Eu quero agradecer a vocês
o carinho, a receptividade, a confiança e essa energia enorme que vocês
mobilizam. Eu quero agradecer também o que vocês representam de força de
mudança na sociedade, não só na sociedade brasileira, mas no mundo todo, e a um
custo altíssimo, haja vista a tragédia que ocorreu em Orlando. Esta é uma
tragédia que se dá em todo lugar desse mundo e desse país todos os dias. Que se
juntou naquele momento e houve aquela expressão coletiva de um massacre só pelo
fato de as pessoas se amarem e colocarem o amor como uma coisa importante em
suas vidas. E Isso me dá a consciência do quanto vocês representam nos dias de
hoje não só para São Paulo, para o Brasil, mas para o mundo. Vocês estão
rompendo uma cultura milenar que insiste em se preservar e se impor às relações
humanas, às opções de vida, à existência e à realização da vida. Vocês não tem
talvez consciência do que vocês representam potencialmente; da ruptura de um
mundo que envelheceu. É o fim de um ciclo histórico-social. Tem uma lógica que
constrói a história e que obedece a uma espiral dialética. Essa espiral
dialética realiza ciclos históricos em tempos não precisos, mas em cada momento
dessa história esse ciclo atinge seu ápice, ele retorna e não volta no marco
zero onde ele começou, ele volta num outro nível e quando recomeça um outro
ciclo este outro ciclo se constrói de forma potencializada, vai para um outro
nível, superior àquele primeiro nível, e cada mudança de ciclo representa uma
transição dolorosa, a transição de um ciclo transitando para um outro ciclo
histórico-social. Isso é um imperativo da realidade, e a realidade é dinâmica,
é dialética; seja a realidade pessoal, seja a realidade social, seja a
realidade da natureza, seja a realidade da política, seja a realidade da cultura.
Obedece a essa lei, a lei da dialética. E é uma dialética que se impõe nos
processos sociais, nos processos humanos, em diferentes ciclos da história
humana. E nós estamos vivendo isso, uma virada de ciclo. É um ciclo que já está
no seu estertor, por isso que ele vem com tanta virulência, essa reação
homofóbica, essa reação conservadora, fundamentalista, autoritária, repressora;
reprimindo e comprometendo as conquistas que os grupos sociais conseguiram a
duras penas. Eles estão muito inseguros. Eles estão com muito medo. Eles tem
medo do novo. E vocês são o novo. Vocês estão rompendo com uma cultura.
Daí a importância e o peso
político que vocês têm. Vocês não se dão conta disso. Vocês estão rompendo com
aquilo que sustenta os alicerces de uma sociedade velha, antiga, esgotada; que
é a ideologia, que é a cultura. É nisso que vocês estão mexendo, estão
provocando, estão questionando, estão criticando, estão botando um outro
caminho. Quem quiser enxergar que enxergue. Quem não quiser vai de roldão, porque
é um determinismo histórico.
Eu estou dando essa fala
inicial. Eu não estou querendo fazer discurso. Eu lamento não ter chegado mais
cedo para ouvir todos os depoimentos que vocês fizeram aqui. É Exatamente o que
a gente está provocando nos ciclos de conversa. Essa campanha está se dando
exatamente neste modelo. Já fizemos dezenas de rodas de conversa. Estamos vindo
de uma. Dos mais diversos grupos. Grupos plurais. E essa campanha, ela tem uma
característica, e ela tem um significado, que é exatamente viver esse momento
de um fim de um ciclo histórico-social, transitando para um outro ciclo
histórico-social. Nós estamos num processo que está rearticulando as pessoas,
está resgatando essas pessoas, está voltando a interessá-las pela política,
pelo debate político. E tudo é política. E a solução dos problemas do mundo. A
solução dos problemas, dos vários grupos sociais, como o de vocês, não é outro
senão a política, como expressão de poder. E vocês são uma força política com
enorme potencial.
Sobretudo porque vocês
mexem na essência das vidas, das relações de uma sociedade. Vocês estão mexendo
com a cultura, com valores, com conceitos. Vocês estão mostrando que esses
valores, esses conceitos, esses preconceitos, essa exclusão que existe na
sociedade, é algo velho, não cabe mais na evolução humana, em pleno século XXI.
Então não se pensem na sociedade como um grupo que vai edificar uma política
própria de saúde, ou uma política própria de educação, ou uma política própria
de emprego. Vocês tem que lutar pelo espaço de vocês como uma força política
que tem o que dizer para a sociedade no sentido da transformação desta
sociedade. Essas coisas virão como consequência. Vocês tem que disputar o
poder. Não só o poder institucional, mas o poder da fala, o poder de decidir as
questões que lhes dizem respeito diretamente, o poder de serem respeitados e
respeitadas, de serem reconhecidos, de serem ouvidos. É disto que se trata.
Eu não era candidata. Eu
nunca pensei em ser candidata mais uma vez para a Prefeitura de São Paulo. Eu
estava mudando de partido porque eu não aguentava mais aquela coisa horrorosa
que era o partido que eu estava nele. Fui para o PSOL, que há muito tempo vinha
insistindo nisso. Mas antes de ir para o PSOL nós já estávamos construindo uma
outra via, que não é melhor nem pior do que as outras. É algo diferente. É algo
que veio no bojo, nessa busca que existe no mundo de outras formas. Essas
formas estão todas superadas. Seja a forma partido, seja a forma movimento
sindical, seja a forma movimento popular, seja a forma que for. Forma não cabe
mais numa realidade em transformação, em movimento. É revolucionário. Essa
campanha, companheiras e companheiros, não está sendo uma campanha para
disputar votos. É uma campanha que está servindo para reencantar a política.
Para trazer de novo as pessoas a serem sujeitos da política. Se chegarmos lá
isso vai se transformar em uma outra forma de exercer o poder na cidade. E não
tenham dúvidas, nós vamos para as cabeças e vamos radicalizar a forma de
governar essa cidade.
Quando o PSOL conseguiu me
seduzir – e foi sedução mesmo – eu cheguei a dizer para o Ivan (Ivan Valente):
– Oh, Ivan, ou você diminui esse assédio ou eu vou dedar você a tua mulher. Mas
já são vários mandatos juntos, tem muita coisa, e ao mesmo tempo nós estávamos
nessa busca de um outro caminho, de uma outra via, sem excluir as que existem e
que tem identidade entre si, entre PSOL, RAIZ, PARTIDA e outros grupos que não
tem nome, não tem título, não tem rótulo, mas vem nessa onda do novo, da
descoberta, da criatividade, da busca de saídas. Não quero falar em crise. Eu
não vim aqui para falar em crise. Eu vim aqui para falar do futuro. Este
futuro. E este futuro está nas nossas mãos.
E vejam vocês,
companheiras e companheiros. Vamos supor que se consiga derrotar a tese do
impeachment no Senado. O que que virá depois? O que que virá a seguir? O mesmo
governo anterior? Vai resolver? Não vai. Se perder e o impeachment for
aprovado, esse governo já nasceu morto. É um natimorto. Portanto há um vazio no
cenário político do país e do mundo que explica a emergência dessa força nova,
dessa energia sem modelo, dessa força criativa, dessa irreverência que vocês
representam; e quanto mais isso for forte e presente na sociedade mais rápido a
gente rompe com esse velho dessa sociedade. É disso que se trata.
E aí eu vim para o PSOL. E
ai vem a pressão para eu ser a candidata a prefeita. Minha gente, eu estou com
oitenta anos, oitenta e um anos. Vocês acham que isso faz sentido? Eu já estava
me preparando para encerrar – eu não gosto desse negócio de carreira não,
carreira complica a vida política. Mas eu não ia deixar nunca de fazer
política. Mas, evidentemente, eu ia deixar de ser candidata, da militância
partidária. Eu queria passar para a Muna (Muna Zeyn) e para outros que estão se
assumindo no institucional. Mas a gente não faz aquilo que é da vontade da
gente, sobretudo quando a gente decide na vida da gente a fazer aquilo que o
povo dita e quer que a gente faça. É isso que me convenceu, junto com meus
companheiros da RAIZ, com meus companheiros do PSOL, numa plenária que eu
convidei para prestar contas dos mandatos. Tinha mais de quatrocentas pessoas
naquele plenário. E eles não queriam discutir “prestar conta” nenhuma. Eles
queriam me pressionar pra eu ser candidata a prefeita.
E aí eu não escapei. E de
lá pra cá essa pressão é cada vez mais forte. A ponto de me dar a compreensão
de que há uma determinação. Não sei de onde vem. Mas vem do povo. É energia do
povo. Dom Tomás Balduino era um bispo que trabalhava com os índios, que
enfrentava o latifúndio, a repressão no campo. Ele dizia que o novo, o povo é
quem cria. A gente não cria nada de novo. Quem cria o novo é o povo. Mas a
gente tem que estar junto dele para que ele nos diga para onde ir. Então, se
isso a gente acredita de fato, a gente não se perde, e a gente não recusa, e a
gente não escolhe, e a gente vai junto, e as coisas não secam.
Então essa campanha está
servindo para isso; trazer de volta quem havia se afastado, se desinteressado
da política, os mais antigos, os mais velhos, os mais experientes, e ao mesmo
tempo está havendo uma convergência, de um encontro, dessa energia nova da
juventude. De todo lado vem movimento de jovens; sem nome, com nome, com
projeto, sem projeto; mas é uma energia tão poderosa, tão forte, tão criativa,
tão emergente, que eu acho que tem um fenômeno novo que está acontecendo nesse
processo. Eu estou aberta a ele junto com vocês. Não quero discutir política de
saúde, de educação, de trabalho com vocês. Essas políticas nós vamos construir
juntos.
Quando eu penso em
governar essa cidade pela segunda vez depois de mais de vinte anos. Eu não
estou querendo repetir aquela experiência do passado, que hoje é reconhecida.
Tem propostas que não se viabilizaram naquele momento, mas estão vindo pelas
mãos dos movimentos, como o passe livre, que era uma proposta nossa e de Lúcio
Gregori. Porque depois de mais de vinte anos essa cidade é outra cidade. Os
problemas, muitos são os mesmos, mas agravados. Antes nós éramos 9 milhões e
quinhentos mil habitantes. Hoje nós somos onze milhões e quinhentos mil
habitantes, numa região metropolitana de vinte milhões de habitantes. E os
problemas de São Paulo não começam e terminam em São Paulo. Começam e terminam,
e não terminam, porque os problemas vão para além da região metropolitana. E
numa segunda gestão nossa nós temos que pensar São Paulo não dentro dos seus
contornos. A gente tem que pensar São Paulo na região metropolitana. Pensar São
Paulo no Brasil. E outra coisa; ser prefeito ou prefeita desta cidade não é
simplesmente administrar. É sobretudo fazer política, é liderar politicamente.
Não posso entender que a
cidade que tem o terceiro orçamento do país, é maior do que o orçamento de
todos os Estados, com exceção do Estado de São Paulo. Que essa cidade não tenha
voz e influência nas decisões sobre política econômica desse país. E nós
queremos, junto com o povo, organizado, politizado, e protagonizando um novo
governo, impor os interesses, não só de São Paulo, da região metropolitana, do
país inteiro. Nós temos que fazer a macropolítica. E a questão econômica está
no foco. Ouvi o companheiro, ele colocava aqui com muita precisão, com muita
oportunidade. Nós não queremos só administrar os recursos, embora sejam
grandes. São mais de 50 bilhões, o orçamento da cidade. Mas vendo a dívida
social e a demanda reprimida, isso não representa nada, sobretudo a questão da
dívida, e o companheiro tem toda razão. Nós temos que começar a discutir a
questão da dívida. Mas não é pra zerar a dívida. É bobagem zerar a dívida. O problema
não é ter dívida. É que esta dívida não veio para a área de investimento, não
veio para um crescimento, não veio para dinamizar a economia da cidade e do
país. Não. É uma dívida que veio para reproduzir juros sobre juros e portanto,
fortalecer o capital, reproduzir o capital, a concentração de capital. Nós
temos que quebrar essa lógica. E uma cidade como São Paulo, com o peso político
que tem, o peso econômico que tem, o peso social que tem, o peso científico que
tem, o peso cultural que tem, é uma força política que tem que ser mobilizada.
Mas não é um prefeito ou uma prefeita, ou um vereador ou uma vereadora, ou o
poder institucional. É o poder popular.
E a governabilidade não
passa pela Câmara Municipal. Nós não vamos ter maioria na Câmara Municipal.
Vamos querer eleger o maior número de vereadoras e vereadores. Mas vamos
governar da mesma forma como fizemos há vinte e sete anos atrás em que tínhamos
minoria na Câmara. Para ter maioria na Câmara teria sido mais fácil. Mas eu
teria que ter feito concessões éticas. E para fazer concessão ética a direita
faz melhor. Porque a direita está no poder há mais de 500 anos.
A economia não pode se
limitar só à macroeconomia. Esse modelo que está aí, no neoliberalismo, da
política, em que há um superavit primário. O superavit primário, que é aquele
excedente que não é excedente, porque se deixa de aplicar nas políticas
públicas e se reserva quatro e meio por cento do PIB, quando não é mais, para
pagar os juros da dívida. Em 2015 foram 505 bilhões de reais para pagar os
juros da dívida pública. E os juros de uma dívida que se multiplica, porque não
é uma dívida, é uma dívida especulativa, é um dinheiro que entra para
especular. Os títulos públicos que o governo vende ao sistema bancário para
manter o próprio Estado, numa roda viciosa, viciada, que não tem saída. A saída
é política. É ter o povo com você, e a força do poder popular, e impor as
regras, inclusive na negociação dessa dívida. Nós temos de renegociar essa
dívida alongando o perfil dela, negociando os prazos de pagamento de parcelas.
Isso sem sacrificar os direitos sociais básicos da nossa população. Isso só se
faz com força, e força política. E auditoria! Isso está associado a uma luta
pela solução do problema da dívida pública do país. A dívida do país já é mais
de três trilhões. Com essa sangria, todo dia, toda hora, uma criança que está
nascendo, ela está nascendo devendo uma certa quantidade de dólares. Isso não é
justo. Isso não é razoável. E nós temos que enfrentar isso politicamente.
Então gente. Só vai valer
a pena uma nova tarefa dessas. E ela já está se dando. Não pensem que só vamos
começar a campanha quando chegar o período eleitoral. Até porque no período
eleitoral nós não vamos ter tempo de televisão. Não vamos ter tempo de nada.
Mas nós já nos antecipamos tanto na conversa política com o povo e os nossos
compromissos com quem é possível, que queremos fazer juntos, que nós vamos
levar de roldão, seja os candidatos que estejam aí, com tempo ou sem tempo. Se
eles não nos derem o tempo para participar do debate com os outros candidatos
nós vamos fazer o debate na porta da emissora que estiver fazendo debate. Nós
vamos alugar um caminhão, com um som e o gogô para a gente conversar com o
povo, na frente da televisão, enquanto eles estiverem disputando aqueles
segundos para responder aquelas perguntas absurdas, fazer aquele teatrinho que
é feito na televisão. Seria até bom mesmo que eles não deixassem a gente
participar do debate que a gente produziria esse debate nas portas das
emissoras, de todas elas, quantos debates eles tiverem que fazer. Eu não
preciso de tempo de televisão, para a gente fazer chegar o recado ao povo e
trazer esse povo junto para fazer valer esse recado.
Minha gente, meu povo. Eu
estou muito animada.
Não se justifica, nós que
somos socialistas. E a palavra é esta mesma. Não tenham medo da palavra nem das
implicações desta palavra. Socialismo é o futuro da humanidade. É um modo de
vida, é um modo de existir. É uma referência que dá significado e sentido à
nossa existência. E nós vamos mostrar que é possível, para justificar que
pessoas que tem uma vocação para o socialismo, que tem uma opção de vida pelo
socialismo, que é possível, que vai fazer diferença. Para justificar inclusive
o governo, uma esfera do poder do Estado. Nós não mudamos o Estado quando
ganhamos uma Prefeitura. Nós não ganhamos o controle do Estado quando ganhamos
o governo do Estado nem mesmo quando se disputa e ganha o governo federal.
Vejam o que aconteceu com
os governos do PT. Cederam. Abrindo mão e capitulando o seu projeto original.
Não jogo o PT como se joga a água, a criança e a bacia fora. Foi um grande
momento da vida da juventude naquele tempo, e eu costumo dizer: eu não sai do
PT, o PT que saiu de mim. Porque aqueles princípios, aqueles valores, ainda orientam
a minha vida, ainda dão sentido à minha militância pública. Mas não posso
concordar com o rumo que os governos do PT tomaram, fazendo concessões em claro
e tentando governar só com uma base congressual de A a Z do espectro ideológico
e de uma certa forma esvaziando a luta popular.
O movimento sindical foi
domesticado no governo Lula. Não se tem mais oposição nem situação sindical.
Eles já negociaram, através do imposto sindical, aqueles dez por cento do
imposto sindical, que está sendo distribuído pelas centrais sindicais que se
multiplicaram. Eram duas centrais sindicais. Hoje tem mais de dez centrais
sindicais, pelos dez por cento do imposto sindical. Enquanto isso há um fosso
entre a base sindical e a direção desses sindicatos através das centrais sindicais.
Tanto é que eu tenho dúvida. Será que no extremo dessa crise o movimento
sindical teria condições de chamar uma greve geral? Eu tenho minha dúvida.
Porque não se faz luta, sobretudo luta a um nível de comprometer um determinado
regime, fazer valer a vontade popular, com sindicatos que desapareceram das
portas de fábrica, que não tem mais bandeira, nem sequer do ponto de vista
econômico, muito menos do ponto de vista político.
Então meu povo, para
justificar que a gente, com essa visão da política, e com essa visão de mundo,
e com esse compromisso com a história que a gente tem, que faz muito sentido ir
para um governo de uma cidade, quão importante, grande, potente que ela seja.
Mas o caráter do Estado é o mesmo. Seja no município, seja no estado, seja na
união. A única coisa que diferencia, e a única coisa que justifica, que a gente
vá pra lá, disputar o poder e exercer o poder, se esse poder for dividido com a
fonte do poder e a sociedade, são os setores populares. E a nossa proposta de
gestão é radicalmente democrática. Nós vamos diminuir a cabeça do poder,
diminuir o número de secretarias. Vamos empoderar as subprefeituras.
Potencializando os conselheiros, os conselhos de representantes de cada
subprefeitura. E vamos fazer o planejamento da cidade à base de cada região
administrativa da cidade. E vamos planejar o orçamento de acordo com cada
região da cidade. Nós vamos distribuir a gestão financeira no âmbito de cada
subprefeitura. Portanto nós vamos empoderar o poder local. E o poder local são
as subprefeituras através do conselho de representantes eleito diretamente. E
que o subprefeito possa ser resultado da decisão que aquele coletivo de pessoas
eleitas diretamente pela população, numa relação direta, permanente. E para
isso nós temos hoje os meios, que são as redes sociais, que é a internet, que é
essa tecnologia fantástica que nós não tínhamos naquele tempo. E isso nos dá
uma enorme possibilidade de governar online. Todas as decisões, todos os
controles, toda essa emoção de toda decisão, ser acompanhada dia a dia pela
cidadania, pelos cidadãos, em cada recanto, em cada ponto dessa cidade.
E aí podemos, quem sabe,
começar um novo tempo na cidade de São Paulo. E a partir dela, quem sabe, a
gente possa começar um novo tempo no país. Eu acredito nisto. Isto é um
imperativo histórico. Nós temos potencialidades para isto. Nós temos uma
juventude incrível que está sedenta de participação, com uma capacidade
criativa imensa, uma generosidade fantástica, e vocês sem dúvida nenhuma são
parte principal dessa força e da energia que está revolucionando a cultura em
nosso país. Não é pouca coisa. Vocês estão mexendo na essência, naquilo, como
dizia Gramsci, que é a semente da sociedade, é o alicerce da sociedade, é a
ideologia, são os valores, é a cultura, são as concepções, é o modo de ver o
mundo, de ler a realidade. Vocês estão mexendo nisso. Por isso que vocês
incomodam tanto. Por isso vocês são tão reprimidos. Vocês estão balançando as
bases, estão mexendo nas bases, nos alicerces, nas colunas que sustentam esse
estado velho, carcomido, fundamentalista, impotente, incapaz. E o novo não se
sustenta num vasilhame velho, não se sustenta com um vinho novo, borbulhando
dentro dele, com a energia que tem um vinho novo. Vocês são esse vinho novo. E
esse estado brasileiro, em todas as suas expressões, seja município, seja
estado, seja união, é uma vasilha velha, onde se põe vinho, que não sustenta
mais a vitalidade do vinho, que é essa juventude, essa energia nova, que está
vindo, que está rompendo com as barreiras, com os obstáculos, e colocando o
novo que está nascendo. Vocês são parteiros de um novo tempo, parteiras de um
novo tempo. Isso não é pouca coisa.
Quando essa experiência
for histórica, os historiadores verão o que isto significou. É preciso que a
gente tenha consciência disso para a gente inclusive ser capaz de resistir aos
ataques, às pressões, às violências, ao morticínio que existe contra vocês e
contra os pobres dessa cidade, desse país. Na cidade mais rica do mundo a
população de rua está morrendo de frio nas calçadas da cidade. É como diz uma
jornalista que escreveu um artigo sobre aquelas minhas perguntas ao prefeito.
Muitos dizem que não gostaram. Paciência. Eu não quero dizer nada para fazer
ninguém gostar. Eu quero fazer aquilo que a minha consciência me diz. E aquela
jornalista dizia o seguinte: a cegueira política mata mais do que o frio. E
mostrava o quanto aquelas reações ou aquele silêncio inicial em relação a essa
situação trágica, tratar seres humanos como objeto. A guarda civil metropolitana
tirando os colchões, e tirando os papelões, que dava condições para se
protegerem do frio de três graus e meio, como ocorreu dias atrás, dia esse em
que morreram cinco, entre um dia e outro morreram cinco moradores de rua. Não
gostaram que eu tivesse falado aquilo. Era melhor o silêncio para eles. Estão
alegando que eu estou dividindo a esquerda. Que esquerda? Eu não estou falando
isso porque eu sou candidata. Eu não estou falando essas coisas porque eu sou
candidata. Eu estou falando essas coisas porque eu sou uma cidadã. E mais, eu
sou uma cidadã que tem um mandato popular. Eu tenho a responsabilidade de não
ser omissa, de dizer as coisas tal qual elas se colocam. Não faço as coisas
para agradar ninguém, sobretudo se a minha consciência está me dizendo o que eu
devo dizer. Pagar o preço que for.
Então meus companheiros e
minhas companheiras. Desculpem que é um certo desabafo também. A gente, para
fazer as coisas, têm que fazê-la com alegria, sendo felizes, tendo paixão,
tendo tesão. É isso que nós precisamos ter nesse momento. Ter paixão por essa
luta, ter paixão por esse momento que estamos vivendo, e que a história nos
confia e nos delega como cidadãos. E fazendo dessa cidade uma cidade e um
espaço para todos. A própria palavra cidade nos reporta ao termo cidadão,
cidadania. Uma cidade tem que ser uma cidade para todos os cidadãos dessa
cidade, e portanto toda as suas energias, todo o seu potencial, todas as suas
ações, todas as suas políticas, tem que ter o crivo da sociedade organizada que
tem que realmente atender de forma, o máximo possível e necessário, ao direito
de cidadania de todos os que vivem, moram e constroem essa extraordinária e
generosa cidade. Nenhuma outra cidade, nem Uiraúna, onde eu nasci, teria me
eleito prefeita como me elegeu naquele tempo. Sofri muito preconceito também.
Eu recebia carta com fezes dentro, durante muito tempo enquanto eu estava como
prefeita. Mas isso não me intimidou, nem isso me tornou vítima. Não. Eu fiquei
com pena de quem vai no banheiro, pega o seu papel, faz cocô e põe um pedaço de
cocô lá dentro e ainda põe no correio. Naquele tempo era o correio. A carta era
no correio. Era mais infeliz do que eu, se eventualmente. Entendeu? Então. Eu
não paro no negativo. Eu faço do povo de São Paulo, cuja metade é de nordestino,
que me elegeu prefeita pela primeira vez. E agora, muito mais do que só os
nordestinos, muito mais gente numa cidade que é pluricultural, a cidade dos mil
povos, quem sabe, vai nos levar de novo para lá, e ajudar a levar o povo para o
poder, nessa cidade, e para usar, e para exercer e para transformar esse poder
na força real do povo construindo o seu destino em São Paulo, e a partir dela,
em todo o país.
Obrigada a todos vocês.