sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Um grito fraco para uma samambaia surda


    Assistir ao espetáculo Filoctetes em Lemnos com Vinícius Torres Machado nos impõe um ato de persistência. A cena descrita no título é um bom momento para definir a peça e é também um bom momento para se levantar e sair da sala de espetáculo.

    Eu consegui, por teimosia, continuar sentado assistindo o transcorrer das cenas até o show bizarro e os agradecimentos, talvez um momento final do espetáculo, a partir do qual os guerreiros podem continuar sua odisseia. Mas não. Vinícius volta à cena, se senta, e espera, ele ainda espera seu resgate. A partir deste momento muitas pessoas fazem a leitura de fim, se levantam, saem da sala, sem aplausos, o ator continua em cena, continua sem dizer.

    Imagino o Vinícius ainda lá, sentado, esperando, as portas do teatro se fecharam, a equipe de manutenção organizou o espaço, os técnicos fizeram suas revisões, e ele permaneceu lá, sentado, esperando. Deve estar lá, agora. Nós sabemos que não.

    Filoctetes em Lemnos com Vinicius Torres Machado é um espetáculo que, quanto menos eu gosto, mais eu admiro.

    Como espectador, na escuta flutuante adequada a um espectador, eu saí da sala, na realidade, um galpão, incomodado, com vontade de preencher aquele vazio de palavras encobertas por camadas de signos elaborados por uma masturbação intelectual típica dos acadêmicos do Teatro.

    E, no meu direito a elaborar as minhas próprias masturbações intelectuais, atingi meu orgasmo.

    A frase que recebemos ao entrar no espaço nos informa sobre a espera de 10 anos, o período que durou a Guerra de Tróia, até que os gregos, através do oráculo Heleno; um oráculo de Tróia, capturado pelos gregos; recebem a informação de que, para vencer a guerra, eles precisam do arco de Héracles.

    Mas o arco de Héracles está com o Filoctetes, que os gregos abandonaram em uma ilha deserta na viagem até Tróia, pois ele havia sido picado por uma cobra e gritava muito com as dores causadas por esse acontecimento.

    E o cavalo? Para que serviria o cavalo se os gregos não tivessem resgatado o FIloctetes com seu arco?

    Vejam que a narrativa é complexa. Alcançar essa narrativa de forma cênica, sem palavras, não é uma tarefa simples para um relês expectador. E pior. Para que me serve essa narrativa no ano 2025 de nosso senhor Jesus Cristo?

    Aí me vem à mente outra guerra em curso, não uma guerra, um genocídio, o Estado de Israel matando o povo na Faixa de Gaza. Esse genocídio vai completar dois anos em 7 de outubro. Será que teremos que esperar 10 anos, até que algum Heleno nos diga para resgatar FIloctetes da ilha e acabar com esse massacre?

    Talvez. Enquanto isso nós seremos essa plateia apática, como a samambaia, da cena título desse texto.. Podemos sair da sala insatisfeitos, incomodados, iremos comer uma pizza na 1900, discutir o belo projeto de iluminação do espetáculo e seus enigmas simbólicos transcendentais e continuar contando os corpos, os corpos de mulheres e crianças palestinas, os corpos de jovens negros nas periferias do Brasil. Não nos faltam fontes e origens e opções de corpos para contar. Continuemos então, com tantos corpos para contar, esperando nosso resgate em nossas ilhas, cada um na sua.

    Cabe aqui trazer uma tradição da história do povo hebreu. Quando o Rei Davi estava em seu leito de morte, ele deu dois conselhos para seu filho, Salomão. O primeiro era que Salomão não deveria acreditar nos profetas. O segundo era que Salomão deveria matar seu meio-irmão, Adonias, filho primogênito de Davi, que teria direito ao trono. Portanto, no caso de Gaza, seguindo os princípios hebreus, o que Heleno disser não será ouvido, e o arco de Filoctetes não irá por um fim ao genocídio na Faixa de Gaza, pois o designío é matar o irmão que tem direito ao trono.

    Vejam só, quanta reflexão podemos extrair de um espetáculo que não disse nada.


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