livre, que era uma proposta nossa e de Lúcio Gregori. Porque depois de mais de vinte anos essa cidade é outra cidade. Os problemas, muitos são os mesmos, mas agravados. Antes nós éramos 9 milhões e quinhentos mil habitantes. Hoje nós somos onze milhões e quinhentos mil habitantes, numa região metropolitana de vinte milhões de habitantes. E os problemas de São Paulo não começam e terminam em São Paulo. Começam e terminam, e não terminam, porque os problemas vão para além da região metropolitana. E numa segunda gestão nossa nós temos que pensar São Paulo não dentro dos seus contornos. A gente tem que pensar São Paulo na região metropolitana. Pensar São Paulo no Brasil. E outra coisa; ser prefeito ou prefeita desta cidade não é simplesmente administrar. É sobretudo fazer política, é liderar politicamente.
Não posso entender que a cidade que tem o terceiro orçamento do país, é maior do que o orçamento de todos os Estados, com exceção do Estado de São Paulo. Que essa cidade não tenha voz e influência nas decisões sobre política econômica desse país. E nós queremos, junto com o povo, organizado, politizado, e protagonizando um novo governo, impor os interesses, não só de São Paulo, da região metropolitana, do país inteiro. Nós temos que fazer a macropolítica. E a questão econômica está no foco. Ouvi o companheiro, ele colocava aqui com muita precisão, com muita oportunidade. Nós não queremos só administrar os recursos, embora sejam grandes. São mais de 50 bilhões, o orçamento da cidade. Mas vendo a dívida social e a demanda reprimida, isso não representa nada, sobretudo a questão da dívida, e o companheiro tem toda razão. Nós temos que começar a discutir a questão da dívida. Mas não é pra zerar a dívida. É bobagem zerar a dívida. O problema não é ter dívida. É que esta dívida não veio para a área de investimento, não veio para um crescimento, não veio para dinamizar a economia da cidade e do país. Não. É uma dívida que veio para reproduzir juros sobre juros e portanto, fortalecer o capital, reproduzir o capital, a concentração de capital. Nós temos que quebrar essa lógica. E uma cidade como São Paulo, com o peso político que tem, o peso econômico que tem, o peso social que tem, o peso científico que tem, o peso cultural que tem, é uma força política que tem que ser mobilizada. Mas não é um prefeito ou uma prefeita, ou um vereador ou uma vereadora, ou o poder institucional. É o poder popular.
E a governabilidade não passa pela Câmara Municipal. Nós não vamos ter maioria na Câmara Municipal. Vamos querer eleger o maior número de vereadoras e vereadores. Mas vamos governar da mesma forma como fizemos há vinte e sete anos atrás em que tínhamos minoria na Câmara. Para ter maioria na Câmara teria sido mais fácil. Mas eu teria que ter feito concessões éticas. E para fazer concessão ética a direita faz melhor. Porque a direita está no poder há mais de 500 anos.
A economia não pode se limitar só à macroeconomia. Esse modelo que está aí, no neoliberalismo, da política, em que há um superavit primário. O superavit primário, que é aquele excedente que não é excedente, porque se deixa de aplicar nas políticas públicas e se reserva quatro e meio por cento do PIB, quando não é mais, para pagar os juros da dívida. Em 2015 foram 505 bilhões de reais para pagar os juros da dívida pública. E os juros de uma dívida que se multiplica, porque não é uma dívida, é uma dívida especulativa, é um dinheiro que entra para especular. Os títulos públicos que o governo vende ao sistema bancário para manter o próprio Estado, numa roda viciosa, viciada, que não tem saída. A saída é política. É ter o povo com você, e a força do poder popular, e impor as regras, inclusive na negociação dessa dívida. Nós temos de renegociar essa dívida alongando o perfil dela, negociando os prazos de pagamento de parcelas. Isso sem sacrificar os direitos sociais básicos da nossa população. Isso só se faz com força, e força política. E auditoria! Isso está associado a uma luta pela solução do problema da dívida pública do país. A dívida do país já é mais de três trilhões. Com essa sangria, todo dia, toda hora, uma criança que está nascendo, ela está nascendo devendo uma certa quantidade de dólares. Isso não é justo. Isso não é razoável. E nós temos que enfrentar isso politicamente.
Então gente. Só vai valer a pena uma nova tarefa dessas. E ela já está se dando. Não pensem que só vamos começar a campanha quando chegar o período eleitoral. Até porque no período eleitoral nós não vamos ter tempo de televisão. Não vamos ter tempo de nada. Mas nós já nos antecipamos tanto na conversa política com o povo e os nossos compromissos com quem é possível, que queremos fazer juntos, que nós vamos levar de roldão, seja os candidatos que estejam aí, com tempo ou sem tempo. Se eles não nos derem o tempo para participar do debate com os outros candidatos nós vamos fazer o debate na porta da emissora que estiver fazendo debate. Nós vamos alugar um caminhão, com um som e o gogô para a gente conversar com o povo, na frente da televisão, enquanto eles estiverem disputando aqueles segundos para responder aquelas perguntas absurdas, fazer aquele teatrinho que é feito na televisão. Seria até bom mesmo que eles não deixassem a gente participar do debate que a gente produziria esse debate nas portas das emissoras, de todas elas, quantos debates eles tiverem que fazer. Eu não preciso de tempo de televisão, para a gente fazer chegar o recado ao povo e trazer esse povo junto para fazer valer esse recado.
Minha gente, meu povo. Eu estou muito animada.
Não se justifica, nós que somos socialistas. E a palavra é esta mesma. Não tenham medo da palavra nem das implicações desta palavra. Socialismo é o futuro da humanidade. É um modo de vida, é um modo de existir. É uma referência que dá significado e sentido à nossa existência. E nós vamos mostrar que é possível, para justificar que pessoas que tem uma vocação para o socialismo, que tem uma opção de vida pelo socialismo, que é possível, que vai fazer diferença. Para justificar inclusive o governo, uma esfera do poder do Estado. Nós não mudamos o Estado quando ganhamos uma Prefeitura. Nós não ganhamos o controle do Estado quando ganhamos o governo do Estado nem mesmo quando se disputa e ganha o governo federal.
Vejam o que aconteceu com os governos do PT. Cederam. Abrindo mão e capitulando o seu projeto original. Não jogo o PT como se joga a água, a criança e a bacia fora. Foi um grande momento da vida da juventude naquele tempo, e eu costumo dizer: eu não sai do PT, o PT que saiu de mim. Porque aqueles princípios, aqueles valores, ainda orientam a minha vida, ainda dão sentido à minha militância pública. Mas não posso concordar com o rumo que os governos do PT tomaram, fazendo concessões em claro e tentando governar só com uma base congressual de A a Z do espectro ideológico e de uma certa forma esvaziando a luta popular.
O movimento sindical foi domesticado no governo Lula. Não se tem mais oposição nem situação sindical. Eles já negociaram, através do imposto sindical, aqueles dez por cento do imposto sindical, que está sendo distribuído pelas centrais sindicais que se multiplicaram. Eram duas centrais sindicais. Hoje tem mais de dez centrais sindicais, pelos dez por cento do imposto sindical. Enquanto isso há um fosso entre a base sindical e a direção desses sindicatos através das centrais sindicais. Tanto é que eu tenho dúvida. Será que no extremo dessa crise o movimento sindical teria condições de chamar uma greve geral? Eu tenho minha dúvida. Porque não se faz luta, sobretudo luta a um nível de comprometer um determinado regime, fazer valer a vontade popular, com sindicatos que desapareceram das portas de fábrica, que não tem mais bandeira, nem sequer do ponto de vista econômico, muito menos do ponto de vista político.
Então meu povo, para justificar que a gente, com essa visão da política, e com essa visão de mundo, e com esse compromisso com a história que a gente tem, que faz muito sentido ir para um governo de uma cidade, quão importante, grande, potente que ela seja. Mas o caráter do Estado é o mesmo. Seja no município, seja no estado, seja na união. A única coisa que diferencia, e a única coisa que justifica, que a gente vá pra lá, disputar o poder e exercer o poder, se esse poder for dividido com a fonte do poder e a sociedade, são os setores populares. E a nossa proposta de gestão é radicalmente democrática. Nós vamos diminuir a cabeça do poder, diminuir o número de secretarias. Vamos empoderar as subprefeituras. Potencializando os conselheiros, os conselhos de representantes de cada subprefeitura. E vamos fazer o planejamento da cidade à base de cada região administrativa da cidade. E vamos planejar o orçamento de acordo com cada região da cidade. Nós vamos distribuir a gestão financeira no âmbito de cada subprefeitura. Portanto nós vamos empoderar o poder local. E o poder local são as subprefeituras através do conselho de representantes eleito diretamente. E que o subprefeito possa ser resultado da decisão que aquele coletivo de pessoas eleitas diretamente pela população, numa relação direta, permanente. E para isso nós temos hoje os meios, que são as redes sociais, que é a internet, que é essa tecnologia fantástica que nós não tínhamos naquele tempo. E isso nos dá uma enorme possibilidade de governar online. Todas as decisões, todos os controles, toda essa emoção de toda decisão, ser acompanhada dia a dia pela cidadania, pelos cidadãos, em cada recanto, em cada ponto dessa cidade.
E aí podemos, quem sabe, começar um novo tempo na cidade de São Paulo. E a partir dela, quem sabe, a gente possa começar um novo tempo no país. Eu acredito nisto. Isto é um imperativo histórico. Nós temos potencialidades para isto. Nós temos uma juventude incrível que está sedenta de participação, com uma capacidade criativa imensa, uma generosidade fantástica, e vocês sem dúvida nenhuma são parte principal dessa força e da energia que está revolucionando a cultura em nosso país. Não é pouca coisa. Vocês estão mexendo na essência, naquilo, como dizia Gramsci, que é a semente da sociedade, é o alicerce da sociedade, é a ideologia, são os valores, é a cultura, são as concepções, é o modo de ver o mundo, de ler a realidade. Vocês estão mexendo nisso. Por isso que vocês incomodam tanto. Por isso vocês são tão reprimidos. Vocês estão balançando as bases, estão mexendo nas bases, nos alicerces, nas colunas que sustentam esse estado velho, carcomido, fundamentalista, impotente, incapaz. E o novo não se sustenta num vasilhame velho, não se sustenta com um vinho novo, borbulhando dentro dele, com a energia que tem um vinho novo. Vocês são esse vinho novo. E esse estado brasileiro, em todas as suas expressões, seja município, seja estado, seja união, é uma vasilha velha, onde se põe vinho, que não sustenta mais a vitalidade do vinho, que é essa juventude, essa energia nova, que está vindo, que está rompendo com as barreiras, com os obstáculos, e colocando o novo que está nascendo. Vocês são parteiros de um novo tempo, parteiras de um novo tempo. Isso não é pouca coisa.
Quando essa experiência for histórica, os historiadores verão o que isto significou. É preciso que a gente tenha consciência disso para a gente inclusive ser capaz de resistir aos ataques, às pressões, às violências, ao morticínio que existe contra vocês e contra os pobres dessa cidade, desse país. Na cidade mais rica do mundo a população de rua está morrendo de frio nas calçadas da cidade. É como diz uma jornalista que escreveu um artigo sobre aquelas minhas perguntas ao prefeito. Muitos dizem que não gostaram. Paciência. Eu não quero dizer nada para fazer ninguém gostar. Eu quero fazer aquilo que a minha consciência me diz. E aquela jornalista dizia o seguinte: a cegueira política mata mais do que o frio. E mostrava o quanto aquelas reações ou aquele silêncio inicial em relação a essa situação trágica, tratar seres humanos como objeto. A guarda civil metropolitana tirando os colchões, e tirando os papelões, que dava condições para se protegerem do frio de três graus e meio, como ocorreu dias atrás, dia esse em que morreram cinco, entre um dia e outro morreram cinco moradores de rua. Não gostaram que eu tivesse falado aquilo. Era melhor o silêncio para eles. Estão alegando que eu estou dividindo a esquerda. Que esquerda? Eu não estou falando isso porque eu sou candidata. Eu não estou falando essas coisas porque eu sou candidata. Eu estou falando essas coisas porque eu sou uma cidadã. E mais, eu sou uma cidadã que tem um mandato popular. Eu tenho a responsabilidade de não ser omissa, de dizer as coisas tal qual elas se colocam. Não faço as coisas para agradar ninguém, sobretudo se a minha consciência está me dizendo o que eu devo dizer. Pagar o preço que for.
Então meus companheiros e minhas companheiras. Desculpem que é um certo desabafo também. A gente, para fazer as coisas, têm que fazê-la com alegria, sendo felizes, tendo paixão, tendo tesão. É isso que nós precisamos ter nesse momento. Ter paixão por essa luta, ter paixão por esse momento que estamos vivendo, e que a história nos confia e nos delega como cidadãos. E fazendo dessa cidade uma cidade e um espaço para todos. A própria palavra cidade nos reporta ao termo cidadão, cidadania. Uma cidade tem que ser uma cidade para todos os cidadãos dessa cidade, e portanto toda as suas energias, todo o seu potencial, todas as suas ações, todas as suas políticas, tem que ter o crivo da sociedade organizada que tem que realmente atender de forma, o máximo possível e necessário, ao direito de cidadania de todos os que vivem, moram e constroem essa extraordinária e generosa cidade. Nenhuma outra cidade, nem Uiraúna, onde eu nasci, teria me eleito prefeita como me elegeu naquele tempo. Sofri muito preconceito também. Eu recebia carta com fezes dentro, durante muito tempo enquanto eu estava como prefeita. Mas isso não me intimidou, nem isso me tornou vítima. Não. Eu fiquei com pena de quem vai no banheiro, pega o seu papel, faz cocô e põe um pedaço de cocô lá dentro e ainda põe no correio. Naquele tempo era o correio. A carta era no correio. Era mais infeliz do que eu, se eventualmente. Entendeu? Então. Eu não paro no negativo. Eu faço do povo de São Paulo, cuja metade é de nordestino, que me elegeu prefeita pela primeira vez. E agora, muito mais do que só os nordestinos, muito mais gente numa cidade que é pluricultural, a cidade dos mil povos, quem sabe, vai nos levar de novo para lá, e ajudar a levar o povo para o poder, nessa cidade, e para usar, e para exercer e para transformar esse poder na força real do povo construindo o seu destino em São Paulo, e a partir dela, em todo o país.
Obrigada a todos vocês.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

MEMÓRIAS NATALÍCIAS

A cidade ainda estava adormecida quando eu comecei a caminhar por suas ruas e memórias. Eu penso como se escrevesse e, ao caminhar, o pensamento fala alto.
O Lago Municipal é um dos lugares que eu mais gosto de visitar quando estes momentos ocorrem em minha cidade natal. Muitas vezes em minha vida, em noites de insônia e de pensamentos que não cabem em minha cabeça, caminhar ao redor do lago sempre me traz tranquilidade.
No I Ching, Tui é o trigrama do lago, representa a filha menor, mais jovem, e seu atributo é a alegria. No entanto, essa jovialidade e alegria não se origina na maleabilidade de que é dotada a linha na última posição. O atributo do princípio maleável ou obscuro não é a alegria e sim a melancolia. Todavia, a alegria é indicada pelo fato de haver duas linhas fortes no interior que se expressam no plano externo através da suavidade.
Nesta manhã de natal, enquanto a cidade ainda estava adormecida, para lá fui eu, levar meus pensamentos para passear e para intensificar minha alegria este passeio foi um lindo presente.
Desde minha infância o lago foi meu lugar. Me lembro de olhar a placa do parque de brinquedos e calcular quantos anos eu ainda poderia usufruir daqueles brinquedos para crianças até 12 anos. Me lembro de desobedecer mãe e avós e ir até o lago sozinho apesar da advertência de nunca ir ao lago sem alguém para me acompanhar. Me lembro de caminhar no zoológico, pelo corredor ladeado por jaulas com animais. Do urso que não parava de andar desesperadamente dentro de sua jaula com piscina, pela qual ele entrava e saia como parte de seu trajeto quadrilátero. Do macaco que jogava banana e cocô nas pessoas que ficavam gritando com ele para depois desviar das bananas e fezes jogadas. Do leão desdentado que fugiu da jaula e foi morto antes mesmo de sair da área do lago.
Este zoológico foi fechado pelo IBAMA há muitos anos atrás. Muitas pessoas ficaram aborrecidas por tirarem delas este direito à diversão. Eu parei para pensar e fiquei agradecido, apesar de não saber para onde urso, macacos, leões e os outros animais foram levados e que espécie de jaula eles passariam a habitar.
Por todos estes muitos anos desde que o zoológico foi fechado, esta área do lago ficou abandonada, com suas jaulas vazias, com seu corredor intransitável. Hoje, para minha alegria e presente de natal, esta área do lago foi revitalizada!
 















Onde antes havia jaulas, hoje existe pequenas praças com bancos de madeira, muita água, plantas, flores, ervas, um lago com carpas e uma gaiola imensa com inúmeras araras. O parque de brinquedos também foi revitalizado, com brinquedos novos. Já vivi muitos anos além daqueles que me restavam para brincar nos brinquedos do parque, mas senti minha alma revitalizada.
 



















Para maior alegria, foi criado o Projeto Pró-Arara. Há algum tempo eu vinha ironizando o nome de minha cidade natal, que não devia mais ser chamada de Araras e sim de periquitos, pois não havia mais nenhuma arara na cidade. O Projeto Pró-Arara é um centro de reabilitação de aves nativas vítimas de maus tratos ou apreendidas do tráfico ilegal para reintrodução à vida livre na natureza de Araras. Presente melhor não há!
 














Minha imensa gratidão ao Prefeito Brambilla e a todas as pessoas responsáveis e envolvidas nesta transformação maravilhosa.

Depois de me encantar com este presente delicioso voltei para minha casa. O caminho de volta foi uma imersão em recordações. O Cine Araruna é uma igreja com catarses espirituais da idade média. O Cine Santa Helena está abandonado e sujo. A Basília de Nossa Senhora do Patrocínio com o som de orações e sinos se espalhando pela praça. O banco de madeira antigo, um dos últimos que restou de tempos imemoriais, onde meu avô Nicolau se sentava protegido pela sombra de uma árvore que foi cortada.
Continuando a caminhada, o parque infantil onde aprendi minhas primeiras letras. Logo depois, a casa da minha avô Sunta, que hoje é um escritório. Sempre passo em frente a esta casa e respiro forte para tentar sentir os cheiros daquela casa, o cheiro gostoso de velha da minha avó, que eu sempre sentia quando a abraçava. O cheiro do fogão a lenha. O cheiro da sala e dos quartos. Aquela casa era repleta de cheiros que hoje não existe mais.
Pelo caminho, muitas casas estão vazias, com placas de vende-se ou aluga-se. A ausência e abandono são perceptíveis. Minha mãe estava me contando dos falecimentos. As pessoas que habitavam aquelas casas não vivem mais. Será que a memória viverá? Ou a memória já foi vendida, alugada ou simplesmente encaixotada?

Feliz natal para todos, até que a morte nos separe.

sábado, 30 de novembro de 2013

Um dia qualquer na vida de um Professor...

Revoluções, aula prática, preparativos, 6as séries!!!


Revoluções, aula prática, prontos para invadir as ruas!!!


Revoluções, aula prática, cartazes, bexigas e alegrias nas mãos!!!


Revoluções, aula prática, em frente, marchemos!!!


Revoluções, aula prática, o convite!

Revoluções, aula prática, a comunidade alegre raiando o dia!


Revoluções, aula prática, tomando a Praça!


Revoluções, aula prática, a Praça é nossa!!!


Revoluções, aula prática, preparando para soltar as bexigas... 3... 2... 1...


Revoluções, aula prática...


Revoluções, aula prática, voltando para a Escola! A Felicidade de um trabalho feito com Amor.


Revoluções, aula prática, a última curva do rio, e nossa Escola...


Revoluções, aula prática... enfim... o fim (?) ...


Revoluções, aula prática, os professores parando o trânsito!


Revoluções, aula prática, o momento mais difícil de conter as lágrimas, o maior símbolo de nosso trabalho: o abraço das Amigas!!!!