quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

ROLETA RUSSA - Ressurreição...

Alguns minutos para contemplar a ação... A paisagem era bonita, uma quase floresta no centro de São Paulo, barulhos distantes e o silêncio em mim. Vi que havia algumas peças de roupa ao redor, minha carteira estava sobre o banco. Suspiro. Comecei a vestir a roupa e entendi a frase: - Você vai ver a roupa que eu vou deixar para você. A roupa tinha cheiro de carniça. Quando calçei o sapato, sem meia, meu pé saia pela lateral, rasgada. Todos os documentos estavam na carteira, todos os cartões estavam na carteira, menos o real e o passe de ônibus. Ele foi bacana comigo. Ironia. Entendi o que um mendigo sente. As pessoas na rua, ao me perceberem, desviavam a trajetória. Ninguém chegava perto de mim ou deixava que eu me aproximasse. Mas eu precisava da ajuda de alguém, da mísera realidade para pagar o ônibus e chegar até meu apartamento. Mas todos se afastavam de mim, sem ao menos ouvir minha voz. Ele me reconheceu, eu acho, talvez da livraria. Não me disse nada, nem nada perguntou, apenas arregalou os olhos ao me ver. E falei, rapidamente: fui assaltado, levaram minhas roupas, estou assim, preciso de dinheiro para pegar um ônibus e fugir para minha casa. Ele tirou a carteira do bolso e me deu o dinheiro necessário, rapidamente. Sem palavras, apenas assombro. No ônibus, o mesmo desconforto humano. Meu cheiro era insuportável para mim e para todos que se aproximavam. Para tentarem não sentir o cheiro da miséria desviavam o olhar e se afastavam. Ninguém queria me ver. Cheguei na portaria do prédio. Toquei o interfone. O porteiro me ignorou. Na terceira tentativa o porteiro se aborreceu, veio para brigar comigo e levou um susto. Quase sorri. Abriu o portão rapidamente, sem dizer nada... eu também estava mudo. Joguei as roupas no lixo, pus o lixo fora de casa, me sentei no box e deixei muita água correr, metáfora do tempo, para curar a ferida, para fechar o buraco em minha cabeça. Cuiabá. Existe a possibilidade de um novo amor. É para lá que eu vou.

2 comentários:

xxxx disse...

Esse foi realmente um episódio de horror. É preciso mesmo ser muito forte para ter o coração gentil e amoroso numa cidade como esta. Ao mesmo tempo, isso é que diferencia as almas sensíveis dos demais. Bj!

Carolina Rosa disse...

EPISÓDIO E TANTO! JÁ OUVI ESSA HISTÓRIA NUMA DAS NOSSAS MESAS DE BAR...

CUIABÁ?
RS
BEJOS