sábado, 9 de julho de 2011

Clarice Filósofa

Em setembro devo apresentar uma comunicação oral sobre Clarice Lispector no VII Colóquio 'As Margens da Filosofia', em uma mesa conduzida pela Profª Marília Mello Pisani sobre mulheres na filosofia. O Colóquio é promovido pela Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo. Ainda aguardo a aceitação de meu trabalho, mas segue aqui um resumo para quem se interessar.

Seguindo a afirmação de Friedrich Nietzsche que nos diz que o filósofo está mais próximo do poeta, mas pretende ser um cientista, queremos aproximar um texto da escritora Clarice Lispector a um texto do filósofo Jean-Jacques Rousseau. O texto de Clarice A menor mulher do mundo apresenta inúmeras referências subjetivas ao Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens de Jean-Jacques Rousseau. Podemos começar com a personagem do explorador francês Marcel Prete que assume um papel cético, sem dogmatismo ou opinião; "sentindo necessidade imediata de ordem, e de dar nome ao que existe"; "pelo menos ocupou-se em tomar notas". Temos a descrição literária da tribo de pigmeus existente "nas profundezas da África Equatorial", "que, não fosse o sonso perigo da África, seria povo alastrado", "mesmo a linguagem que a criança aprende é breve e simples, apenas essencial" e "como avanço espiritual, têm um tambor", para os quais "não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida" - muito próxima da descrição do homem selvagem do filósofo. Mais rico ainda é analisarmos os devaneios de senso comum, quando pessoas civilizadas tem contato com a descoberta da menor mulher do mundo através do "suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural", como por exemplo; a mãe que "enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro", "olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho" e "sabia que este seria um domingo em que teria de disfarçar de si mesma a ansiedade, o sonho, e milênios perdidos". Não podemos deixar de citar a análise sobre "um velho equívoco sobre a palavra amor", "que exige que seja de mim, de mim!, que se goste, e não de meu dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não ser comido, amor é achar bonito uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha". E no final do texto a escritora nos dá aquela resposta sempre aceita, arduamente questionada: "Deus sabe o que faz.".
O texto da escritora é curto, muito menor em número de palavras que o discurso do filósofo, e provocamos: será ele menos claro e distinto, menos significativo, menos verdadeiro? Onde não existe ciência, não existe verdade? Sem seguir qualquer norma ABNT, será ele menos valioso para o conhecimento do homem? Ser ou não ser não é a única questão.
(E eu, com minha subjetividade, penso que a superação da bestialidade no ser humano depende mais da arte que da ciência. Albert Einstein concordaria comigo.)

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