Ninguém, nada, nenhuma
narrativa técnica, é capaz de colocar em palavras os seis meses, e
especialmente as primeiras semanas, em que os fedayin passaram nas montanhas de
Jerash e Ajloun na Jordânia. Dar conta de relatar os acontecimentos, estabelecendo
uma cronologia, os sucessos e fracassos da OLP, outros já o fizeram. O
sentimento no ar, a cor do céu, da terra, das árvores, isto pode ser descrito; mas
nunca a intoxicação sutil, a leveza das pegadas tocando suavemente a terra, o
brilho dos olhos, a franqueza nas relações não apenas entre os fedayin mas
também entre eles e seus líderes. Debaixo da sombra das árvores, tudo, todos
estavam excitados, rindo, repletos de admiração pela vida, tão nova para todos,
e nesta vibração havia algo estranhamente estático, alerta, reservado, protegido
como alguém que estivesse fazendo uma oração silenciosa. Tudo pertencia a todos.
E todos estavam sozinhos consigo mesmos. Talvez não. No final de tudo, sorrindo
e abatidos. A região na Jordânia de onde eles haviam se retirado por razões
políticas se estendia desde a fronteira da Síria até Salt (uma pequena cidade
próxima à fronteira da Síria), e era limitada pelo Rio Jordão e por uma rodovia
que liga Jerash a Irbid. Com 60 quilômetros de extensão e 20 de largura, esta
região montanhosa era coberta por azinheiras, pequenas aldeias jordanianas e
plantações esparsas. Sob as árvores e tendas camufladas os fedayin
estabeleceram unidades de combate e instalaram luzes e armas semipesadas. A
artilharia estava direcionada principalmente contra possíveis operações
jordanianas, os jovens soldados cuidavam de suas armas, desmontando-as para
limpá-las e lubrificá-las, remontando-as rapidamente em seguida. Alguns
soldados conseguiam desmontar e remontar suas armas com os olhos vendados para
que assim fossem capaz de realizar esta tarefa à noite. Entre cada soldado e
sua arma se desenvolvia um vinculo de amor e de encantamento. Como os fedayin
haviam deixado a adolescência para trás recentemente, o rifle, sua arma, era o
sinal de uma virilidade triunfante que lhe dava a garantia de existência. A
agressividade desaparecia: e os dentes apareciam através do sorriso. No resto
do tempo, os fedayin bebiam chá, criticavam seus líderes e pessoas ricas, palestinos
e outros, insultavam Israel, e acima de tudo, falavam sobre a revolução, esta
em que eles estavam envolvidos e aquela na qual eles estavam prestes a
ingressar. Para mim, a palavra "palestinos"; estivesse em uma
manchete, no conteúdo de um artigo ou em um comunicado; leva a minha mente imediatamente
para os fedayin de um ponto específico – Jordânia – e para uma data facilmente
determinada: outubro, novembro, dezembro de 1970, janeiro, fevereiro, março,
abril de 1971. Foi onde e quando descobri a Revolução Palestina. A evidência
extraordinária do que estava acontecendo, a intensidade desta alegria de se
estar vivo é também chamada de beleza. Dez anos se passaram, e eu não ouvi nada
sobre eles, exceto que os fedayin estavam no Líbano. A imprensa europeia citava
esporadicamente, até mesmo com desdém, a respeito do povo palestino. Então, de
repente, Beirute Ocidental.
* * *
Uma fotografia tem
duas dimensões, assim como a tela da televisão; ninguém pode caminhar através
da imagem. De uma parede da rua até a outra, dobrado ou arqueado, com seus pés
apoiados contra uma parede e suas cabeças pressionando a outra, os corpos
pretos e inchados sobre os quais eu tinha que passar era todos de palestinos e libaneses.
Para mim, como para o que restou da população, caminhar através de Chatila e
Sabra se assemelhava a um jogo de amarelinha. Algumas vezes uma criança morta
bloqueava as ruas: elas eram tão pequenas, tão magras, e os mortos tão
numerosos. Provavelmente o cheiro é familiar para as pessoas mais velhas; ele
não me incomodava. Mas havia tantas moscas. Se eu levantasse o lenço ou o
jornal árabe colocado sobre uma cabeça, eu as perturbaria. Enfurecidas por
minha ação, elas cobririam a costa de minha mão tentando se alimentar.
O primeiro cadáver
que eu vi era o de um homem entre cinquenta e sessenta anos de idade. Ele teria
cabelos brancos iluminados se uma ferida (feita por um machado, me pareceu) não
tivesse rachado seu crânio em dois. Parte de seu cérebro enegrecido estava
espalhado pelo chão, próximo à cabeça. O corpo estava estendido sobre uma poça
de sangue escuro coagulado. O cinto estava aberto, um único botão segurava sua
calça. As pernas e os pés do homem morto estavam à mostra, enegrecidos, roxo e
azul; talvez ele tenha sido pego de surpresa durante a noite ou na madrugada. Ele
estaria fugindo? Ele estava caído em uma viela logo à direta da entrada para o
campo de Shatfla que fica no caminho da Embaixada do Kuwait. Será que o
massacre de Chatila foi feito sorrateiramente ou em total silêncio, já que os
israelenses, tanto soldados quanto oficiais, afirmam não ter ouvido nada, não
ter suspeitado de nada enquanto ocupavam este edifício desde a tarde de
quarta-feira? Uma fotografia não mostra as moscas nem o cheiro branco e denso
da morte. Nem mesmo mostra como se deve saltar sobre os cadáveres enquanto você
caminha entre um corpo e outro. Se você olhar com cuidado para um cadáver, ocorre
um fenômeno estranho: a ausência de vida no corpo corresponde à total ausência
do próprio corpo, especialmente se você recuar continuamente. Você sente que
mesmo chegando bem perto do corpo você nunca conseguirá tocá-lo. Isto acontece
quando você os olha com atenção. Mas se você caminha em sua direção, se abaixa
próximo a ele, move um braço ou um dedo, de repente perceberá que ele está lá,
quase amigavelmente. Amor e morte. Estas duas palavras são rapidamente
associadas quando um deles é descrito. Eu tive que ir até Chatila para entender
a obscenidade do amor e a obscenidade da morte. Nos dois casos um corpo não tem
nada mais a esconder: posições, contorções, gestos, sinais, até mesmo silêncios
pertencem a um mundo e ao outro. O corpo de um homem de trinta a trinta e cinco
estava deitado de bruços. Como se o corpo todo não fosse nada além de uma
bexiga no formado de um homem, ele ficou tão inchado com o sol e com as
substâncias da decomposição que suas calças estavam justas como se elas
estivessem prestes a se rasgar nas nádegas e nas coxas. O único pedaço do rosto
que eu consegui ver estava roxo e preto. Logo acima do joelho podia se ver um
ferimento profundo embaixo do tecido rasgado. A causa do ferimento: uma baioneta,
uma faca, um facão? Moscas sobre a ferida e ao redor dela. Sua cabeça estava
maior do que uma melancia, uma melancia preta. Eu perguntei seu nome; ele era
um muçulmano.
– "Quem é este?"
"Um palestino", respondeu em francês um homem de uns quarenta anos.
"Veja o que eles fizeram". Ele puxou o cobertor que cobria os pés e
parte das pernas. As panturrilhas estavam nuas, pretas e inchadas. Os pés, em
botas de exército preta desamarradas, e os tornozelos dos dois pés estavam
fortemente amarrados juntos por um nó com uma corda forte – sua resistência era
evidente – de uns 3 metros de comprimento, que eu arrumei para que a Sra. S. (uma
americana) pudesse tirar uma boa foto dele. Eu perguntei para o homem de
quarenta anos seu eu poderia ver o rosto do homem morto.
– "Se você quiser, mas olhe você
mesmo."
– "Você me ajudaria a virar a cabeça
dele?"
– "Não."
– "Eles arrastaram este homem pela
rua com esta corda?"
– "Eu não sei, senhor."
– "Quem o amarrou?"
– "Eu não sei, senhor."
– "Um dos homens do Haddad?"
– "Eu não sei."
– "Os israelenses?"
– "Eu não sei."
– "Os Kataeb?"
– "Eu não sei."
– "Você o conhecia?"
– "Sim."
– "Você o viu morrer?"
– "Sim."
– "Quem o matou?"
– "Eu não sei."
Ele caminhava rapidamente entre o homem morto e eu. Foi até mais
adiante, olhou para trás e desapareceu em uma rua lateral. Por qual viela eu
iria agora? Eu fiquei indeciso entre um homem de cinquenta anos de idade, um
jovem de vinte, duas senhoras árabes, eu me senti como se fosse o centro de um
compasso cujos quadrantes continham centenas de mortos. Eu fiz estas anotações,
sem saber exatamente o porquê, neste ponto da minha narrativa: "Os
franceses tem o hábito de usar a expressão sem graça 'trabalho sujo'. Bem, assim
como o exército israelense ordenou aos Kataeb ou aos Haddaists para fazerem seu
'trabalho sujo', o Partido dos Trabalhadores teve seu 'trabalho sujo' feito por
Likud, Begin, Sharon, Shamir". Eu apenas contatei R., um jornalista
palestino que ainda estava em Beirute no domingo, dia 19 de setembro. No meio
de tudo, próximo a eles, de todas estas vítimas torturadas, minha mente não
conseguia se livrar desta "visão imperceptível": como seria o
torturador? Quem foi ele? Eu o vi e eu não o vi. Ele é tão grande quanto a vida
e a única forma que ele terá é a composta pelas posturas, posições e gestos
grotescos dos corpos fermentando no sol debaixo de nuvens de moscas. Se os
fuzileiros americanos, os paraquedistas franceses, e os bersagliere italianos
inventaram uma intervenção de força no Líbano e foram embora rapidamente (os
italianos, que chegaram de navio dois dias atrasados, mas voltaram em aviões Hercules!)
um dia ou trinta e seis horas antes da data oficial de sua saída, como se
estivessem fugindo, e um dia antes do assassinato de Bashir Gemayel, os
palestinos estão realmente errados ao questionarem se americanos, franceses e italianos
não foram avisados para saírem imediatamente para não se misturarem ao bombardeio
dos quarteis generais dos Kataeb?
Eles saíram
rapidamente e muito cedo. Israel vangloria-se e ostenta sua eficácia em combate,
sua preparação para batalhas, sua habilidade em transformar as circunstâncias a
sua favor, em criar circunstâncias. Vejamos; a OLP deixa Beirute em triunfo, em
um navio grego, com uma escolta naval. Bashir, escondendo-se tão bem quanto pode,
visita Begin em Israel. A intervenção dos três exércitos (americano, francês, italiano)
e encerrada na segunda-feira. Na terça-feira, Bashir é assassinado. Tsahal entra
em Beirute Ocidental na manhã de quarta-feira. Como se estivessem vindo do cais,
os soldados israelenses avançaram sobre Beirute na manhã do funeral de Bashir. Com
binóculos, do oitavo andar do edifício onde eu estava, eu os vi chegando em
fila indiana: uma coluna. Eu fiquei surpreso que nada mais tivesse acontecido, porque
com um bom rifle com mira eles poderiam ter sido alvejados um a um. A
brutalidade deles os antecedeu. Os tanques vieram logo depois. E depois os carros.
Cansado por uma marcha matinal tão longa, eles pararam próximos à embaixada
francesa, deixando os tanques seguirem à frente deles, indo entrando diretamente
pela Hamra. Os soldados se sentaram em intervalos de 10 metros encostados nas
paredes da embaixada, com seus rifles apontados para a frente. Com seus ombros
largos eles pareciam serpentes com as duas pernas esticadas à frente deles. "Israel
havia prometido ao representante americano de Habib que não poria os pés em
Beirute Ocidental e especialmente que respeitaria a população civil dos campos
palestinos. Arafat ainda possui a carta na qual Reagan fez a mesma promessa.
Habib supostamente prometeu a Arafat que novecentos prisioneiros em Israel
seriam libertados. Na quinta-feira o massacre em Chatila e Sabra começa. O 'banho
de sangue' que Israel alegou que impediria por restaurar a ordem nos campos..."
um escritor libanês me disse.
"Será muito
fácil para Israel se livrar de todas as acusações. Jornalistas de toda a
imprensa europeia já estão trabalhando para livrá-los: nenhum dirá que nas
noites de quinta para sexta-feira e de sexta para sábado o hebraico foi falado
em Chatila". Isto foi o que outro libanês me disse. Uma mulher palestina –
pois eu não poderia deixar Chatila passando de um cadáver para outro neste jeu
de l'oie (jogo de tabuleiro em espiral com perguntas e respostas) que
inevitavelmente terminaria neste milagre: Chatila e Sabra arrasados e a batalha
para reconstruir os edifícios sobre este cemitério – a mulher palestina era
provavelmente idosa pois seus cabelos eram grisalhos. Ela estava deitada de
costas, colocada ou deixada sobre os entulhos, os tijolos, as barras de ferro
retorcidos, sem conforto. Primeiramente eu fiquei surpreso com as tranças
estranhas feitas de cordas e roupas que iam de um ombro ao outro, mantendo os
dois braços abertos horizontalmente, como se estivesse crucificada. Seu rosto
preto e inchado, voltado para o céu, mostrava uma boca aberta, escurecida pelas
moscas, e dentes que pareciam muito brancos para mim, um rosto que parecia, sem
mover um músculo sequer, forçar um riso ou sorrindo ou mesmo gritando em um
gemido silencioso e contínuo. Suas meias eram de lã preta, e seu vestido de
flores rosa e cinza, um pouco levantado ou muito curto, eu não sei bem, revelavam
a parte superior das panturrilhas pretas e inchadas, novamente com um colorido
roxo delicado com um violeta e roxo parecido nas bochechas. Seriam contusões ou
o resultado natural do apodrecimento no sol? – "Eles bateram nela com a coronha do
rifle?" – "Veja, senhor, olhe as mãos dela." Eu não tinha notado.
Os dedos das duas mãos estavam espalhados, os dez dedos haviam sido cortados
com uma tesoura de jardinagem. Soldados, rindo como crianças e cantando
alegremente, provavelmente haviam se divertido ao descobrirem e usarem estas
tesouras. – "Veja senhor". As pontas dos dedos, as últimas
articulações, com as unhas, jogadas na poeira. O jovem, que estava simples e
naturalmente me mostrando como a morta havia sido torturada, calmamente colocou
o tecido de volta sobre o rosto e as mãos da mulher palestina, e um pedaço de
papelão ondulado sobre suas pernas. Tudo o que eu conseguia distinguir agora
era um monte de tecido rosa e cinza, com uma nuvem de moscas pairando sobre ele.
Três jovens me acompanharam para dentro de um beco. – "Entre ai, sente-se,
nós esperaremos você lá fora." A primeira sala era o que restava de uma
casa de dois andares. O espaço dava uma impressão de serenidade e simpatia, de
quase alegria; talvez uma alegria real que havia sido criada pelos objetos
abandonados por outras pessoas, objetos que haviam sobrevivido naquele pedaço de
paredes destruídas, onde eu primeiramente pensei que fossem três poltronas, na
realidade três bancos de carro (talvez uma Mercedes de algum ferro-velho), um
sofá com almofadas cobertas com um material florido berrante com desenhos
estilizados, um rádio pequeno e silencioso, dois candelabros apagados. Uma sala
bastante calma, apesar do tapete de conchas gastas. A porta balançou, como se
houvesse um vento forte. Eu caminhei sobre as conchas gastas e empurrei a porta
que se abriu em direção à outra sala, mas eu tive que empurrar com força: o
salto de uma bota bloqueava o caminho, o calcanhar de um corpo deitado de
costas, próximo a dois outros corpos de homens deitados de bruços, todos eles
descansando sobre outro tapete de conchas gastas. Eu quase cai várias vezes por
causa deles. Atrás desta sala outra porta estava aberta, sem travas ou cadeado.
Eu caminhei sobre os corpos como alguém que cruza um abismo. A sala guardava os
corpos de quatro homens, empilhados um por cima do outro sobre uma cama de
solteiro, como se cada um tivesse tido o cuidado de proteger o que estava
embaixo de si, ou como se eles tivessem sido pegos em uma cópula orgiástica
decadente. Esta pilha de escudos tinham um cheiro forte, mas não cheiravam mal.
O cheiro e as moscas tinham, me parecia, se acostumado comigo. Eu não
perturbava mais nada nestas ruinas, nesta quietude.
Durante a noite de
quinta para sexta-feira, e durante as de sexta para sábado e sábado para
domingo ninguém manteve vigília sobre eles, eu pensei. Ainda assim, me parecia
que alguém havia visitado estes homens mortos antes de mim e após a morte deles.
Os três jovens estavam esperando bem longe da casa com lenços sobre seus
narizes. Foi então, enquanto eu estava saindo da casa, que eu tive um ataque súbito
de uma leve loucura que quase me fez sorrir. Eu pensei comigo mesmo que nunca
haveria madeira ou carpinteiros suficientes para fazer os caixões. Mas também,
porque eles precisariam de caixões? Os homens e mulheres mortos eram todos
muçulmanos, que são costurados em mortalhas. Quantos metros seriam necessários
para embalar tantos corpos? E quantos padres? O que mais estava faltando aqui, eu
dei por mim, era a harmonia das rezas. – "Vamos, senhor, rápido". Era
o instante de notar que esta súbita e silenciosa loucura momentânea que me fez
contar metros de tecido branco deu aos meus passos uma quase vitalidade
refrescante, e isto deve ter sido causado por um comentário que eu ouvi de uma
amiga palestina no dia anterior. – "Eu estava esperando que eles me
trouxessem minhas chaves (quais chaves: do carro dela, de sua casa, tudo o que
eu sei agora é da palavra chaves) quando um velho entrou correndo. 'Para onde
você está indo?' 'Conseguir ajuda. Eu sou o coveiro. Eles bombardearam o
cemitério. Todos os ossos estão descobertos. Eu preciso de ajuda para recolher
os ossos'". Esta amiga é cristã, eu acho. Ela continuou: – "Quando a
bomba de vácuo, chamada de bomba de implosão, matou duzentas e cinquenta
pessoas, nós tínhamos apenas uma caixa. Os homens cavaram uma vala coletiva no
cemitério da Igreja Ortodoxa. Nós enchíamos a caixa, e a levávamos para
esvaziá-la. Nós fomos e voltamos sob o bombardeio, recolhendo os corpos e
membros o melhor que pudemos".
Nos três meses
seguintes, as mãos tiveram uma função dupla: durante o dia para pegar e tocar, à
noite, para ver. Cortes de eletricidade fizeram esta "escola para cegos"
necessária, como fazíamos a escalada, duas ou três vezes ao dia, daquele
penhasco de mármore branco, a escada de oito andares. Nós tínhamos que encher
todos os recipientes da casa com água. O telefone foi cortado quando os
soldados israelenses entraram em Beirute Ocidental junto com suas inscrições em
hebraico. Assim estavam as estradas ao redor de Beirute. Os tanques Merkava que
nunca paravam mostravam que eles estavam mantendo os olhos sobre toda a cidade,
e ao mesmo tempo alguém podia imaginar o medo de quem estava lá dentro de
tornar-se um alvo fixo. Eles sem sombra de dúvida temiam a atividade dos
Murabitoun e dos fedayin que poderiam continuar nas seções de Beirute Ocidental.
No dia seguinte à entrada do exército israelense nós estávamos prisioneiros, mas
me parecia que os invasores eram menos temidos do que desdenhados, eles
causavam menos medo do que repulsa. Nenhum soldado ficava rindo ou sorrindo. Nenhum
jogou arroz ou flores. O pai de Bashir Gemayel apareceu na televisão
libanesa, rosto fino com sobrancelhas arqueadas e cheia de sombras, e lábios
muito finos. A única expressão: crueldade nua. Desde que as estradas foram
bloqueadas e o telefone estava mudo, desprovido de contato com o resto do mundo,
pela primeira vez na minha vida, eu senti como se tivesse me tornado um
palestino e odiei Israel. No Estádio de Esportes, próximo à rodovia Beirute-Damasco,
que já estava quase completamente destruída pelo bombardeio aéreo, os libaneses
abandonavam pilhas de armamentos, todos supostamente destruídos voluntariamente,
para oficiais israelenses. No apartamento em que eu estava hospedado, todos
tinham um rádio. Nós ouvíamos a Radio-Kataeb, Radio-Murabitoun, Radio-Amman,
Radio-Jerusalém (em francês), Radio-Líbano. Provavelmente todos estavam fazendo
a mesma coisa em cada apartamento. "Nós estamos ligados a Israel por
muitos vínculos que nos trazem bombas, tanques, soldados, frutas, vegetais; eles
levam nossos soldados embora, nossas crianças para a Palestina, em um contínuo
e incessante ir e vir, pois de acordo com eles, nos estamos ligados a eles
desde Abraão, em sua linhagem, em sua linguagem, nas mesmas origens..." (Um
fedai palestino). "Em resumo," ele acrescenta, "eles nos invadem,
eles nos entulham, nos sufocam e gostariam de nos abraçar. Eles dizem que são
nossos primos. Eles estão muito tristes por nos ver mantendo distância deles. Eles
devem estar furiosos conosco e com eles mesmos".
* * *
A afirmação de que
existe uma beleza peculiar aos revolucionários levanta muitos problemas. Todo
mundo sabe, todo mundo suspeita, que crianças pequenas ou adolescentes vivendo
em ambientes velhos e rudes tem um rosto bonito, corpo, movimente e olhar
semelhante à de um fedayin. Talvez isto possa ser explicado da seguinte maneira:
ao romper com estruturas tradicionais, um nova liberdade surge através da pele
morta, e pais e avôs terão dificuldade para extinguir o brilho nos olhos, a
pulsação nos templos, o prazer do sangue fluindo pelas veias. Na primavera de 1971,
nas bases palestinas, esta beleza sutilmente impregnou uma floresta trazida à
vida pela liberdade dos fedayin. Nos campos, uma beleza diferente, mais
tranquila prevaleceu por causa da presença de mulheres e crianças. Os campos
receberam uma certa iluminação das bases de combate, e também para as mulheres,
isto levaria a uma discussão longa e complexa que explicasse este brilho. Mais
do que os homens, mais do que os fedayin em combate, as mulheres palestinas
pareciam ser fortes o suficiente para sustentar a resistência e aceitar as
mudanças que vieram junto com a revolução. Elas já haviam desobedecido os
costumes: elas olhavam os homens diretamente nos olhos, elas se recusavam a
usar o véu, seus cabelos eram visíveis, algumas vezes completamente descobertos,
suas vozes eram firmes. A mais simples e mais cotidiana de suas tarefas era bem
mais que um pequeno passo em sua jornada de auto-afirmação em direção a uma
nova, e no entanto desconhecida, ordem, a qual lhes dava a pista de uma
liberação purificadora para elas mesmas, e um orgulho crescente para os homens.
Elas estavam prontas para se tornarem tanto as esposas quanto as mães de heróis,
assim como elas já eram para seus homens. Na floresta de Ajloun, os fedayin
talvez estivessem sonhando com garotas como estas, especialmente, cada um
invocava ou imaginava uma garota deitada a seu lado, a partir de então a
graciosidade particular, a força – com seu riso divertido – de um fedayin
armado. Nós não estávamos apenas no amanhecer da pré-revolução mas em um marasmo
sensual. Uma camada fina cristalizava-se dando uma gentileza a cada ação.
Constantemente, e
todos os dias por um mês, sempre em Ajloun, eu via uma mulher magra porém forte
agachada no frio, agachada como os indígenas andinos ou certos africanos negros,
os intocáveis de Tóquio, os Tziganes do mercado, pronta para uma retirada rápida
em caso de perigo, embaixo das árvores em frente ao quartel dos soldados, uma
pequena e permanente estrutura erguida rapidamente. Ela esperava descalça em
seu vestido preto enfeitado com fitas na bainha e na borda das mangas. Seu
rosto era sério mas não mal-humorado, cansado mas não esgotado. O líder dos
soldados estaria se preparando um quarto vazio ali perto, e então ele lhe daria
um sinal. Ela entraria no quarto, fechando a porta, mas sem trancá-la. Então
ela sairia, sem uma palavra sequer ou um sorriso, e descalça e imponente, retornaria
para Jerash e para o campo em Baq. Eu descobri que no quarto reservado para ela
no quartel dos soldados ela tirava suas duas saias pretas, removia os envelopes
e as cartas costuradas dentro delas, fazia um maço com elas e batia uma vez na
porta. Entregando as cartas para o líder ela sairia e iria embora sem dizer uma
palavra sequer. Ela voltaria no dia seguinte.
Outras mulheres
velhas soltaram uma gargalhada por causa de uma casa que tinha apenas três
pedras enegrecidas as quais, em Jebel Hussein (Amman), elas alegremente se referiam
como “nossa casa”. Elas me mostraram as três pedras, e algumas vezes com brasas
ardentes, e com vozes infantis, rindo e dizendo: "darna". Estas
mulheres idosas não pertenciam nem à revolução nem à resistência palestina: era
um riso de quem havia perdido toda esperança. A sol acima delas continuava sua
jornada. Um braço ou um dedo estendido criava uma sombra cada vez mais fina. Mas
e a terra? Jordânia, em parte uma ficção administrativa e política criada pela
França, Inglaterra, Turquia, América... Um riso que perdeu toda a esperança,
"mais alegre pois é o mais desesperado”. Elas ainda viram uma Palestina
que não mais existia quando elas tinham dezesseis anos, mas então eles tinham
uma terra. Elas não estavam nem abaixo nem acima dela, mas em um espaço incômodo
onde qualquer movimento estava errado. Abaixo dos pés descalços destas
octogenárias e soberbamente elegantes tragediennes estava a
terra sólida? Isto era cada vez menos verdade. Depois de terem escapado de Hebron
sob a ameaça israelense a terra aqui parecia sólida, todos estavam alegres e se
moviam sensualmente no idioma árabe. Com o passar do tempo a terra pareceu
experimentar isto: os palestinos eram cada vez menos suportáveis ao mesmo tempo
que estes mesmos palestinos, estes fazendeiros ignorantes, estavam descobrindo
o movimento, caminhando, correndo, o prazer de ideias compartilhadas quase
todos dias como cartas de baralho, as armas montadas, desmontadas e usadas. Cada
uma das mulheres tinha a sua vez de falar. Elas estavam rindo. Uma delas
relatou: – "Heróis! Que piada! Eu pari e bati em cinco ou seis deles que
estão em Jebel. Eu limpei suas bundas. Eu sei do que eles são feitos, e eu
posso fazer mais alguns". No céu ainda azul o sol continuava sua jornada, mas
ainda estava quente. Estas atrizes trágicas lembravam-se e imaginavam ao mesmo
tempo. Para enfatizar o que elas diziam elas apontavam o dedo no fim da
sentença e tencionavam as consoantes enfaticamente. Se um soldado jordaniano
aparecesse ele ficaria encantado: com o ritmo das sentenças ele redescobriria o
ritmo das danças dos beduínos. Sem as sentenças, um soldado israelense, ao ver
estas deusas, esvaziaria seu rifle automático em seus crânios.
* * *
Aqui nas ruínas de Chatila
nada foi deixado. Algumas poucas velhas silenciosas escondendo-se
apressadamente atrás de uma porta onde um tecido branco está pregado. Quanto
aos fedayin bem jovens, eu encontrarei alguns em Damasco. Você pode escolher
uma comunidade particular que não seja a de seu nascimento, entretanto você
nasceu no meio de um povo; esta escolha está baseada em uma afinidade
irracional, o que não quer dizer que a justiça não tenha nenhum papel nisto, mas
esta justiça e toda a defesa desta comunidade existe por uma questão emocional –
talvez intuitiva, sensual – uma atração; eu sou francês, mas eu defendo os
palestinos com todo o meu coração e automaticamente. Eles estão certos porque
eu os amo. Mas eu os amaria se a injustiça não os tivesse transformado em um
povo errante?
Quase todos os
edifícios em Beirute foram atingidos, no que eles ainda chamam de Beirute
Ocidental. Eles se desfazem de diferentes formas: como uma massa espremida
entre os dedos de um King Kong gigante, indiferente e voraz; outras vezes três
ou quatro andares se inclinam deliciosamente em uma curva elegante, dando ao
edifício um tipo de aspecto libanês. Se uma fachada está intacta, dê a volta na
casa; as outras paredes estarão em pedaços. Se as quatro paredes estiverem de
pé sem rachaduras, a bomba lançada pelo avião caiu no centro da casa e fez um
buraco onde estava a escadaria ou o elevador. Em Beirute Ocidental, depois da
chegada dos israelenses, S. me disse: – "Já era noite; devia ser umas sete
horas. De repente ouviu-se um som alto clank, clank, clank. Todo mundo, minha
irmã, meu cunhado e eu corremos para a sacada. A noite estava muito escura. E
de vez em quando via-se como que raios de luz a menos de 100 metros adiante. Você
sabe que logo em frente à nossa casa existe uma espécie de posto de comando
israelense: quatro tanques, uma casa ocupada por soldados, oficiais e policiais.
Noite. E o barulho metálico se aproximando. Os raios de luz; algumas tochas
acesas. E quarenta ou cinquenta garotos entre doze e treze anos batendo
ritmicamente em pequenas canecas, com uma pedra ou martelos ou algo assim. Eles
estavam gritando, entoando: La ilah illa Allah, la Kataeb wa la yahoud (Não
há nenhum deus além de Alá; nem para os Kataeb; nem para os Judeus.)"
H. me disse: – "Quando
você veio para Beirute e Damasco em 1928, Damasco estava destruída. O General
Gouraud e suas tropas, as artilharias marroquina e tunisiana, estavam atirando
e limpando Damasco. A quem os sírios acusaram?" Eu respondi: – "Os
sírios acusaram a França pelo massacre e destruição de Damasco". Ele disse:
– "Nós culpamos Israel pelos massacres em Chatila e Sabra. Não culpamos
apenas os Kataeb que os substituiram. Israel é o culpado por permitir duas
companhias de Kataeb a entrarem nos campos, e dar-lhes as ordens e encorajá-los
por três dias e noites, de trazer-lhes comida e bebida, por iluminarem os
campos à noite." H. novamente, professor de História: – "Em 1917 o
golpe de Abraão foi atualizado, se você preferir, deus já era a prefiguração de
Lord Balfour. Os judeus costumavam dizer e ainda dizem que deus prometeu a
Abraão e seus descendentes uma terra de leite e mel. Mas esta terra, que não
pertence ao deus dos judeus (esta terra era repleta de deuses), esta terra era
habitada pelos cananeus, que tinham seus próprios deuses, os quais lutaram
contra as tropas de Josué e acabaram roubando a famosa Arca da Aliança, sem a
qual os judeus nunca teriam vencido. A Inglaterra, em 1917, ainda não governava
a Palestina (esta terra de leite e mel) pois o tratado que lhe dava este
mandato ainda não havia sido assinado". – "Begin alega que ele veio
ao país…" – "Este é o nome do filme: The Long Absence [A Longa
Ausência]. Você vê este polaco como o herdeiro de Salomão?"
Nos campos, após
vinte anos de exílio, os refugiados sonhavam com sua Palestina, e ninguém teve
a coragem de pensar ou dizer que Israel a destruiu de uma ponta a outra, que
onde havia um campo de cevada surgiu um banco, e uma estação de energia onde
uma vinheira havia crescido. – "Devemos trocar o portão pelo campo?" –
"Nós temos que reconstruir a parede próxima à figueira". – "Todas
as panelas estão enferrujadas: compre uma esponja". – "Talvez devéssemos
levar eletricidade até o celeiro". – "Não, não mais vestidos
artesanais: você pode ter uma máquina de costura e uma para bordados". Os
velhos nos campos são miseráveis; talvez também o fossem na Palestina mas lá a nostalgia
desempenhava um papel mágico. Eles podem continuar prisioneiros da maldição
infeliz dos campos. Não se tem certeza de que este grupo de palestinos se
lamentará por deixar os campos. Neste sentido, a pobreza extrema os faz sentir
saudade do passado. O homem que sabe disto, junto com a amargura conheceu uma
alegria extrema, solitária e impossível de ser expressada. Os campos
jordanianos que se amontoam nas encostas rochosas são desertos, mas ao redor
deles existe um deserto ainda mais desolador: cabanas, tendas com buracos nas
quais habitam famílias cujo orgulho brilha. Qualquer um que negue que os homens
podem encontrar prazer e orgulho em sua própria privação não entende nada do
coração humano; eles podem se orgulhar pois sua privação aparente se contrapõe
a uma glória escondida.
A solidão dos mortos
no campo de Chatila era ainda mais palpável pelo fato de eles terem gestos e
poses que eles não haviam planejado. Mortos de qualquer maneira. Mortos deixados
ao abandono. Ainda assim ao nosso redor, no campo, todo o carinho, a ternura e
amor flutuavam na procura de palestinos que jamais irão responder. – "O
que podemos dizer a suas famílias que foram embora com Arafat, acreditando nas
promessas de Reagan, Mitterrand e Perini, que lhes asseguraram que a população
civil dos campos estaria a salvo? Como nós podemos explicar que nós permitimos
que crianças, velhos e mulheres fossem massacrados, e que nós abandonamos seus
corpos sem orações? Como podemos lhes dizer que nós não sabemos onde eles foram
enterrados?"
Os massacres não
foram realizados em silêncio e na escuridão. Iluminados pelos fogos israelenses,
os israelenses estavam ouvindo Chatila já na quinta-feira à noite. Que festa, que
festival se realizou lá onde os mortos pareciam participar das brincadeiras de
soldados embriagados de vinho, de ódio, e provavelmente embriagados no prazer
de entreterem o exército israelense que estava ouvindo, assistindo,
encorajando, instigando-os a continuarem. Eu não vi este exército israelense
ouvindo e assistindo. Eu vi o que eles fizeram. Para o argumento: O que Israel ganhou
por assassinar Bashir: entrando em Beirute, reestabelecendo a ordem e
prevenindo um banho de sangue. O que Israel ganhou com o massacre em Chatila? Resposta:
o que Israel ganhou entrando no Líbano? O que Israel ganhou bombardeando a
população civil por dois meses; caçando e eliminando palestinos? O que Israel
ganhou em Chatila: a destruição dos palestinos. Israel mata homens, mata cadáveres.
Israel arrasa Chatila. Israel não está indiferente à especulação imobiliária da
terra reorganizada: esta terra vale cinco milhões de francos por metro quadrado
mesmo em ruinas. Mas "limpa" ela terá valor... ? Eu estou escrevendo
este texto em Beirute onde, talvez pelo fato de a morte estar bem perto, ainda
estendida no chão, tudo é mais verdadeiro do que na França: tudo parece ter
acontecido como se, esgotado e cansado de ser um exemplo, de ser intocável, de
tirar vantagem do que ele acredita ter se tornado – o santo vingativo da
inquisição – Israel decidiu permitir ser julgado friamente.
O povo judeu, longe
de ser o mais miserável na terra – os indígenas dos Andes mergulham mais fundo
em miséria e desprezo – finge ser uma vítima do genocídio, enquanto na América,
judeus ricos e pobres mantém reservas de esperma para a procriação e
continuidade do povo “escolhido”. Graças a uma habilidosa porém previsível
metamorfose, temos agora o que há muito tempo tem sido preparado: um abominável,
poder temporário, colonialista de uma forma que poucos ousaram imitar, tendo
tornando-se o juiz definitivo o que se deve à sua antiga maldição tanto quanto ao
fato de ter sido escolhido. Este poder abominável, mais uma vez em sua
história, está pressionando tanto que merece uma condenação unânime; alguém pode
mesmo perguntar se Israel não quer recuperar seu destino de povo nômade,
humilhado, com poderes secretos. Desta vez, isto é exposto com a terrível luz
de massacres que eles não mais sofrerão, mas que é infligido a outros; e quer
recuperar sua imagem ancestral e tornar-se novamente o "sal da terra"
– arrogando-se que já o tenha sido. Mas então, em resumo! A União Soviética e
os estados árabes, covardes como foram ao se recusar a interferir nesta guerra,
permitiram que Israel finalmente se mostrasse ao mundo sob uma luz tão forte
quanto insana entre as nações.
Muitas questões
permanecem: se os israelenses apenas iluminaram o campo, escutaram, ouviram os
tiros disparados por tantas armas, cujas cápsulas eu chutei com meus pés
(dezenas de milhares), quem realmente estava atirando? Quem estava arriscando
sua própria pele para matar? Os falangistas? Os Haddadistas? Quem? E quantos?
O que aconteceu com o
armamento responsável por todos aqueles cadáveres? E sobre o armamento daqueles
que defendiam a si mesmos? Na parte do campo que eu visitei, eu vi apenas dois
armamentos antitanque não utilizados. Como os assassinos entraram no campo? Os
israelenses estavam em todas as saídas de Chatila? De qualquer forma, na
quinta-feira eles já estavam no Hospital Akka, em frente a uma das entradas do
campo. De acordo com os jornais, os israelenses entraram no campo de Chatila assim
que ficaram sabendo do massacre, e pararam com o massacre imediatamente, isto é,
no sábado. Mas o que eles fizeram com os assassinos e para onde eles foram
levados?
Após o assassinato de
Bashir Gemayel e vinte de seus amigos, após os massacres, a Sra. B., membro da
classe alta de Beirute, veio me ver quando ela descobriu que eu estava voltando
de Chatila. Ela subiu os oito andares do edifício – sem eletricidade; eu creio
que ela seja idosa, elegante porém idosa.
– "Antes da
morte de Bashir, antes dos massacres, você estava certo ao me dizer que o pior
ainda estava por acontecer. Eu vi isto”.
– “Por favor, não me
diga o que você viu em Chatila. Eu estou muito estressada, e eu tenho que
manter minha força para encarar o pior que ainda está por vir." Ela vive
sozinha com seu marido (de setenta anos de idade) e sua empregada em um
apartamento grande em Ras Beirut. Ela é muito elegante. Muito refinada. A
mobília de sua casa é antiga, Luis XVI, eu acho.
– "Nós sabíamos
que Bashir tinha ido para Israel. Ele estava errado. Um chefe de estado eleito não
deveria se associar com pessoas como aquelas. Eu estava certa de que alguma
coisa terrível iria acontecer com ele. Mas eu não quero ouvir sobre isto. Eu
tenho que preservar minha força para resistir aos terríveis golpes que ainda
virão. Bashir ia devolver a carta onde o Sr. Begin o chama de caro amigo".
A classe alta, com
seus serviçais silenciosos, tem sua própria maneira de resistência. A Sra. B. e
seu marido "não acreditam em reencarnação da alma". O que acontecerá
se eles reencarnarem como israelenses? O dia do enterro de Bashir é também o
dia em que o exército israelense entrou em Beirute Ocidental. As explosões
chegaram bem perto do edifício onde estávamos; finalmente todos foram até os
abrigos no térreo. Embaixadores, doutores, suas esposas e filhas, um
representante da ONU no Líbano, seus empregados. – "Carlos, me traga um
travesseiro". – "Carlos, meus óculos". – "Carlos, um pouco
de água". Os empregados, também, são aceitos no abrigo assim como eles
também falam francês, isto pode ser necessário para o cuidado dos patrões, suas
feridas, seu transporte ao hospital ou ao cemitério, que situação difícil!
Você tem que saber
que os campos palestinos de Chatila e Sabra eram formados por quilômetros e quilômetros
de pequenas ruelas estreitas – por aqui, até os becos são tão esqueléticos, tão
finos que algumas vezes duas pessoas não conseguem caminhar juntas a menos que
uma ande um pouco atrás – repletos de sujeira, blocos de cimento, tijolos, farrapos
sujos multicoloridos, e naquela noite, sob a luz dos fogos israelenses que
iluminaram o campo, mesmo quinze ou vinte combatentes bem armados seriam
incapazes de realizar esta matança. Os matadores trabalharam e eles eram
numerosos, e provavelmente acompanhados por equipes de tortura que rachavam os crânios,
partiam as coxas, decepavam braços, mãos e dedos, e arrastavam os moribundos
amarrados em cordas, homens e mulheres que ainda estava vivos pois o sangue
jorrou de seus corpos por bastante tempo, tantos que eu era incapaz de
determinar quem, no átrio de uma casa, havia deixado uma corrente de sangue
seco, saindo canto do átrio onde havia uma poça tão funda quanto o degrau onde
ela desaparecia na poeira. Era um homem palestino? Uma mulher? Um falangista
cujo corpo havia sido removido? Em Paris, alguém pode alimentar dúvidas sobre
esta história toda, especialmente se não conhecer nada sobre a topografia dos
campos. Alguém pode permitir que Israel alegue que os jornalistas de Jerusalém foram os
primeiros a reportar o massacre. Como eles expressaram isto para os países
árabes e em língua árabe? E em inglês e francês? E quando exatamente?
Apenas reflita sobre
as precauções acerca de uma morte suspeita no ocidente, impressões digitais, relatórios
de balística, autópsias, testemunhas e contra testemunhas! Em Beirute, assim
que o massacre foi divulgado o exército libanês oficialmente tomou conta dos
campos e eliminou imediatamente as ruinas das casas e o que restou dos corpos. Quem
ordenou esta pressa? Especialmente depois que este relato correu o mundo, que
cristãos e muçulmanos estão se matando uns aos outros, e mesmo depois de as câmeras
terem gravado a brutalidade da matança. No Hospital Akka, ocupado pelos
israelenses, e ao lado de uma das entradas de Chatila, que não está nem a
duzentos metros do campo, mas a quarenta. Eles não viram nada, não ouviram nada,
não entenderam nada? Porque isto é apenas o que Begin declarou ao Knesset: – "Gentis
matam gentis, e eles virão para enforcar os judeus".
Mas devo concluir
minha descrição de Chatila, que foi brevemente interrompida. Aqui estão os
corpos que eu vi por último, no domingo, por volta das duas horas da tarde, quando
a Cruz Vermelha Internacional entrou com suas escavadeiras. O cheiro da morte
não estava vindo nem de uma casa nem de uma vítima: meu corpo, meu ser, parecia
emanar este cheiro. Em uma rua estreita, na sombra de uma parede, eu pensei ter
visto um boxeador negro sentado no chão, rindo, surpreso por ter sido
nocauteado. Ninguém havia tido a sensibilidade de fechar suas pálpebras, seus
olhos brancos como porcelana e saltando para fora, estavam olhando para mim. Ele
parecia desapontado, com seus braços levantados, inclinados contra um canto da
parede. Ele era um palestino que foi morto há dois ou três dias. Se eu o
confundi à primeira vista com um boxeador negro foi porque sua cabeça estava
enorme, inchada e preta, como todas as cabeças e todos os corpos, seja sob o
sol ou na sombra das casas. Eu caminhei até perto de seus pés. Eu peguei a
parte superior de uma dentadura que estava caída na poeira do chão e a coloquei
no que restou do parapeito de uma janela. A palma de sua mão estava aberta em
direção ao céu, sua boca aberta, a braguilha de sua calça aberta sem o cinto: uma
colmeia onde as moscas se alimentavam. E dei um passo sobre um cadáver, depois
outro. Ali na poeira, no espaço entre os dois corpos, havia pelo menos um
objeto vivo, intacto na carnificina, um objeto rosa transparente que ainda
poderia ser usado: uma perna artificial, aparentemente de plástico, e calçada
com um sapato preto e uma meia cinza. Assim que eu olhei mais de perto, ficou
claro que ela foi brutalmente arrancada de uma perna amputada, porque as
correias que usualmente prende a perna à coxa estavam arrebentadas. Esta perna
artificial pertencia ao segundo corpo, aquele no qual eu percebi que tinha
apenas uma perna com um pé calçado com um sapato preto e uma meia cinza.
Na rua perpendicular
a esta onde eu deixei os três corpos, havia outro. Ele não estava bloqueando o
caminho totalmente, mas ele estava deitado na entrada da rua de forma que eu
tive que caminhar em volta dele e virar para ver sua aparência: sentado em uma
cadeira, rodeado por homens e mulheres jovens e silenciosos, uma mulher – em um
vestido árabe – estava chorando; ela devia ter dezesseis ou sessenta anos. Ela
estava chorando sobre seu irmão cujo corpo quase bloqueava a passagem. Eu
cheguei perto dela. Eu olhei com mais cuidado. Ela tinha um cachecol em volta
de seu pescoço. Ela estava chorando, lamentando a morte de seu irmão junto dela.
Seu rosto estava rosa, um rosa bebê, a mesma cor sobre tudo, bem suave, delicada,
mas sem as pestanas ou as sobrancelhas, e o que eu pensei que fosse rosa não
era a superfície de sua pele mas uma camada inferior de pele cinza. Todo o seu
rosto havia sido queimado. Eu não sei pelo quê, mas eu entendi por quem.
Com os primeiros
corpos, eu tentei contá-los. Quando eu cheguei a vinte ou quinze, rodeado pelo
cheiro, pelo sol, tropeçando sobre cada ruína, isto era impossível; tudo se
tornou confuso. Eu havia visto vários edifícios desmoronando e casas destruídas
com cobertores para fora que não haviam sido removidos, mas quando eu olhei
para aquelas em Beirute Ocidental e Chatila eu vi pavor. Geralmente os mortos
se tornam bastante familiares, até mesmo amigáveis a mim, mas quando eu vi
aqueles corpos nos campos e percebi apenas o ódio e o prazer daqueles que os
haviam matado. Uma festa bárbara foi realizada lá: raiva, bebedeira, danças, canções,
maldições, lamentos, gemidos, em honra dos voyeurs
que estava rindo no terraço do Hospital Akka.
Na França, antes da
Guerra na Argélia, os árabes não eram bonitos, seu andar era desajeitado,
arrastado, eles tinham caras feias, e assim de repente a vitória os tornou
belos; mas um pouco antes que a vitória estivesse garantida, enquanto mais de
meio milhão de soldados franceses estavam esforçando-se e morrendo nos Aures e por
toda a Argélia, uma coisa curiosa aconteceu com os rostos e corpos dos
trabalhadores árabes: algo como a aproximação, o pressentimento de uma beleza
ainda frágil que iria nos cegar quando as escamas finalmente caíram de sua pele
e de nossos olhos. Nós tínhamos que admitir: eles haviam alcançado a liberdade
política a fim de serem vistos como eles eram: muito bonitos. Da mesma maneira,
uma vez que eles haviam escapado dos campos de refugiados, da moralidade e das
regras dos campos, de uma moralidade imposta pela necessidade de sobreviver, uma
vez que eles tinham ao mesmo tempo escapado da vergonha, os fedayin se tornaram
muito bonitos; e como esta beleza era nova, podemos mesmo dizer primitiva, ingênua,
ela era saudável, tão viva que revelou de uma vez o que a conectava com todas
as belezas do mundo, libertando-os da vergonha. Muitos michês algerianos que
caminhavam pela Pigalle à noite usavam seu charme a serviço da revolução na
Argélia. A virtude também esta lá. É Hannah Arendt, acredito eu, que
diferenciou as revoluções de acordo com o fato de elas buscarem liberdade ou
virtude – e portanto, trabalho. Talvez devêssemos também reconhecer que
revoluções ou objetivos de libertação – obscuramente – ao descobrir ou
redescobrir a beleza, que é o intangível, inominável, exceto por esta palavra. Mas
não, por outro lado: vamos traduzir a beleza como um riso insolente estimulado
por um passado infeliz, sistemas e homens responsáveis por tristeza e vergonha,
e acima de tudo um riso insolente que nos conscientiza de que, livre da
vergonha, o desenvolvimento é fácil. Mas nesta página nós devemos também
abordar a seguinte questão: a revolução é uma revolução quando ela não remove
dos rostos e corpos a pele morta que os tornava feios? Eu não estou falando da
beleza acadêmica, mas sobre a intangível – inominável – alegria de corpos,
rostos, gritos, palavras que não mais estão tristes, eu me refiro à alegria
sensual tão forte que persegue todo erotismo.
* * *
Aqui estou eu
novamente em Ajloun, na Jordânia, em seguida em Irbid. Remover o que eu
acredito é como tirar um fio de cabelo branco de meu suéter e colocá-lo sobre
as pernas de Hamza, sentado próximo a mim. Ele retira o fio com seu polegar e
dedo indicador, olha para ele, sorri, o coloca dentro do bolso de sua jaqueta
preta, e lhe dá um tapinha dizendo: – "Um cabelo da barba do profeta vale
menos do que este". Ele respira profundamente e recomeça: – "Um
cabelo da barba do profeta não vale mais do que este". Ele tinha apenas
vinte e dois anos de idade, mas seus pensamentos superavam facilmente o de
palestinos de quarenta, mas ele já carregava os sinais – em si mesmo, em seu
corpo, em suas ações – que estavam ligados aos mais velhos.
Nos tempos antigos os
fazendeiros costumavam limpar o nariz com seus dedos. Depois eles atiravam a
meleca com o polegar no meio de espinheiros. Eles limpavam o nariz em suas
luvas de veludo, que ao final de um mês estava coberta com um verniz perolado. Assim
também faziam os fedayin. Eles limpavam o nariz do mesmo jeito que os nobres e
clérigos cheiravam rapé: levemente encurvados para a frente. Eu fiz a mesma
coisa, assim eles me ensinaram sem se dar conta.
E as mulheres? Noite
e dia elas bordavam as sete vestes (um para cada dia da semana) do enxoval de
noivado oferecido por um marido geralmente mais velho escolhido pela família, despertar
doloroso. As garotas palestinas ficam lindas quando elas se revoltam contra
seus pais e quebram as agulhas e tesouras de bordar. Isto acontecia nas
montanhas de Ajloun, Salt e Irbid, nas mesmas florestas em que a sensualidade
havia descido, liberta pela revolução e pelas armas, não nos esqueçamos das
armas. Isto era suficiente, todos estavam felizes. Sem se darem conta, os fedayin
– seria verdade? – estavam aperfeiçoando uma nova beleza: a vivacidade de suas
ações e sua clara fadiga, a rapidez e o brilho de seus olhos, o som claro de
uma voz harmonizada com a agilidade e brevidade da resposta. Com sua precisão
também. Eles acabaram com as frases longas, retórica aprendida e improvisada.
Muitos morreram em
Chatila, e minha amizade, meu afeto por seus corpos apodrecidos também era
imenso, porque eu os havia conhecido. Inchaço negro, apodrecido pelo sol e pela
morte, eles ainda eram fedayin.
Por volta das duas
horas da tarde no domingo três soldados do exército libanês me levaram, sob a
mira de armas, até um carro onde um oficial estava cochilando. Eu lhe perguntei:
– "Você fala francês?" – "Inglês". A voz era seca, talvez
pelo fato de eu tê-lo acordado para começar. Ele olhou meu passaporte, e me
disse, em francês:
– "Você só esteve lá?" Ele
apontou para Chatila.
– "Sim".
– "E você viu?"
– "Sim".
– "Você vai escrever sobre isto?"
– "Sim".
Ele me devolveu o passaporte. Ele deu um sinal para me deixarem ir. Os
três rifles se abaixaram.
Eu havia passado quatro horas em Chatila. Cerca de quarenta corpos
permaneciam em minha memória. Todos eles – e eu quero dizer todos – haviam sido
torturados, provavelmente com um pano de fundo de embriaguez, música, riso, o
cheiro de pólvora e de carne começando a apodrecer. Provavelmente eu estava
sozinho, eu quero dizer o único europeu (com algumas poucas velhas palestinas
que ainda apegavam-se a rasgar panos brancos; com alguns fedayin jovens
desarmados), mas se estes cinco ou seis seres humanos não estivessem lá e eu
tivesses descoberto esta cidade massacrada, com palestinos negros e inchados
estendidos por lá, eu teria ficado louco. Teria?
Esta cidade feita em pedaços que eu vi ou pensei ter visto, pela qual eu
caminhei, cai, e cujo cheiro de morte eu vesti, tudo isto havia acontecido? Eu
havia explorado, muito pouco, apenas um vigésimo de Chatila e Sabra, nada de
Bir Hassan, nada de Bourj al-Barajneh. E não era por causa das minhas
inclinações pelo período que passei minha vida na Jordânia como se fosse um
conto de fadas. Europeus e árabes norte-africanos me disseram sobre um feitiço
que os mantinha lá. Como eu vivi durante este espaço longo de seis meses, pobremente
colorido por noites de doze ou treze horas, eu descobri o aspecto etéreo do que
estava acontecendo, a qualidade excepcional dos fedayin, mas eu tinha a
premonição da fragilidade desta estrutura. Por todos os lugares na Jordânia
onde o exército palestino se amontoava, próximo ao Rio Jordão, existia
barreiras onde os fedayin estavam tão certos de seus direitos e de seu poder
que a chegada de um visitante, fosse noite ou fosse dia, em uma das barreiras, era
um pretexto para um chá, para uma conversa misturada com explosões de riso e de
beijos fraternos (alguém que eles abraçavam estaria partindo à noite, atravessando
o Rio Jordão para instalar bombas na Palestina e frequentemente não retornaria).
As únicas ilhas de silêncio eram as vilas jordanianas; elas mantinham suas
bocas fechadas. Todos os fedayin pareciam caminhar levemente acima do solo, com
o efeito leve de um copo de vinho ou levados por um pouco de haxixe. O que era
isto? Juventude, esquecimento da morte e com armas tchecas e chinesas para dar
tiros para o ar. Protegidos por armas que falavam alto, os fedayin não tinham
medo de nada.
Qualquer leitor que tenha visto um mapa da Palestina e da Jordânia sabe
que a terra não é como uma folha de papel. Ao longo do Rio Jordão a terra é em
alto relevo. Esta aventura toda deveria ter sido intitulada de Sonho de
uma noite de verão apesar das discussões entre líderes de quarenta
anos de idade. Tudo isto era possível por causa da juventude, o prazer de estar
sob as árvores, de brincar com as armas, de estar distante das mulheres, em
outras palavras, de conjurar um problema para longe, de ser o mais brilhante e
o mais avançado ponto da revolução, de ter a aprovação da população dos campos,
ou ser fotogênico sem se importar para que, e talvez por prever que este conto
de fadas revolucionário pode ser contaminado em breve: os fedayin não querem
poder; eles possuem liberdade.
No aeroporto de Damasco em minha viagem voltando de Beirute eu encontrei
alguns jovens fedayin que haviam escapado do inferno israelense. Eles tinham
dezesseis ou dezessete anos. Eles estavam rindo; eles eram como aqueles em Ajloun.
Eles irão morrer assim como aqueles. A luta por um país pode preencher uma vida
muito rica, porém curta. Esta era a escolha, como podemos nos lembrar, de Aquiles
na Ilíada.
Glossário das pessoas, povos, e lugares
citados no texto:
Abraão: é o primeiro patriarca bíblico. Sobre sua história se
desenvolveram três vertentes religiosas: o judaísmo, o cristianismo e o
islamismo; que são responsáveis por disputas religiosas milenares. É com Abraão
que se estabelece o mito do “povo escolhido”. Abraão, segundo a Bíblia, teve um
filho, Isaque, aos 100 anos de idade, cuja vida é pedida por Deus em holocausto
como prova de sua fé. Abraão não relutou em sacar uma adaga para provar que sua
fé estava acima da vida de seu próprio filho. Mas Deus o poupou de tal
barbaridade. No último instante ordenou que um anjo segura-se sua mão, e como
recompensa por sua obediência cega prometeu-lhe uma linhagem numerosa que
governaria toda a terra, em detrimento de todo o resto de sua criação. [Me
desculpem, não resisti ao crime da parcialidade na descrição deste verbete.
Prometo não cometer o mesmo crime nos demais.]
Ajloun: cidade montanhosa no norte da
Jordânia.
Akka: nome de um hospital localizado próximo a uma das entradas do campo
de Chatila. O termo Akka significa “irmã mais velha” e é usado como um título
honorífico.
Amman: capital da Jordânia.
Arafat, Yasser: líder palestino, foi
presidente da OLP e da Fatah (maior facção dentro da OLP).
Argélia: país no norte da África. Começou a ser dominado pela França em
1830. Depois de 1947 começou uma luta por sua independência que vai culminar em
uma guerra até que sua independência seja reconhecida em 1962.
Aures: um grande território montanhoso no leste da Argélia.
Balfour, Arthur (Lord): primeiro-ministro do Reino Unido em 1902-1905, e
ministro das Relações Exteriores em 1916-1919.
Baq: nome de um campo de refugiados ao lado de Jerash, não encontrei um
significado para esta palavra.
Bashir Gemayel (Bashir): presidente do Líbano, eleito em 1982 e
assassinado dias antes de assumir o poder.
Beirute (Ocidental): capital do Líbano.
Bir Hassan: um dos vários campos de refugiados existentes no Líbano
neste momento.
Bourj al-Barajneh: outro campo de refugiados no sul de Beirute,
considerado o mais antigo.
Chatila:
é o campo de refugiados criado pela ONU em Beirute, no qual Jean Genet
conseguiu entrar logo após o massacre ocorrido em 1982.
Damasco: capital da Síria, conhecida como “cidade do jardim”.
Darna: não consegui encontrar o motivo pelo qual as mulheres palestinas
diziam esta palavra. Apenas descobri que este é também o nome é uma
super-heroína, que lembra muito a Mulher Maravilha, criada pelo filipino Mars
Ravelo. Mas mesmo na origem do nome desta super-heroína eu não encontrei um
motivo para o nome. Mas deve existir. Se alguém conhecer, por favor, agradeço
se puder contribuir com a informação.
Falangistas: também chama de Kataeb, foi a mais poderosa milícia cristã
da guerra do Líbano, liderada por Bahir Gemayel.
Fedayin: no ocidente esta palavra é usada tanto para designar um único
indivíduo como um grupo [no texto de Genet aparece o termo fedai para um único
indivíduo]. Em uma tradução livre pode ser “devoto”, “mártir”, ou “aquele que
se redime pelo sacrifício”. É usado para designar diversos grupos no mundo
árabe em diferentes momentos históricos.
Gouraud, Henri: general francês, serviu como representante do governo
francês no Oriente Médio. Sob seu comando o exército francês derrubou diversos
movimentos revolucionários, ocupou Damasco e acabou com as forças da Revolução
Síria em 1920, cujos territórios foram reorganizados diversas vezes através de
seus decretos. Atribuem a ele a cena de subir no túmulo de Saladino (o maior
líder árabe das cruzadas, que governou Jerusalém) e dito: “As Cruzadas acabam
agora! Acorde Saladino, nós voltamos! Minha presença aqui consagra a vitória da
Cruz sobre a Lua Crescente.”
Haddad (haddadaistas): Major Saad Haddad, comandante de um batalhão do
exército no sul do Líbano, rompeu com o exército e criou um grupo conhecido
como Exército Líbano do Líbano, constituído essencialmente por cristãos. Em
1980 o grupo foi renomeado como Exército do Sul do Líbano (ESL).
Hamra: uma das ruas principais de
Beirute.
Hebron: cidade histórica na Cisjordânia, sob ocupação de Israel. Situada
na antiga Judeia, abriga os túmulos de Abraão, Isaac e Jacó. Foi a cidade onde
Davi fui ungido rei dos judeus e onde reinou por mais de sete anos.
Irbid:
cidade que era conhecida antigamente como Arabella ou Arbela, é a segunda maior
cidade na Jordânia, depois de Amman. Nesta cidade estão localizadas diversas
faculdades e universidades.
Jebel Hussein (Jebel): bairro de Amman, capital da Jordânia.
Jerash: cidade no norte da Jordânia, onde se encontra os sítios
arqueológicos de Gerasa, cidade greco-romana.
Jordânia: é um país no meio do Oriente Médio, limitado ao norte pela
Síria, a leste pelo Iraque, a leste e ao sul pela Arábia Saudita, e a oeste por
Israel e pelo território palestino da Cisjordânia, e também pelo Golfo de Aqaba
através do qual faz fronteira marítima com o Egito.
Josué: sucessor do profeta Moisés. Foi ajudante de Moisés durante a fuga
dos judeus do Egito e durante sua peregrinação de 40 anos pelo deserto. Foi
Josué que conduziu os judeus à “terra prometida”, e liderou a luta pela
conquista das cidades-estados da terra de Canaã.
Kataeb: ver “falangistas”.
Knesset: parlamento de Israel.
Kuwait: é um emirado árabe soberano situado no nordeste da Península
Arábica, a noroeste do Golfo Pérsico. Este nome significa “fortaleza construída
perto da água”.
Líbano: oficialmente República do Líbano, é um país na costa oriental do
Mar Mediterrâneo. Faz fronteira ao norte e a leste com a Síria e ao sul com
Israel.
Likud: partido político de Israel que congrega a direita conservadora.
Seu significado em hebraico é “união”. Ariel Sharon e Benjamin Netanyahu foram primeiro-ministros
de Israel membros deste partido.
Menachem Begin (Begin): foi o sexto primeiro-ministro de Israel. Chegou
a dividir o Prêmio Nobel da Paz em 1978 com o presidente do Egito Muhammad
Anwar al-Sadat por terem negociado os Acordos de Camp David, pelo qual Egito e
Israel se comprometiam a negociar e assinar um tratado de paz. Mas também foi
responsável por várias atrocidades, entre elas o atentado do Hotel King David
que fez 91 mortos em Jerusalém. Fundou o partido político Herut que mais tarde
se tornaria o partido dominante na coligação Likud, o qual foi acusado por
Einstein e Hannah Arendt de ter “um parentesco muito estreito com os partidos
nazi e fascistas”. Em 1982 decidiu a invasão do sul do Líbano conforme citado
no texto de Genet.
Merkava: principal tanque das Forças de Defesa de Israel. Com blindagem
pesada e com a possibilidade de transportar um pequeno grupo de infantaria, com
um acesso ao veículo através de uma porta traseira pois seu motor fica na parte
da frente do veículo, não sendo necessário utilizar os acessos da torre onde
ficariam mais expostos.
Mitterrand, François: foi presidente da França por 14 anos (1981-1995),
oriundo do Partido Socialista.
Murabitoun: membros do movimento independente
nasserista, referente ao presidente egípcio Nasser.
OLP: Organização para Libertação da Palestina, organização política e
paramilitar [que possui as características de uma força militar, mas não
subordinada a forças militares ou policiais de um país] tida pela Liga Árabe
como a “única representante legítima do povo palestino”.
Perini: não consegui identificar quem é este Perini que Genet cita. É um
sobrenome muito comum. Quem saiba de quem se trata, aceito contribuição para
complementar esta informação. Acredito ser algum representante italiano entre
os que asseguraram que a população civil nos campos estaria a salvo, mas
diferente da França e dos Estados Unidos, citados na frase, este era o
presidente italiano.
Pigalle: é uma região de prostituição em Paris, onde estão localizados
os cabarés mais famosos, como o Moulin Rouge.
Ras Beirut: região rica de Beirute.
Reagan, Ronald: presidente dos Estados
Unidos em 1981-1989.
Sabra:
o outro campo de refugiados que foi alvo do massacre junto com o campo de Chatila.
Seu nome refere-se a um cacto conhecido como pêra espinhosa, de pele grossa mas
que possui uma polpa doce e suave.
Shatfla: outro campo de refugiados.
Síria: oficialmente República Árabe Síria, faz fronteira com o Líbano e
o Mar Mediterrâneo a oeste, Israel no sudoeste, Jordânia no sul, Iraque ao
leste e Turquia ao norte. Tem uma história muito antiga, mas o estado moderno
foi criado como um mandato francês, e teve sua independência em 1946, como uma
república parlamentar.
Shamir, Yitzhak: influente político israelense, foi primeiro-ministro em
1983-1984 e 1986-1992, ativista sionista (movimento que apoia a criação do
Estado Nacional Judeu) e atuou no Mossad (serviço de inteligência israelense)
em 1955-1965.
Sharon, Ariel: considerado o maior general de campo na história de
Israel, era Ministro da Defesa durante a Guerra do Líbano em 1982. Depois que
se aposentou do exército, ingressou no Linkud e foi primeiro-ministro de Israel
em 2001-2006.
Tsahal: força de defesa israelense.
Tziganes: ciganos húngaros.