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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Carta para um amigo não tão distante

    Cá estou nesta longa viagem dias adentro.

    Eu, que sempre fui auto suficiente, me pego agora questionando minha solidão.

    Trouxe comigo vários livros para preencher meu tempo, me fazer companhia. Suíte Tóquio, A vida invisível de Eurídice Gusmão, Canção para ninar menino grande, estes já lidos, e agora Um beijo de colombina. Seleção maravilhosa da bibliotecária do SESC, faço questão de citar.

    Neste, do agora, a personagem encontra uma rosa como Manuel Bandeira, uma rosa branca, sozinha no mundo, sozinha no tempo, e tudo ao redor da rosa era excesso. A rosa da personagem estava no meio de um canteiro malcuidado de uma lanchonete de beira de estrada. A minha rosa é apenas… apenas? uma palavra entre tantas outras. Assim como eu, uma pessoa no meio de tantas outras.

    Esta rosa me fez parar a leitura. Esta rosa me fez parar e observar minha respiração. Esta rosa me fez conversar contigo, sem sua presença, o que é bastante comum. É muito bom quando isto acontece pois nestas conversas você apenas ouve o que eu quero dizer, não responde, não comenta. Às vezes eu ouço uma risada dentro da minha cabeça sem saber se a risada foi minha ou se foi sua, como agora.

    Escalar o Pico dos Itatins. Me deliciar nas diversas banheiras de hidromassagem nas corredeiras da cachoeira do Paraíso. A visita à Prainha e depois, uau, uma pausa semibreve ocupando todo o tempo do compasso, a trilha e a praia do Índio. Aqui sim, uma solidão absoluta. Uma praia toda minha. Todas as ondas para me banhar. Todas as sombras para me proteger. Entendi a origem do nome da praia, da pessoa que viveu ali por anos, sozinha, como o carvalho em Luisiana do Walt Whitman. Bem sei que eu não poderia. Mas por quase uma eternidade eu vivi, ali, só, pleno, sem vontade de sair.

    Essa contradição me interessa. No mesmo prazer da solitude, a sensação de falta, da ausência de companhia.

    Descobri como eu preenchia esta solidão no tempo passado, eu escrevia, escrevia muito.

    Nunca havia estabelecido essa relação até ler Um beijo de colombina. Agora eu percebo. Quando a solidão se faz presente a escrita me faz companhia, como agora, e as palavras preenchem a ausência.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Leitura de I Ching com varetas

Durante muitos anos desenvolvi a prática de leitura do I Ching com varetas, estudando textos de C. G. Jung. A partir desta prática e dos estudos, preparei uma oficina de "Leitura do I Ching com varetas".

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Independência ou dívida?

O Brasil de fato conquistou a sua Independência pagando milhões de libras esterlinas a Portugal numa negociação mediada pelo Excelentíssimo Cavaleiro de Sua Majestade Britânica Sir Charles Stuard, Grão Cruz da Ordem da Torre e Espada, em 1825.
O Brasil comprou a sua Independência. O tratado que oficializou o ato, chamado de reconhecimento, foi publicado em vários jornais brasileiros, inclusive em Salvador. O Correio da Bahia publicou a íntegra do documento, em setembro de 1825; não fala em valores e para isso usa do eufemismo “aceitando a mediação de sua majestade britânica para o ajuste de toda a questão incidente à separação dos dois estados”. A “questão incidente” era de 2 milhões de libras esterlinas, valor pago a título de indenização.
Pelo tratado publicado no jornal baiano, em setembro de 1825, Portugal reconhece o Brasil como país independente e “promete não aceitar proposições de quaisquer colônias portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil”. O dinheiro foi tomado de empréstimo nos bancos ingleses, mas não chegou na íntegra dos valores conveniados aos cofres de Portugal. A operação bancária passou por Londres que reteve 1,4 milhões de libras esterlinas, a título de pagamento da dívida externa de Portugal para com os britânicos. Está explicado o interesse dos britânicos em mediar o tratado.
Em 7 de setembro, D. Pedro proclamou a famosa frase: Independência ou Morte. Esse mote foi um impulso para a multiplicação de hinos, representações e sentimento de amor à pátria. Porém, nesse momento ainda não se tinha com precisão a data da independência. Em junho havia tido a convocação da Assembleia Constituinte para o Reino do Brasil, em outubro se deu a aclamação de D. Pedro I no Rio de Janeiro e somente em dezembro é que ele foi oficialmente coroado. Assim, a firmação do 7 de setembro como data oficial da Independência foi mais uma conveniência simbólica do processo todo.

sábado, 16 de junho de 2018

DA NECESSIDADE DE ESTUDAR HISTÓRIA

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"... o estudo da história visa acima de tudo nos tornar cientes de possibilidades que talvez não levássemos em consideração. Historiadores estudam o passado não para poder repeti-lo, e sim para poder se libertar dele.
Cada um de nós e todos nós nascemos numa determinada realidade histórica, governada por normas e valores específicos e conduzida por um sistema econômico ímpar. Vemos essa realidade como fato consumado e a achamos natural, inevitável e imutável. Esquecemos que nosso mundo foi criado numa cadeia de eventos acidental e que a história configurou não apenas a tecnologia, a política e a sociedade, mas também nossos pensamentos, temores e sonhos. A mão fria do passado emerge na direção de um único futuro. Sentimos essa constrição desde o momento em que nascemos, e assim presumimos que ela é parte natural e inescapável do que somos. Portanto, raramente tentamos nos livrar dela para antever futuros alternativos.
O ESTUDO DA HISTÓRIA TEM O OBJETIVO DE NOS LIVRAR DESSA SUBMISSÃO AO PASSADO. ELE NOS PERMITE VOLTAR A CABEÇA PARA MAIS DE UMA DIREÇÃO E COMEÇAR A PERCEBER POSSIBILIDADES INIMAGINÁVEIS PARA NOSSOS ANTEPASSADOS. AO OBSERVAR A CADEIA ACIDENTAL DE EVENTOS QUE NOS TROUXE ATÉ AQUI, NOS DAMOS CONTA DE COMO NOSSOS PENSAMENTOS E SONHOS GANHARAM FORMA - E PODEMOS COMEÇAR A PENSAR E SONHAR DE MODO DIFERENTE. O ESTUDO DA HISTÓRIA NÃO DIRÁ QUAL DEVE SER NOSSA ESCOLHA, MAS AO MENOS NOS DARÁ MAIS OPÇÕES."
(HOMO DEUS, de Yuval Noah Harari, p 67)

domingo, 21 de agosto de 2016

O início de uma nova ditadura no Brasil (?)

Há algum tempo estou postando e comentando que está em curso um novo golpe semelhante e duradouro ao que iniciou-se em 1964. É uma frase simples e que provoca reflexão. Mas será verdadeira? Não estou recorrendo à mesma estratégia da mídia manipuladora e dos defensores acéfalos da elite medíocre e reacionária existente em nosso país? Ou seja, não estou usando uma falácia poderosa para convencer leitores menos aparelhados conceitualmente? Existe realmente consistência crítica em minha afirmação?
Bem, como professor e estudioso de História, não posso me dar ao luxo de garantir minha afirmação apenas baseado em minha pressuposta experiência acadêmica e profissional. Portanto, me dispus a deixar a preguiça de lado e comecei a ler a obra de Elio Gaspari sobre a Ditadura Militar (seus quatro livros publicados até agora, A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e a Ditadura Encurralada).
Comprei estes livros na época em que trabalhava na extinta Livraria Cultura e tinha o privilégio de adquirir mais livros do que era capaz de ler pois, sim, a leitura crítica exige esforço, o estudo sério exige esforço intelectual. E vem daí a crítica aos comentaristas e críticos sem consistência, sem formação e sem conteúdo. Repetir frases feitas é fácil. Decorar versículos bíblicos e usá-los como verdades absolutas é ainda mais fácil. Entender e compreender exige dedicação, exige tempo, exige esforço.
Para minha satisfação, logo no primeiro volume, A Ditadura Envergonhada – as ilusões armadas, Elio Gaspari faz uma “Introdução” à sua extensa obra onde já se evidencia muito do que estou afirmando. Não. Minha tarefa não se reduzirá à leitura de um único capítulo. Vou ler a obra toda. Se encontrar paradoxos ou antagonismos, estou pronto a enfrentá-los, sem medo, sem preguiça. Mas nesta pequena introdução (são apenas 20 páginas), Elio Gaspari destaca exatamente o aspecto de que comandar uma ação não implica que o resultado esteja sob seu comando. Existir uma boa intenção ao se defender uma ideia não implica que a realização desta ideia produza os efeitos esperados.
Assim, podemos aprender com um erro, ou repeti-lo até a morte. E o erro não está apenas no grupo de pobres empregados que defendem a riqueza de seus patrões. O erro está também em uma proposta de partido que se utiliza de concessões como forma de barganha do poder para efetivar seus projetos. Junto a forças maiores estão os interesses mesquinhos. No tabuleiro de xadrez movimentam-se peões e rainhas, peças brancas e peças pretas. E no tabuleiro da vida a diversidade das peças é tão imensa quanto o número de pessoas que dela participam.
A diferença está basicamente na instituição utilizada para efetivar o golpe nas diferentes épocas. Se em 1964 foi utilizado o poder militar para garantir o golpe, nos dias atuais está sendo utilizado o poder jurídico.
Enfim, não posso reproduzir aqui todas as vinte páginas da introdução da obra, mas recortei alguns trechos que destacam a minha ideia. Se alguém dispuser de tempo e disposição, poderá ler o capítulo todo, até mesmo a obra toda, porque não?

(21) INTRODUÇÃO
...
(22) - Frota, nós não estamos mais nos entendendo. A sua administração no ministério não está seguindo o que combinamos. Além disso você é candidato a presidente e está em campanha. Eu não acho isso certo. Por isso preciso que você peça demissão.
- Eu não peço demissão – respondeu Frota.
- Bem, então vou demiti-lo. O cargo de ministro é meu, e não deposito mais em você a confiança necessária para mantê-lo. Se você não vai pedir demissão, vou exonerá-lo.
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(33) No início da noite do dia 12 o presidente empossou o novo ministro no palácio do Planalto, diante das principais autoridades do país. Nessa cerimônia deu-se um rápido episódio. Durou apenas alguns segundos, e, afora as pessoas nele envolvidas, ninguém o percebeu. Logo que Bethlem assinou o termo de posse, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maciel, moveu-se na direção do general. Geisel, que estava ao seu lado, supôs que o jovem deputado fosse cumprimentar o ministro. Congelou a cena chamando Bethlem: “Ministro, quero apresentá-lo ao presidente da Câmara”. Passaram-se anos sem que Maciel desse importância ou buscasse explicação para a cena. Para Geisel, tudo fora muito simples: “Não é o presidente da Câmara quem se apresenta ao ministro (34) do Exército, mas o ministro do Exército, um colaborador do presidente, que deve ser apresentado ao presidente da Câmara”.
...
No dia 12 de outubro de 1977, com a demissão de Frota, dissolveu-se a mais perversa das anomalias introduzidas pela ditadura na vida política (35) brasileira, restabelecendo-se a autoridade constitucional do presidente da República sobre as Forças Armadas. Encerrou-se o ciclo aberto em 1964, no qual a figura do chefe do governo se confundia com a de representante da vontade militar, tornando-se ora seu delegado ora seu prisioneiro. A maioria dos instrumentos jurídicos do regime ditatorial sobreviveria ainda por alguns anos, mas a recuperação do poder republicano do presidente significou a disponibilidade do caminho da redemocratização. Paradoxalmente, essa restauração partiu não só de um presidente militar, mas do mais marcial dos generais que ocuparam a Presidência. Geisel restabeleceu o primado da Presidência por meio de uma crise militar da qual manteve afastados os políticos, a imprensa e a opinião pública. Podem-se contar nos dedos de uma só mão os civis que tiveram algum tipo de relevo na jornada de 12 de outubro e 1977. Nesse paradoxo, contudo, não está mais uma das charadas da vida política do país, e sim a solução do enigma que acompanha tanto os mecanismos pelos quais os militarem tomam o poder como aqueles pelos quais o deixam.
...
Desde 1968, quando através da vigência do Ato Institucional nº 5 o Brasil entrara no mais longo período ditatorial de sua história, dois presidentes prometeram restaurar as franquias democráticas. Geisel, o único a não fazer essa promessa, acabou com a ditadura. Entre 1974, ao assumir o governo, e 1979, ao deixá-lo, transformou uma Presidência inerte, entregue a um colegiado de superministros, num governo imperial. Converteu uma ditadura amorfa, sujeita a períodos de anarquia militar, num regime de poder pessoal, e quando consolidou esse poder – ao longo de um processo que culmina no dia 12 de outubro de 1977 – desmantelou o regime. Quando assumiu, havia uma ditadura sem ditador. No fim de seu governo, havia um ditador sem ditadura. No dia 31 de dezembro de 1978, 74 dias antes da conclusão de seu mandato, acabou-se o Ato Institucional (36) nº 5, o instrumento jurídico que vigorava por dez anos, por meio do qual o presidente podia fechar o Congresso, cassar mandatos parlamentares e governar por decretos uma sociedade onde não havia direito a habeas corpus em casos de crimes contra a segurança nacional. Antes, acabara com a censura à imprensa e com a tortura de presos políticos, pilares dor regime desde 1968.
O objetivo desta obra é contar por que e como Geisel e Golbery, dois militares que estiveram na origem da conspiração de 1964 e no centro do primeiro governo constituído após sua vitória, retornaram ao poder dez anos depois, com o propósito de desmontar a ditadura. Geisel era um moralista, defensor convicto de um Executivo forte, adversário do sufrágio universal como forma de escolha de governantes e crítico acerbo do Parlamento como instituição eficaz. Golbery, que em 1956 – em pleno governo constitucional – pedia a criação de um Serviço Nacional de Informações, fundou-o em 64 e dirigiu-o até 67. Conviveu com ele a partir de 1974, ajudou a transformar o seu chefe, general João Baptista Figueiredo, em presidente da República e, em 81, chamou sua criatura de “monstro”. Deixou o governo amaldiçoando o que se denominava Comunidade de Informações: “Vocês pensam que vão controlar o país cometendo crimes e encobrindo seus autores, mas estão muito enganados. Vão ser postos daqui para fora, com um pé na bunda”, disse Golbery ao general Octavio Aguiar de Medeiros, chefe do SNI, no dia em que saiu do palácio do Planalto, em agosto de 1981.
...
(37) O Sacerdote e o Feiticeiro acreditavam no Brasil e nele mandaram como poucas pessoas o fizeram. Suas trajetórias ensinam como é fácil chegar a uma ditadura e como é difícil sair dela.
(38) … No poder, os generais raramente contam as maquinações políticas de que participam. …
O mais caudaloso dos generais que tomaram o poder no século XX, Charles de Gaulle, escreveu cinco volumes de memórias… Quando se trata de procurar os mecanismos políticos a que recorreu para desmontar a associação dos militares com a extrema direita, a repressão política e o colonialismo na Argélia, tudo somado não junta dez páginas.
É possível arriscar uma explicação para esse fenômeno. Os militares procuram preservar a própria mística segundo a qual, em quase todos os idiomas, as Forças Armadas, por suas virtudes, colocam-se acima dos partidos e da política civis. …
Se há uma grande diferença entre a política dos civis e a dos militares, ela está no fato de que esta envolve uma corporação burocrática fechada que precisa acima de tudo preservar alguma forma de coesão. … (39) Prefeitos e médicos podem brigar abertamente. Ambos podem mudar de partido, de hospital e, até mesmo, deixar a política ou a medicina. Os militares não podem fazer isso com a mesma facilidade, pois um capitão-de-fragata não pode trocar de Marinha nem um major de cavalaria, de Exército. Permanecendo na corporação, convivem com a mesma geração de colegas, respeitando praticamente a mesma hierarquia ao longo de todas as suas vidas. … Jamais se esquecem, por exemplo, os apelidos da juventude, ganhos no tempo das escolas militares. Para um aspirante dos anos 30, o Brasil foi presidido de 1964 a 1985 por Tamanco, Português, Milito, Alemão e Figa.
O silêncio dos generais foi compensado pela utilização maciça de conceitos teóricos. Com isso, frequentemente misturaram-se ideias brilhantes e preconceitos, dando-se força de dogma a algumas racionalizações que, no máximo, seriam bons instrumentos de especulação. Para explicar a brutalização da política, recorreu-se demais ao que se chama de Doutrina da Segurança Nacional ou, na sua denominação crítica, Ideologia da Segurança Nacional. …
...
(41) Para quem quiser cortar caminho na busca do motivo por que Geisel e Golbery desmontaram a ditadura, a resposta é simples: porque o regime militar, outorgando-se o monopólio da ordem, era uma grande bagunça.
Como ela tomou conta do país e como a desmancharam é uma história mais comprida. Começa na noite de 30 de março de 1964, quando a democracia brasileira tomou o caminho da breca.

 Gaspari, Elio. A Ditadura Envergonhada – as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

domingo, 7 de agosto de 2016

Quando a emenda saiu pior que o soneto


   Diz-se que a expressão “a emenda saiu pior que o soneto” envolve um jovem aspirante a escritor e Bocage. Em uma ocasião, o jovem solicitou a Bocage que fizesse anotações em um de seus sonetos, assinalando os erros. Futuramente, Bocage devolveu o soneto sem nenhuma anotação sob a justificativa de que seriam tantas as correções que “ e emenda ficaria pior que o soneto”, consolidando a expressão que se transformou em ditado popular.
   Todos já tivemos nossos sonetos. Aqueles em que as emendas se tornam bola de neve e que nos mostram que o quanto antes voltarmos atrás melhor será. Não é verdade?
   Hoje nosso principal soneto ruim é o intento golpista de Temer e que sabemos, ele não pretende abandoná-lo. Sabemos que mesmo que um surto de grandeza ocorresse, isso não seria possível pela quantidade de acordos escusos com o qual já se comprometera
   Assumir a peripécia antidemocrática mesmo que sem volta é, contudo, ainda melhor que qualquer tentativa de reparação ou legitimação como as que vem ocorrendo de maneira descarada. As tentativas de esconder seu nome em eventos, bloqueios de perfil no facebook, e a massiva tentativa de conter vaias e manifestações contrárias são exemplos de emendas que tornam seu péssimo soneto muitas vezes pior que o original.
   As respostas são piadas das mais diversas, memes de internet, vídeos documentando a truculência da polícia retirando inofensivos cartazes de “FORA TEMER” e o aumento do número de descontentes documentados com uma riqueza sem precedentes na história.
   Assim, o soneto do jovem escritor e a tentativa de golpe tem algo em comum: ambos tomarão o mundo e continuarão marcados na história. A diferença reside no fato do jovem escritor ter ficado anônimo e de que Temer carregará a alcunha de golpista por toda a sua vida e futuras gerações.

por Alexandre Carrasco (https://medium.com/@alexandrecarrasco/quando-a-emenda-saiu-pior-que-o-soneto-652ba1c74ff4#.xq0dhvgzo)

Bolsonaro não é homofóbico (?)

*Arquivo de provas*


Estímulo à violência contra homossexuais
"Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater", disse Bolsonaro depois que FHC posou com a bandeira gay em 2002. (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200210.htm)

Bater em filho gay
Em um debate na TV Câmara, em 2010, ele sugeriu que a melhor forma de corrigir a homossexualidade seria através da violência. “O filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem. A gente precisa agir”, afirmou ele que repetiu a declaração várias vezes. Foi baseada nessa declaração que Ellen Page o questionou na entrevista. (https://www.youtube.com/watch?v=JZtaYvzzeTQ e https://www.youtube.com/watch?v=YVq4qYWnOZY)

Pouca vergonha
Em entrevista ao programa de humoristas do CQC, ele deu diversas declarações homofóbicas e racistas. Inclusive, foi condenado a pagar R$150 mil reais por essas declarações. Ele declarou que seus filhos nunca seriam gays porque foram bem educados, sugerindo que a homossexualidade é um comportamento ruim e um mau costume." (https://www.youtube.com/watch?v=HyaqwdYOzQk)

Parente gay não frequentaria a sua casa
“Gostaria de saber qual seria a sua reação se alguém de sua família decidisse abertamente pela homossexualidade”, sugeriu a pergunta um internauta... Jair Bolsonaro respondeu: “Seria problema dele. Se essa fosse sua opção para ser feliz não estaria (nem poderia) ser proibido por mim mas, certamente, não iria me convencer a frequentar minha casa”.
http://revistaepoca.globo.com/…/…/0,,EMI245890-15223,00.html

O valor do gay na sociedade?
“O que esse pessoal tem para oferecer para a sociedade? Casamento gay? Adoção de filhos? Dizer que se seus jovens, um dia, forem ter um filho, que se for gay é legal? Esse pessoal não tem nada a oferecer.” (http://g1.globo.com/…/n…/2011/03/estou-me-lixando-para-esse-...)

Não sou homofóbico
"Não tenho nada a ver. Cada um faz o que quer com seu corpinho cabeludo entre quatro paredes. O que eles têm para me oferecer não interessa. Agora, eu não quero que o público LGBT crie currículo para as escolas públicas de primeiro grau." http://g1.globo.com/…/n…/2011/03/estou-me-lixando-para-esse-...

Direito da maioria
Em entrevista, ele compara gays a pedófilos e diz que a minoria deve ser calar. “Que respeitar homossexual. Eles que tem que nos respeitar”. (https://www.youtube.com/watch?v=mdUSEQw-SxI e https://www.youtube.com/watch?v=HGhLceaxCjE)

Sangue gay
Bolsonaro polemizou em 2011 sobre doação de sangue dizendo que hospitais deveriam separar sangues de gays e homos para transfusões. Para ele, sangue de gays tem 17 vezes mais risco de transmitir a Aids, mas deu a entender que não queria receber sangue de um homossexual. Usando os riscos acrescidos de gays se infectarem com o HIV sexualmente, ele deturpou a informação e abriu uma campanha por uma lei para separar os sangues, que acabou abandonada. "O sangue de um homossexual pode contaminar o sangue de um heterossexual". (https://www.youtube.com/watch?v=Z1oGuNkGV2g)

Órgão excretor
O Deputado Federal usou sua boca para vomitar baboseiras em resposta contra o projeto de lei que defende punições contra ações homofóbicas. Ele diz que não dá para saber que uma pessoa é gay, transexual, lésbica ou travesti antes de agredi-la e que só porque uma pessoa faz sexo com o órgão excretor (antes mesmo de Levy Fidelix usar o termo e chocar o país no debate eleitoral de 2014), não merece uma lei de proteção. (https://www.youtube.com/watch?v=adtWbjpjjeg)

Preconceituoso com Orgulho
Em uma entrevista concedida aos leitores da Revista Época, Bolsonaro afirmou: “Sou preconceituoso, com muito orgulho”.

Gays são pedófilos
No programa do Danillo Gentile, ele fala, a partir dos 17m10, sobre seu posicionamento contra os homossexuais. “90% dos adotados vão ser homossexuais e vão ser garotos de programa deste casal” (referindo-se aos filhos adotados de casais homossexuais). (https://www.youtube.com/watch?v=3yxvUIp8GnY)

Morte de um filho gay
“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” disse em 2011, quando deu entrevista à Playboy. (http://noticias.terra.com.br/…/bolsonaro-prefiro-filho-mort…...)

Bolsonaro diz que vizinhos gays desvalorizam um imóvel
Ainda na entrevista de Playboy em 2011: "Se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa ! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza" (http://noticias.terra.com.br/…/bolsonaro-prefiro-filho-mort…...)

União gay
“O próximo passo será a adoção de crianças por casais homossexuais e a legalização da pedofilia”. “O Supremo extrapolou. Quem tem de decidir isso é o Legislativo, com a sanção do Executivo. Agiu por pressão da comunidade homossexual e do governo. Unidade familiar é homem e mulher.” (http://www.fabiocampana.com.br/…/proximo-passo-sera-a-legal…...)

Direito de discriminar
O deputado afirma ainda que quer garantir o direito de não querer alugar um imóvel ou contratar se a pessoa for LGBT, e acusa gays de quererem direitos especiais. E diz que vai lutar contra o casamento gay. “Primeiro que eles não tem na testa escrito que é homossexual. Eu alugo o meu apartamento para quem eu quiser... Agora se dá o azar deste cara ser homossexual, e ele vai em uma delegacia e registra uma queixa... e eu vou ser preso em flagrante só porque esse cara faz sexo com o seu aparelho excretor?... Se eu for contratar um motorista para levar o meu filho em uma escola e descobrir que ele é gay... eu vou contratar?” (https://www.youtube.com/watch?v=TcOpf2d9mNM)

Beijo gay – Família gay
“A sociedade é ofendida, a família é ofendida...” “A sociedade é conservadora. Eu considero agressivo”. “Lógico que me incomoda”. “Família gay não existe”. (https://www.youtube.com/watch?v=KL-eiuRZrDE)

Não é normal
“Ensinar para a criança que ser gay é normal? Não!” “Eu não deixaria meu filho de 5 anos de idade brincar com o filho da mesma idade filho de um casal gay”. (https://www.youtube.com/watch?v=7ftFLFcQTQg)

Dissimulado
“Não sei porque tanta discriminação. Minhas melhores professoras foram as prostitutas. Eu queria saber se isso também vale pro outro lado, se isso também vale para ele ser um bom professor ser gay”, provocou ele na Comissão de Direitos Humanos e foi censurado pelos colegas. (https://www.youtube.com/watch?v=S5Apq5CAdDw)

Kit Gay
“Dá nojo. Esses gays e lésbicas querem que nós a maioria entubemos como exemplo de comportamento a sua promiscuidade... Nós não podemos nos submeter aos escárnio da sociedade”. ( https://www.youtube.com/watch?v=gNJKJLCPrT4)

 Não existe homofobia
“Não existe homofobia no Brasil” e “a sociedade brasileira não gosta de homossexuais”. Em entrevista ao apresentador Stephen Fry, Bolsonaro diz que pais não tem filhos de orgulho gay e defende a passeata de orgulho hétero. “Bolsonaro é o típico homofóbico que eu encontrei por todo o mundo, com seu mantra de que gays querem dominar a sociedade, recrutar ou abusar das crianças. Mesmo em países progressistas como o Brasil, suas mentiras criam histeria coletiva entre os ignorantes, de onde a violência pode surgir e acabar em ataques brutais como o que matou Alexandre Ivo”. (https://www.youtube.com/watch?v=Hxh_laUnt3I)

Organizado por André Felipe de Souza

segunda-feira, 25 de abril de 2016

CANTO AO SONO - Thomas Mann

Há escritorxs e textos que veem ao nosso encontro e se casam conosco.
Eu guardo muitos deles em mim, em minha alma, em minha mente.
Clarice eu precisei corporificar. Clarice fala tão alto e claro dentro de mim que precisei dar-lhe voz, dar-lhe corpo! É.
Hermann Hesse é quase eu mesmo. Knulp é minha morte!
Não vou falar de Pessoa, pois ele me define, define meu amar, para mim, verbo transitivo direto… contrariando o Poeta.
Thomas Mann me transporta a outras vidas e dimensões. Ler “A Montanha Mágica” foi uma viagem que durou sete meses. Durante a leitura realizei, de fato, muitas viagens. As últimas páginas foram lidas dentro de um ônibus e simplesmente não continha as lágrimas. Eram necessárias pausas para controlar a emoção e chegar aos últimos parágrafos. Foi o meu mais profundo adeus.
A sincronicidade dos textos que se aproximam de mim me surpreende. Hoje, em minha angústia, “Canto ao Sono” apropriou-se de mim. Quase escrevi-o eu mesmo. Pensei em recortar-lhe e enxertar-lhe palavras minhas… mas não ousei profanar este texto sagrado. Resolvi, mera a mente, digitar, cada letra, cada palavra, como um ator da escrita:

“Que a noite caia a cada dia; que a graça do sono estenda-se todas as noites, apaziguadora, trazendo o esquecimento sobre os tormentos e as misérias, o sofrimento e a angústia; que ainda uma vez esta bebida de consolo e letargia distribua-se aos nossos lábios ressecados; que ainda uma vez, após a luta, este banho morno acolha nosso corpo fremente, a fim de que, purificado do suor, da poeira e do sangue, revigorado, renovado, remoçado inconscientemente, dele emerja com sua vitalidade e prazer originais. Ah! Meu amigo! Sempre senti e considerei o sono como o mais beneficente e emocionante dos grandes fenômenos criadores do impulso cego. Saímos da noite sem sofrimentos, para penetrar no dia, e caminhamos. O sol é calcinante, andamos sobre espinhos e seixos cortantes. Sentimos nosso peito sufocar. Que assustador seria se a ardente estrada da fadiga se estendesse diante de nós sem fim provisório, sob uma luz cruz, a perder-se de vista. Quem teria forças de percorrê-la até o fim? Quem não se prostraria pelo desencorajamento e desgosto?
Mas eis a noite materna que surge novamente, sempre novamente, sobre o caminho de Paixão da vida. Cada dia tem um fim. Um bosque espera-nos, num murmúrio de fonte e numa verde penumbra, onde um maravilhoso frescor recobrará sobre nossa fronte a paz de nossa terra natal, então os braços estreitados num abraço, a cabeça tombada para trás, os lábios entreabertos e os olhos afortunadamente revoltos, penetramos numa sombra deliciosa.
Dizem que fui criança tranquila, nem barulhenta nem agitada, mas inclinada ao torpor e à sonolência, de um modo agradável para as mulheres que cuidavam de mim. Acredito, pois lembro-me de amar o sono e o esquecimento numa época em que não tinha nada a esquecer; e até me sinto capacitado para dizer que choque espiritual provocou nesta silenciosa inclinação natural a transformação em afeição consciente. Deu-se após eu ter ouvido o conto “O Homem Sem Sono”, a história desse homem preso ao tempo e às suas próprias ações, com ardor tão insensato, que maldizia o sono. Então, um anjo concedeu-lhe a realização de seu desejo, tirando a sua necessidade física de dormir, soprou sobre seus olhos para que eles se tornassem semelhantes a cinzentas pedras em suas órbitas e não se fechassem jamais.
Como esse homem lamentou seu pedido; o que então suportou, só, privado do sono entre todos os homens; como o triste condenado arrastou sua vida, até o dia em que a morte o libertou e quando a noite, que pairava inacessível diante de seus olhos de pedra, atraiu-o até ela e para ela. Não poderia contá-lo com maiores detalhes, todavia sei que durante aquela noite, não me continha de impaciência para que me deixassem só em meu leito a fim de lançar-me no seio do sono; nunca dormi tão profundamente como naquela noite em que ouvi essa história.
Desde então sempre fiz distinção entre os livros que poderiam dizer algo em louvor ao sono; e Mesmer, por exemplo, exprimiu-se bem de acordo comigo, quando sublinhou a possibilidade de que o sono (que forma a base da vida vegetal, e do qual a criança, em suas primeiras semanas de vida, sai apenas para alimentar-se) seja talvez o estado natural, original do homem, aquele que corresponde mais diretamente à finalidade do fenômeno de vegetação. “Não se poderia dizer, propõe o genial charlatão, que apenas despertamos para dormir?” Julgo isso extremamente bem pensado. Seguramente o estado de vigília é apenas uma luta para preservar o sono. Darwin também não pensa que o espírito se desenvolveu somente como uma arma na luta pela vida? Arma perigosa! Uma arma que, se nenhum perigo ameaça nossa segurança, vira-se frequentemente contra nós. Felicitemo-nos quando ela repousa, quando a chama crua e consumidora da consciência que temos do mundo ao nosso redor e em nós próprios reduz satisfatoriamente sua atividade, quando podemos, então, abandonarmo-nos novamente à nossa verdadeira e feliz natureza.
Contudo, se a angústia desperta-nos, não é ela que afinal nos afasta do sono. Acreditarias em mim, se te dissesse que não conheço insônia causada por desgosto ou preocupação? Só experimentei verdadeiro fervor pelo sono após ter passado a primeira fase de liberdade, de intangibilidade, quando os desgostos da vida sob a forma da escola começaram a turvar meus dias. Nunca mais formi tão deliciosamente quanto durante algumas noites de domingo para segunda-feira, quando após um dia protegido, pertencendo aos meus e a mim mesmo, a manhã seguinte ameaçava-me novamente com dificuldades duras e estranhas. E isso sempre acontece. Nunca durmo tão profundamente, sem experimento um retorno mais doce ao seio da noite, que quando estou infeliz, quando o meu trabalho não foi bem sucedido, quando o desespero me oprime, quando desgostoso dos homens encontro refúgio nas trevas…; e como, pergunto, poderia ser de outro modo, já que é naturalmente impossível que a inquietação e o sofrimento reforcem nossa afeição ao dia e ao tempo?
Sorrirás se eu te disse que preservo uma recordação precisa e reconhecida de cada leito no qual dormi durante algum tempo, de cada um deles, desde a pequena cama de grades com cortinas verdes, que foi o primeiro, até o imponente leito de acaju onde nasci e que durante sucessivos anos reinou em meus apartamentos de jovem celibatário? Atualmente possuo um leito mais leve, inglês, laqueado de branco. Por cima está suspenso, numa moldura branca, este quadro francês intitulado “Rumo à estrela”, o qual, com a sua atmosfera azul esmaecida, imprecisa e musical, é o mais belo ornamento de alcova que posso imaginar… Sorrirás, repito, contudo, que lugar insigne ocupa o leito em nosso mobiliário, este móvel metafísico, onde os mistérios do nascimento e da morte se cumprem, este habitáculo de linho perfumado, onde inconscientes, com os joelhos dobrados como antigamente nas trevas do ventre materno, reatamos de alguma forma o cordão umbilical da natureza, atraímos o sustento e a renovação por vias misteriosas… Não seria como um barquinho mágico, posto de lado num canto, velado e discreto durante o dia, e no qual, a cada noite, vagamos sobre o mar do inconsciente e do infinito?
O mar! O infinito! Meu amor pelo mar, que sempre preferi pela imensa uniformidade à ambiciosa variedade de aspectos da montanha, é tão antigo quanto meu amor pelo sono e sei perfeitamente onde essas duas simpatias encontram sua raiz comum. Tenho em mim muito hinduísmo, muita nostalgia indolente e profunda, por esta forma ou não-forma de perfeição chamada Nirvana ou o nada; e, ainda que artista, tenho uma inclinação bem pouco artística pelo eterno, que se traduz por uma aversão à articulação e à medida. O que contrabalança essa inclinação, creia-me, é a correção e a disciplina; é, para empregar a palavra mais séria, a moral… Ora o que é a moral? O que é a moral do artista?
A moral tem duas faces, concentração e abandono, e uma sem a outra nunca é legítima. A “concentração”, esta fecunda antítese da distração (a propósito da qual Grillparzer cria seu sacerdote uma magnífica linguagem), é necessário havê-la sentido para compreendê-la, não sendo raro que uma imagem particular provoque em mim, sempre de novo, a impressão mais profunda dessa palavra: a imagem do feto no ventre de sua mãe. Nossa cabeça, imagine, não se encontra redonda e acabada de uma só vez, de modo a ter apenas que se desenvolver como um todo… A princípio o rosto está aberto na frente, ele cresce pouco a pouco dos dois lados para juntar-se no meio, fecha-se lenta e firmemente a fim de transformar-se no rosto simétrico, dotado de visão, de vontade, individualmente condensado do nosso “eu”… É este processo de junção, de acabamento, de formação para tornar-se uma figura determinada, saído do mundo das possibilidades, é essa imagem que me faz pressentir aquilo que afinal se consuma além da aparência. Sinto, então, que toda existência individual deve ser compreendida como a consequência de um ato de vontade supra-sensorial, de uma decisão de concentrar-se fora do nada, de renunciar à liberdade, ao infinito, a dormitar e a mover-se na noite imaterial e intemporal, uma decisão moral de existir e sofrer. Sim tornar-se é, em si, um ato moral. De outra forma qual seria o significado destas palavras proféticas: “Nosso maior pecado é o de ter nascido?”… Só um boçal considera pecado e moralidade como conceitos opostos. Eles formam apenas um. Sem o conhecimento do pecado, sem o abandono ao que é funesto e nos consome, toda moral é uma afetação de virtude. Não são a pureza e a ingenuidade que constituem o estado desejável no sentido moral, não são a prudência egoísta e a arte desprezível de preservar a consciência tranquila que formam o elemento moral, mas a luta e o desgosto, a paixão e o sofrimento. “Aquele”, escreveu, em alguma parte, Heinrich von Kleist, “que ama a vida com prudência já está moralmente morto, pois sua mais intensa força vital, que é de podê-la sacrificar, atrofia-se, quando ele cerca-se de cuidados.” A palavra de maior sentido moral do Evangelho é: “Não resista ao mal!”
A moral do artista é a concentração, a força de concentrar-se egoisticamente, a decisão de dar forma, de modelar, circunscrever, renunciar à liberdade, ao infinito, à sonolência e ao movimento no domínio ilimitado da sensação. Enfim, a vontade de criar uma obra. Mas quando desprovida de nobreza e moral, exangue e repulsiva, é a obra nascida de uma arte fechada em si, prudente e virtuosa! A moral do artista é abandono, afastamento e perda de si próprio, é luta e tormento, aventura, conhecimento e paixão.
A moral é sem dúvida o maior encargo da vida, é a própria vontade de viver, todavia se o fato de se dizer que a vida é o bem supremo é mais que uma frase de teatro, então deve existir algo maior e mais definitivo que essa vontade: assim como a moral consiste em corrigir e disciplinar o que é livre e possível, para reconduzi-lo ao limitado e ao real, por sua vez requer um corretivo, uma explicação, uma exortação incessante (que não se pode deixar de ouvir) uma incitação ao recolhimento e à renúncia… Dá a esse corretivo o nome de sabedoria e seu contrário será a loucura do homem preso ao tempo e ao instante com tão cega paixão que chega a maldizer o sono. Dá-lhe o nome de religiosidade, seu contrário será a bestialidade ligada aos instintos pagãos e cuja fuça permanece presa ao chão sem ver a grande paz estelar acima. Chama-lhe nobreza, seu contrário será a vulgaridade que se encontra à vontade, inteiramente e sem nostalgia, na vida e na realidade, que não conhece pátria superior; apesar de que existem pessoas tão grosseiras, tão inabalavelmente eficientes que não se pode imaginar sua morte, sua consagração à morte.
Se não é a depressão que nos priva do sono, mas a paixão, chamada por Gotama Buda “devoção”, a fervorosa ligação do nosso “eu” à atividade cotidiana, isso é então mais que o sintoma de um estado nervoso. Significa que a nossa alma perdeu sua pátria, que no seu ardor se afastou tanto que não consegue encontrar o caminho do retorno; contudo, não é frequente termos a impressão que precisamente os maiores e mais fortes homens de ação, os apaixonados, se “reencontram” sempre com facilidade? Ouvi dizer que Napoleão podia adormecer quando queria, em pleno dia, entre pessoas, no tumulto de uma batalha indecisa…
Enquanto penso nisso, tenho sob os olhos esta imagem, sem grande valor artístico, cujo assunto sempre exerceu sobre mim infinita fascinação. Intitula-se: “É Ele”. Representa um pobre quarto de camponeses. Seus ocupantes, marido, mulher e filhos, comprimem-se à beira da porta aberta, numa contemplação espantada. Pois lá, no meio do cômodo, apoiado na modesta mesa, o Imperador está sentado e dorme. Está sentado lá, este símbolo da paixão egoísta e exuberante, tirou sua espada, seu punho descontraído repousa sobre a mesa, e com o queixo inclinado sobre o peito, ele dorme. Não sente necessidade de silêncio, da obscuridade, nem mesmo do travesseiro para esquecer o mundo. Sentou-se sobre a dura cadeira, a primeira que surgiu, fechou os olhos, deixou tudo atrás de si e dorme.

Certamente, é aquele que conserva pela noite mais fidelidade e nostalgia, aquele que todavia durante o dia produz obras formidáveis. Eis por que prefiro a obra nascida da “nostalgia da noite sagrada”, que, apesar de si mesma, volta-se para o esplendor de sua vontade e embalo sonhador. Enquanto escrevo, ouço “Tristão” de Richard Wagner. [Enquanto digito, ouço as suítes para violoncelo de J. S. Bach.]

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Discurso proferido por Russell Means em julho de 1980.

Em um dia qualquer, encontrei este texto navegando pela Internet. Li e este texto respondeu inúmeras questões que habitavam minha mente... não encontrei este texto em português e minha mente inquietante me levou a traduzi-lo. Não sou um tradutor profissional, portanto, no final, existe um link para o original em inglês. Qualquer correção será muito bem recebida! Leiam, vivenciem... acho que não sou o único que se inquieta com estas questões.


A Revolução e os Índios Americanos: “O Marxismo é tão estranho para minha cultura quanto o Capitalismo”

O discurso a seguir foi proferido por Russell Means em julho de 1980, antes do encontro de milhares de pessoas do mundo todo que se reuniram para o Black Hills International Survival Gathering (Encontro Internacional para a preservação das Colinas Negras), em Black Hills na South Dakota (Colinas Negras em Dakota do Sul). Este é o discurso mais famoso de Russell Means.
Membro da tribo Oglala Lakota, ele talvez tenha sido a personalidade mais destacada no Movimento Indígena Americano, começando com a ocupação do Wounded Knee em 1973. Ele também teve uma carreira artística atuando como Chingachgook no filme Last of the Mohicans (O Último dos Moicanos). Ele morreu em 22 de outubro de 2012 aos 72 anos de idade.

"A única forma possível de iniciar uma declaração deste gênero é dizendo que eu detesto escrever. O processo em si mesmo sintetiza o conceito Europeu de pensamento “legitimado”; o quê está escrito adquire uma importância que é negada ao que é dito. Minha cultura, a cultura Lakota, possui uma tradição oral, portanto, em princípio, eu renego a escrita. Esta é uma das maneiras que o mundo do homem branco tem para destruir as culturas dos povos não-Europeus, a imposição de uma abstração sobre a relação oral do povo.
Portanto, o que você lê aqui não é o que eu escrevi. Isto é o que eu disse e alguém escreveu minhas palavras ditas. Eu permitirei que seja assim porque me parece que a única maneira de se comunicar com o mundo branco é através das folhas secas e mortas de um livro. Eu realmente não me importo se minhas palavras alcançarão os brancos ou não. Eles já demonstraram através de sua história que não conseguem ouvir, não conseguem ver; os brancos conseguem apenas ler (é claro que existem exceções, mas as exceções apenas confirmam a regra). Eu estou mais preocupado com o povo indígena americano, estudantes e outras pessoas, que começam a ser absorvidos pelo mundo branco através de universidades e outras instituições. Mas mesmo assim isto é apenas uma preocupação periférica. É extremamente possível que uma mente branca se desenvolva no interior de uma cara vermelha; e se isto for uma escolha pessoal, então, que assim seja, mas eu não vejo nenhuma utilidade para ela. Isto é parte do processo de genocídio cultural sendo impetrado atualmente pelos Europeus contra o povo Indígena Americano. Minha preocupação é com os Indígenas Americanos que tem escolhido resistir a este genocídio, mas que devem estar confusos sobre como agir.
Vocês notaram que eu uso o termo Índio Americano e não Nativo Americano ou Povo Indígena Nativo ou Ameríndios, quando estou me referindo a meu povo. Tem havido alguma controvérsia em relação a tais termos, e sinceramente, neste ponto, eu acho isto um absurdo. Primeiramente parece que Índio Americano é um termo que tem sido rejeitado como de origem Europeia – o que é verdade. Mas todos os termos acima são de origem Europeia; a única maneira não-Europeia é falar dos Lakota – ou, mais precisamente, dos Oglala, Brule, etc. – e dos Dineh, dos Miccousukee, e todos os demais centenas de nomes corretos de cada tribo.
Existe também alguma confusão sobre a palavra Índio, uma crença errônea de que se refere a alguém do país Índia. Quando Colombo se lavou nas praias do Caribe, ele não estava procurando por um país chamado Índia. Os Europeus chamavam aquele país de Industão (Hindustan) em 1492. Procure nos mapas antigos. Colombo chamou os povos tribais que ele encontrou de "Indio" do italiano in dio, que significa "em Deus”.
É necessário um grande esforço por parte de cada Índio Americano para não se tornar Europeizado. E a força para este esforço só pode vir dos caminhos da tradição, os valores tradicionais que os mais velhos conservam. Deve vir da aliança, das quatro direções, das relações: não deve vir das páginas de um livro ou de milhares de livros. Nenhum Europeu será capaz de ensinar um Lakota a ser Lakota, um Hopi a ser Hopi. Um doutor em "Estudos Indígenas" ou em "educação" ou em outra matéria qualquer não é capaz de transformar uma pessoa em um ser humano ou fornecer conhecimento dentro das formas tradicionais. Ele é apenas capaz de formar em você uma mente Europeia, um estrangeiro.
Eu preciso ser claro sobre uma questão aqui, pois me parece que existe alguma confusão sobre isto. Quando eu falo de Europeus ou de mentalidade Europeia, eu não quero que existam falsas distinções. Eu não estou dizendo que de um lado existe os subprodutos de alguns milhares de anos de genocídio, desenvolvimento intelectual Europeu reacionário, que seja ruim; e de outro lado existe um desenvolvimento intelectual revolucionário que seja bom. Eu estou me referindo aqui à tal chamada teoria do Marxismo e anarquismo e “esquerdismo” em geral. Eu não acredito que estas teorias possam ser separadas do restante da tradição intelectual Europeia. Esta é a mesma velha ladainha.
O processo começou muito antes. Newton, por exemplo, "revolucionou" a física e as chamadas ciências naturais reduzindo o universo físico em uma equação matemática linear. Descartes fez a mesma coisa com a cultura. John Locke com a política, e Adam Smith com a economia. Cada um destes "pensadores" pegaram um pedaço da espiritualidade da existência humana e a converteu em um código, uma abstração. Eles continuaram onde o Cristianismo parou: eles "secularizaram" a religião Cristã, como os "acadêmicos" gostam de dizer – e desta forma eles conseguiram tornar a Europa mais capaz e pronta para agir como uma cultura expansionista. Cada uma das revoluções intelectuais serviram para abstrair a cultura Europeia ainda mais, a remover a maravilhosa complexidade e espiritualidade do universo e substituí-la por uma sequência lógica: um, dois, três. Responda!
E isto é a chamada "eficiência" na mente Europeia. Qualquer coisa que seja mecânica é perfeita; qualquer coisa que pareça funcionar no momento – isto é, prova que o modelo mecânico está correto – é considerada certa, mesmo quando seja claramente falsa. Este é o motivo pelo qual a "verdade" muda tão rapidamente na mentalidade Europeia; as respostas que resultam de tal processo são apenas tapa-buracos, apenas temporários, e devem ser continuamente descartados em função de novos tapa-buracos que garantam os modelos mecânicos e os mantenham (os modelos) vivos.
Hegel e Marx são herdeiros do pensamento de Newton, Descartes, Locke e Smith. Hegel finalizou o processo de secularização da teologia – e isto é posto em seus próprios termos – ele secularizou o pensamento religioso com o que a Europa entende como o universo. E então Marx adaptou a filosofia de Hegel aos termos de "materialismo" que é o mesmo que dizer que Marx e Hegel trabalharam junto neste processo de desespiritualização. Novamente, nas palavras do próprio Marx. E agora isto é visto como o potencial futuro revolucionário da Europa. Europeus podem ver isto como revolucionário, mas os Índios Americanos veem isto simplesmente como ainda mais do mesmo conflito Europeu entre o ser e o obter. As raízes da nova forma Marxista do imperialismo Europeu baseados em Marx – e seus seguidores – está ligado à tradição de Newton, Hegel e outros.
O Ser é uma proposição espiritual. Obter é um ato material. Tradicionalmente, Índios Americanos sempre tentaram ser o melhor povo que podiam. Parte deste processo espiritual era e é abandonar a riqueza, descartar a riqueza afim de não obter. O ganho material é um indicador de um status falso entre povos tradicionais, enquanto é a "prova de que o sistema funciona" para Europeus. Claramente, existem dois pontos de vista completamente opostos em questão aqui, e o Marxismo está bem distante ao da visão do Índio Americano. Mas vamos olhar para uma implicação maior disto; este não é um debate meramente intelectual.
A tradição Europeia materialista de desespiritualização do universo é muito semelhante ao processo mental que passa pela desumanização do outro. E quem parece ser o mais hábil em desumanizar outra pessoa? E por que? Soldados tem um longo aprendizado sobre combate ao inimigo antes de entrar em combate. Assassinos fazem o mesmo antes de saírem para cometer o assassinato. Soldados nazistas da SS agiram assim com os prisioneiros dos campos de concentração. Policiais fazem isto. Líderes de corporações agem assim com trabalhadores quando os envia para minas de urânio e siderúrgicas. Políticos agem assim com todo mundo. E a parte do processo que é comum para cada grupo que desumaniza o outro é que está tubo bem matar ou destruir outra pessoa. Um dos mandamentos Cristãos diz, "Não matarás", pelo menos não matarás seres humanos, portanto o truque é converter mentalmente as vítimas em seres não humanos. Assim você pode declarar a violação de seu próprio mandamento como uma virtude.
Nos termos da desespiritualização do universo, o processo mental funciona de maneira que torna uma virtude destruir o planeta. Termos omo progresso e desenvolvimento são usados para encobrir palavras aqui, as maneiras como vitória e liberdade são usadas para justificar a carnificina no processo de desumanização. Por exemplo, um especulador imobiliário se refere como "desenvolvimento" um pedaço de terra arrasado para abrir uma pedreira de cascalho; desenvolvimento neste caso significa uma destruição total e permanente, quando a própria terra é removida. Mas a lógica Europeia é de obter umas poucas toneladas de cascalho com a qual mais terras podem ser “desenvolvidas” com a construção de estradas de rodagem. Em última análise, o universo inteiro está pronto – na visão Europeia – para este tipo de insanidade.
O mais importante aqui, talvez, é que os Europeus não sentem nenhum senso de perda nisto tudo. Afinal, seus filósofos desespiritualizaram a realidade, portanto não há nenhuma satisfação (para eles) a ser obtida em simplesmente observar a maravilha de uma montanha ou lago ou de um ser humano. Não, a satisfação é medida em termos de ganho material. Portanto a montanha se transforma em cascalho, o lago serve para refrigerar uma fábrica, e as pessoas são adaptadas para este processo através das moendas de doutrinação que os Europeus gostam de chamar de escolas.
Mas cada nova peça deste “progresso” aposta em algo fora do mundo real. Retirar combustível para uma máquina mecânica é um exemplo. A pouco mais de dois séculos atrás, quase todo mundo usava carvão – um item natural, renovável – como combustível para as necessidades humanas de aquecimento e alimentação. Junto veio a Revolução Industrial e o carvão se tornou um combustível, assim como a produção se tornou um imperativo social para a Europa. A poluição começou a se tornar um problema nas cidades, e a terra foi dilacerada a fim de fornecer carvão visto que a madeira sempre havia sido obtida ou colhida sem grandes prejuízos para o ambiente. Mais tarde, o petróleo se tornou o combustível mais importante, assim que a tecnologia de produção se aperfeiçoou através de uma série de “revoluções” científicas. A poluição aumentou dramaticamente, e ninguém ainda sabe os custos ambientais reais que o bombeamento de todo este petróleo do interior da terra poderá causar ao longo do tempo. Agora existe uma “crise de energia" e o urânio está se tornando o combustível dominante.
Capitalistas, pelo menos, desenvolverão o uso do urânio como combustível apenas se isto lhes proporcionar um bom lucro. Esta é sua ética, e talvez isto nos garanta ainda algum tempo. Marxistas, por outro lado, podem desenvolver o uso do urânio como combustível o mais rápido possível pois este é o combustível mais “eficiente” disponível. Esta é sua ética, e eu não consigo ver qual é preferível. Como eu disse, o Marxismo está muito bem inserido no meio da tradição Europeia. É a mesma ladainha.
Existe uma regra de ouro que pode ser aplicada aqui. Você não é capaz de julgar a natureza real de uma doutrina revolucionária Europeia com base nas mudanças que ela propõe fazer de dentro do poder da estrutura e sociedade Europeia. Você apenas a pode julgar pelos efeitos que isto acarretará nos povos não-Europeus. Digo isto porque toda revolução na história Europeia apenas serviu para reforçar as tendências e habilidades da Europa em exportar destruição para outros povos, outras culturas e para o próprio meio ambiente. Eu desafio qualquer um a apresentar um exemplo em que isto não seja verdade.
Então nós agora, como povo Indígena Americano, somos convidados a acreditar que um “nova” doutrina revolucionária Europeia como o Marxismo era reverter os efeitos negativos que a história Europeia teve sobre nós. As relações de poder Europeu serão ajustados mais uma vez, e supõem-se isto fará as coisas ficarem melhores para todos nós. Mas o que isto realmente significa?
Exatamente agora, hoje, nós que vivemos na Reserva Pine Ridge estamos vivendo no que a sociedade branca designou como “Área de Sacrifício Nacional”. Isto significa que nós temos muita reserva de urânio aqui, e a cultura branca (não nós) precisamos deste urânio como material de produção de energia. O mais barato, mais eficiente jeito para a indústria extrair e processar este urânio é despejar os resíduos da produção exatamente aqui nos sítios de escavação. Exatamente aqui onde nós vivemos. Este resíduo é radioativo e tornará a região toda inabitável para sempre. Isto é considerado pela indústria, e pela sociedade branca que criou esta indústria, como sendo um preço “aceitável” a pagar pelo desenvolvimento destes recursos de energia. Ao longo do caminho eles também planejam drenar o lençol de água que está debaixo desta área da Dakota do Sul como parte do processo industrial, assim a região se tornará duplamente inabitável. O mesmo tipo de situação está ocorrendo logo abaixo nas terras Navajo e Hopi, logo acima nas terras dos Cheyenne do Norte e Crow, e outros lugares. Trinta por cento do carvão do Oeste e metade dos depósitos de urânio nos Estados Unidos estão em reservas indígenas, portanto de forma alguma isto pode ser chamado de uma questão menor.
Nós estamos resistindo a sermos transformados em uma Área de Sacrifício Nacional. Nós estamos resistindo a sermos transformados em um povo de sacrifício nacional. Os custos deste processo industrial não são aceitáveis para nós. É um genocídio escavar urânio aqui e drenar o lençol de água – não mais, não menos.
Agora suponhamos que em nossa resistência contra o extermínio comece a agregar aliados (nós temos). Vamos supor ainda que nós fôssemos tomar o Marxismo revolucionário como se diz: que pretende nada menos do que a derrubar completamente a ordem capitalista Europeia que tem apresentado esta ameaça sobre nossa existência. Esta parece ser uma aliança natural para o povo Indígena Americano estabelecer. Afinal, como dizem os Marxistas, são os capitalistas que nos definem como sacrifício nacional. Isto é verdade até aqui.
Mas, como eu tenho tentado apontar, esta “verdade” é muito traiçoeira. O Marxismo Revolucionário está comprometido ainda mais com a perpetuação e perfeição do verdadeiro processo industrial que está destruindo todos nós. Ele oferece apenas a “redistribuição” dos resultados – o dinheiro, talvez – desta industrialização para uma parcela maior da população. Ele oferece retirar a riqueza dos capitalistas e repassá-la adiante; mas a fim de fazer o quê, o Marxismo deverá manter o sistema industrial. Mais uma vez, o poder das relações dentro da sociedade Europeia será alterado, porém mais uma vez os efeitos sobre os povos Indígenas Americanos aqui e os não-Europeus em qualquer lugar continuarão a ser os mesmos. É a mesma coisa quando o poder foi redistribuído da igreja para os negócios privados durante a chamada revolução burguesa. A sociedade Europeia mudou um pouco, pelo menos superficialmente, mas seu domínio sobre os não-Europeus continuou como antes. Você pode ver o que a Revolução Americana de 1776 causou aos Índios Americanos. É a mesma velha ladainha. Ladainha.
O Marxismo Revolucionário, como outras formas na sociedade industrial, almeja "racionalizar" todos os povos em direção à indústria – indústria máxima, máxima produção. Esta é uma doutrina que despreza a tradição espiritual dos Índios Americanos, nossas culturas, nossos jeitos de viver. O próprio Marx nós chamou de “pré-capitalistas” e “primitivos”. Pré-capitalista significa simplesmente que, em sua visão, nós eventualmente iríamos descobrir o capitalismo e nos tornar capitalistas; nós temos sempre sido economicamente atrasados nos termos Marxistas. A única maneira pela qual o povo Indígena Americano poderia participar na revolução Marxista seria unindo-se ao sistema industrial, tornarem-se trabalhadores de fábricas, ou “proletários”, como Marx os chamou. O homem estava bem certo sobre o fato de que sua revolução apenas poderia ocorrer através da luta do proletariado, que a existência de um sistema industrial de massa é a pré-condição para uma sociedade Marxista de sucesso.
Eu penso que existe um problema com a linguagem aqui. Cristãos, capitalistas, marxistas. Todos eles foram revolucionários em suas próprias mentes, mas nenhum deles realmente promoveu uma revolução. O quê eles realmente queriam era continuação. Eles fazem o que eles fazem a fim de que a cultura Europeia continua e se desenvolva de acordo com suas necessidades.
Então, para que todos nós realmente unamos nossas forças com o Marxismo, nós Índios Americanos devemos aceitas o sacrifício nacional de nossa terra natal; nós devemos cometer suicídio cultural e nos tornarmos industrializados e Europeizados.
Neste ponto, eu tenho que parar e perguntar a mim mesmo se eu não estou sendo muito duro. O Marxismo tem uma boa história. Esta história bear out minhas observações? Eu olho para o processo de industrialização na União Soviética desde 1920 e eu vejo que aqueles Marxistas fizeram o que levou 300 anos para a Revolução Industrial Inglesa realizar; e o Marxismo realizou em 60 anos. Eu vejo que o território da USSR possuia um número de povos tribais e que eles foram esmagados para dar caminho para as fábricas. Os Soviéticos se referem a isto como “A Questão Nacional”, a questão se os povos tribais tem o direito de existir como povo; e eles decidiram que os povos tribais eram um sacrifício aceitável para as necessidades industriais. Eu olho para e China e vejo a mesma situação. Eu olho para o Vietnam e vejo Marxistas impondo uma ordem industrial e acabando com as raízes dos povos indígenas tribais montanheses.
I ouço influentes cientistas Soviéticos dizendo que quando o urânio estiver exaurido, outras alternativas serão encontradas. Eu vejo Vietnamitas invadindo plantas de energia nuclear abandonadas pelo exército dos Estados Unidos. Eles a desmontaram e destruíram? Não, eles as estão usando. Eu vejo a China explodindo bombas nucleares, desenvolvendo reatores nucleares, e preparando um programa espacial a fim de colonizar e explorar planetas da mesma maneira que os Europeus colonizaram e exploraram este hemisfério. É a mesma velha ladainha, mas talvez com maior velocidade desta vez.
Os argumentos dos cientistas Soviéticos é muito interessante. Eles sabem qual será esta fonte de energia alternativa? Não, eles simplesmente tem fé. A ciência encontrará um caminho. Eu ouço Marxistas revolucionários dizendo que a destruição do ambiente, poluição e radiação serão todos controlados. E eu os vejo agindo de acordo com suas palavras. Eles sabem como estas condições serão controladas? Não, eles simplesmente tem fé. A ciência encontrará um caminho. A industrialização é boa e necessária. Como eles sabem disto? Fé. A ciência encontrará um caminho. Fé deste tipo sempre foi conhecida na Europa como religião. A ciência se tornou a nova religião Europeia para capitalistas e Marxistas; eles são verdadeiramente inseparáveis; eles são parte e parcela da mesma cultura. Portanto, em ambas teorias e práticas, o Marxismo exige que povos não-Europeus desistam de seus valores de suas tradições, de sua existência cultural completamente. Nós todos nos tornaremos viciados em ciência industrializada em uma sociedade Marxista.
Eu não acredito que o capitalismo em si seja realmente responsável pela situação na qual os Índios Americanos tem sido declarado um sacrifício nacional. Não, esta é a tradição Europeia; a cultura Europeia em si é responsável. O Marxismo é apenas a continuação mais recente desta tradição, não é uma solução para isto. Aliar-se ao Marxismo e se aliar com as mesmas forças que nos declararam um custo aceitável.
Existe outro caminho. Existe o caminho tradicional dos Lakota e os caminhos dos povos Indígenas Americanos. Este é o caminho que sabe que os humanos não tem o direito de degradar a Mãe Terra, que existem forças além de qualquer coisa que a mente Europeia tenha concebido, que os humanos devem estar em harmonia com todas as relações ou as relações irão eventualmente eliminar a desarmonia. A ênfase torta nos humanos pelos humanos – a arrogância Europeia de agir como se eles estivessem além da natureza de tudo como coisas relacionadas – pode apenas resultar na total desarmonia e um reajuste que reduzirá o número de humanos arrogantes, dando-lhes o gosto desta realidade além de sua compreensão ou controle e restaure a harmonia. Não é necessário uma teoria revolucionária para que isto aconteça; isto está além do controle humano. Os povos naturais deste planeta sabem disto e portanto eles não teorizam sobre isto. Teoria é uma abstração; nosso conhecimento é real.
Distilada em seus termos básicos, a fé Europeia – incluindo a nova fé na ciência – é equivalente à crença de que o homem é Deus. A Europa sempre procurou um Messias, seja este o homem Jesus Cristo ou o homem Karl Marx ou o homem Albert Einstein. Índios Americanos sabem que isto é totalmente absurdo. Os humanos são as criaturas mais frágeis de todas, tão fracas que outras criaturas estão dispostas a desistir de sua própria vida para que nós possamos viver. Os Humanos são capazes de sobreviver apenas através do exercício da racionalidade pois eles não possuem as habilidades de outras criaturas para obter comida através do uso de garras e presas.
Mas a racionalidade é uma maldição se ela pode fazer com que os humanos esqueçam da ordem natural das coisas que outras criaturas não esquecem. Um lobo nunca se esquece de seu lugar na ordem natural. Índios Americanos podem se esquecer. Europeus quase sempre se esquecem. Nós oramos em agradecimento ao cervo, por nossas relações, por nos permitir comer sua carne; Europeus simplesmente comem a carne como se fosse seu direito e consideram o cervo um ser inferior. Afinal, Europeus se consideram à semelhança de deus em seu racionalismo e ciência. Deus é o Ser Supremo; tudo mais deve ser inferior.
Toda a tradição Europeia, incluindo o Marxismo, tem conspirado para desafiar a ordem natural das coisas. A Mãe Terra tem sido abusada, poderes tem sido abusados, e isto não continuará para sempre. Nenhuma teoria é capaz de alterar este simples fato. A Mãe Terra vai retaliar, o meio ambiente todo vai retaliar, e os abusadores serão eliminados. Todas as coisas compõe um círculo perfeito, que volta ao ponto onde começou. Isto é revolução. E esta é uma profecia do meu povo, do povo Hopi e de outros povos.
Os Índios Americanos tem tentato explicar isto para os Europeus por séculos. Mas, como eu disse no antes, os Europeus tem provado que são incapazes de ouvir. A ordem natural vencerá, e os infratores vão morrer, assim como o cervo morre quando ele fere a harmonia ao procriar demais em uma certa região. É apenas uma questão de tempo até que a chamada "catástrofe de proporções globais" pelos Europeus aconteça. Este é o papel dos povos Indígenas Americanos, o papel de todas os seres naturais, sobreviver. Uma parte de nossa sobrevivência é resistir. Nós resistimos não para derrubar um governo ou para tomar o poder político, mas porque é algo natural resistir à exterminação, sobreviver. Nós não queremos ter poder sobre as instituições dos brancos; nós queremos que as instituições dos brancos desapareçam. Isto é revolução.
Os Índios Americanos ainda estão em contato com essas realidades – as profecias, as tradições de nossos ancestrais. Nós aprendemos de nossos anciãos, da natureza, dos poderes. E quando a catástrofe terminar, os Índios Americanos ainda estarão aqui para habitar o hemisfério. Eu não me importo que seja apenas um punhado de pessoas vivendo no alto dos Andes. Os povos Indígenas Americanosvão sobreviver; a harmonia será reestabelecida. Isso é revolução.
Neste ponto, talvez, Eu precise ser mais claro sobre outra questão, que já deveria estar claro a partir do que eu já disse. Mas a confusão nasce facilmente nos dias atuais, portanto eu quero reforçar este ponto. Quando eu uso o termo Europeu, Eu não estou me referindo à cor da pela ou a uma estrutura genética em particular. Eu estou me referindo a uma estrutura de pensamento, a uma visão de mundo que é um produto do desenvolvimento da cultura Europeia. Os povos não são geneticamente codificados para sustentar esta perspectiva; eles são aculturados para sustentá-la. O mesmo é verdadeiro para os Índios Americanos ou para os membros de qualquer cultura.
É possível para um Índio Americano compartilhar valores Europeus, uma visão de mundo Europeia. Nós temos um termo para estas pessoas; nós os chamamos de “maçãs” - vermelhos por fora (genética) e brancos por dentro (seus valores). Outros grupos tem termos semelhantes: os Negros tem seus "oreos"; Hispânicos tem "Coconuts" e assim por diante. E, como eu disse antes, existem excessões para o padrão branco: pessoas que são brancas por fora, mas não são brancas por dentro. Eu não estou certo sobre que termo eu deveria usar em relação a eles a não ser "seres humanos".
O que eu estou expondo aqui não é uma proposição racial, mas uma proposição cultural. Aqueles que recentemente tem advogado a favor e defendido as realidades da cultura Europeia e seu industrialismo são meus inimigos. Aqueles que resistem a isto, que lutam contra isto, são meus aliados, os aliados do povo Indígena Americano. E eu não dou a mínima para qual seja a cor de sua pele. Caucasiano é a palavra branca para a raça branca: Europeus é a perspectiva à qual eu me oponho.
Os Vietnamitas Comunistas não são exatamente o que se considera um Caucasiano geneticamente falando, mas agora eles estão funcionando como Europeus mentais. O mesmo é verdade para os Chineses Comunistas, para os Japoneses capitalistas ou para os Católicos Bantu ou Peter "MacDollar" abaixo na Reserva Navajo ou Dickie Wilson acima na Pine Ridge. Não existe nenhum racismo envolvido nisto, apenas um reconhecimento da mente e espírito que compõe uma cultura.
Em termos Marxistas eu suponho que eu seja um "nacionalista cultural". Eu trabalho primeiramente com meu povo, o povo tradicional Lakota, porque nós comungamos de uma visão de mundo em comum e compartilhamos de uma luta direta. Além disto, Eu trabalho com outros povos Indígenas Americanos tradicionais, novamente devido a uma certa comunhão na visão de mundo e na forma de luta. E além disto, eu trabalho com qualquer um que tenha vivido a opressão colonial da Europa e que resista a seu absolutismo cultural e industrial. Evidentemente, isto inclui Caucasianos geneticamente falando que lutam para resistir ao padrão dominante da cultura Europeia. Os Irlandeses e os Bascos me vem imediatamente à mente, mas existem muitos outros.
Eu trabalho primeiramente com meu próprio povo, com minha própria comunidade. Outros povos que sustentam perspectivas não-Europeias deveriam fazer o mesmo. Eu acredito no ditado, "Acredita na visão de seu irmão", embora eu gosto de acrescentar irmãs também na questão. Eu confio na comunidade e na visão culturalmente baseada de todas as raças que resistem naturalmente à industrialização e à extinção do humano. É claro que indivíduos brancos podem compartilhar disto, dado apenas que eles tenham alcançado a consciência de que a continuidade dos imperativos industriais Europeus não são um ponto de vista, mas o suicídio da espécie. O Branco é uma das cores sagradas para o povo Lakota – vermelho, amarelo, branco e preto. As quatro direções. As quatro estações. Os quatro períodos de vida e emadurecimento. As quatro raças da humanidade. Misturando o vermelho, o amarelo, o branco e o preto nós temos o marrom, a cor da quinta raça. Esta é a ordem natural das coisas. E me parece natural portanto que todas as raças, cada qual com seu princípio, identidade e mensagem especiais.
Mas existe um comportamento peculiar entre a maioria dos Caucasianos. Assim que eu me tornei um crítico da Europe e de seu impacto sobre outras culturas, eles se tornaram defensivos. Eles começaram a se defender. Mas eu não os estou atacando pessoalmente; Eu estou atacando a Europa. Ao personalizar minhas observações sobre a Europa eles estão personalizando a cultura Europeia, identificando a si mesmos com ela. Ao se defenderam neste contexto, eles estão em última instância defendendo a cultura da morte. Existe uma confusão que dever ser superada, e deve ser superada rapidamente. Nenhum de nós tem energia para desperdiçar em lutas falsas.
Os Caucasianos tem uma visão mais positiva para oferecer à humanidade do que a cultura Europeia. Eu acredito nisto. Mas para que os Caucasianos tenham esta visão é necessário que eles saiam da cultura Europeia – se alinhem ao resto da humanidade – para ver o que a Europa é e o que ela tem faz.
Agarrar-se ao capitalismo e ao Marxismo e todos os outros "ismos" é simplesmente permanecer dentro da cultura Europeia. Não tem como evitar este fato básico. Como um fato, isto determina uma escolha. Entender que a escolha está baseada na cultura, não na raça. Entender que escolher a cultura e a industrialização Europeia é escolher ser meu inimigo. E entender que esta escolha é sua, não minha.
Isto me leva de volta a me dirigir àqueles Índios Americanos que estão vagando por universidades, favelas nas cidades, e outras instituições Europeias. Se vocês estão aí para resistir ao opressor de acordo com seus costumes tradicionais, que assim seja. Eu não sei como você consegue combinar as duas coisas, mas talvez você consiga ter sucesso. Mas mantenha o seu senso de realidade. Esteja atento a vir a acreditar que o mundo branco agora oferece soluções para os problemas que nos atinge. Esteja atento, também, de não permitir que as palavras dos povos nativos sejam usados para vantagem de nossos inimigos. A Europa inventou a prática de aproveitar as palavras para si mesmos. Basta que vocês olhem para os tratados entre Índios Americanos e vários governos Europeus para saber que isto é verdade. Desenvolva sua força a partir do que você é.
Uma cultura que regularmente confunde revolta com resistência, não tem nada útil para te ensinar nem nada a te oferecer como forma de viver. Os Europeus tem já há um longo tempo perdido todo o contato com a realidade, se é que alguma vez eles estabeleceram algum contato com o que vocês são como Índios Americanos.
Portanto, para concluir este discurso, eu quero deixar bem claro que direcionar qualquer um ao Marxismo é a última coisa que passa pela minha mente. O Marxismo é tão alienígena à minha cultura quanto o capitalismo e o Cristianismo são. De fato, eu posso dizer que eu não penso que eu esteja tentando conduzir qualquer pessoa em direção a qualquer coisa. Até um certo ponto eu tentei ser um “líder", no sentido que a mídia branca gosta de usar este termo, Quando o Movimento Indígena Americano era uma organização nova. Este é o resultado de uma confusão que eu não tenho mais. Você não é capaz de ser tudo para todos. Eu não me proponho a ser usado desta forma por meus inimigos. Eu não sou um líder. Eu sou um membro da comunidade Oglala Lakota. Isto é tudo o que eu quero e tudo o que eu preciso ser. E eu estou completamente confortável com o que eu sou".

Texto original: http://theanarchistlibrary.org/library/russell-means-for-america-to-live-europe-must-die