sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Ayahuasca, uma revolução ancestral. Parte 2.


Neste texto vamos apresentar uma visão biológica da Ayahuasca, seus elementos químicos e seus efeitos. A Ayahuasca é preparada principalmente a partir do cipó Banisteriopsis caapi (o Mariri) e da folha de Psycotria viridis (a Chacrona).

O cipó Banisteriopsis caapi, da família Malpighiaceae, contém alcalóides β-carbolinas, como harmina, harmalina e tetra-hidro-harmalina, que atuam como inibidores da MAO (monoaminoxidase). A concentração desses alcaloides no cipó varia de 0,05% a 1,95%. A Psycotria viridis, da família Rubiaceae, possui N,N-dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide derivado indólico que age nos receptores da serotonina, em concentrações que variam de 0,1% a 0,66%. Em 200 mL de Ayahuasca, as análises quantitativas indicam aproximadamente 30 mg de harmina, 10 mg de tetra-hidro-harmalina e 25 mg de DMT.

Para compreender o mecanismo de ação da Ayahuasca, é fundamental entender o papel da serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT). Essa substância distribui-se amplamente nos tecidos animais, sendo mais de 90% encontrada nas células enterocromafins do trato gastrointestinal. No sangue, a serotonina está presente nas plaquetas, e no cérebro, nos núcleos da rafe do tronco cerebral, onde neurônios triptaminérgicos a sintetizam, armazenam e liberam como neurotransmissor. A serotonina cerebral está envolvida em funções como sono, humor, regulação da temperatura, percepção da dor e regulação da pressão arterial, e pode estar ligada a condições patológicas como depressão, ansiedade e enxaqueca. Ela é metabolizada pela MAO em 5-hidroxindol acetaldeído. A serotonina exerce suas ações mediadas por receptores na membrana celular, como o 5-HT1a (nos núcleos da rafe e hipocampo, diminuindo o AMP cíclico), o 5-HT1b (no globo pálido e gânglios da base, diminuindo o AMPc), o 5-HT1c (no coroide e hipocampo, aumentando o IP3), e o 5-HT2 (nas plaquetas, músculo liso, córtex cerebral e fundo do estômago, aumentando o IP3). O aumento de IP3 leva ao aumento da secreção e motilidade em órgãos e tecidos. Os principais efeitos da serotonina no sistema cardiovascular incluem contração do músculo liso e potente vasoconstrição (exceto em músculos esqueléticos e no coração), além de causar vasodilatação e agregação plaquetária no coração. No trato gastrointestinal, causa contração da musculatura lisa, aumentando o tônus e facilitando o peristaltismo, e o excesso de serotonina em tumores associa-se à diarreia intensa. Na respiração, tem pequena ação estimulante do músculo liso bronquiolar. No sistema nervoso, é um potente estimulador das terminações nervosas sensoriais para dor e prurido, e ativadora das terminações quimiossensíveis no leito vascular coronário, associada à bradicardia e hipotensão.

O DMT é um potente alucinógeno quando administrado por via parenteral em doses de 25 mg, agindo como agonista dos receptores 5-HT1a, 1b, 1d, 5-HT2a e 2c. No entanto, por via oral, é inativado pela enzima MAO intestinal e hepática. As β-carbolinas, por sua vez, possuem propriedades alucinógenas e contribuem para a atividade da Ayahuasca. Sendo inibidoras da MAO, as β-carbolinas impedem a desaminação intestinal do DMT, permitindo que ele chegue ao cérebro mesmo após ingestão oral. Além disso, elas aumentam os níveis de serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina no cérebro. Os efeitos sedativos de altas doses de β-carbolinas resultam do bloqueio da desaminação da serotonina. A tetra-hidro-harmina (THH), a segunda β-carbolina mais abundante na Ayahuasca, atua como um fraco inibidor da recaptação do receptor 5-HT e inibidor da MAO, podendo prolongar a meia-vida do DMT ao bloquear sua recaptação intraneuronal. A THH também pode bloquear a recaptação neuronal da serotonina, elevando os níveis de 5-HT na fenda sináptica, e pode atenuar os efeitos da ingestão oral de DMT por competir com os sítios receptores pós-sinápticos. A ação da bebida se deve à interação das β-carbolinas com o DMT, que juntas potencializam as propriedades alucinógenas, considerando que as β-carbolinas aumentam as concentrações de DMT.

Os efeitos da Ayahuasca aparecem em aproximadamente 30 a 45 minutos e podem durar até quatro horas. Os efeitos subjetivos incluem visões de imagens com os olhos fechados, delírios semelhantes a sonhos e sensação de vigilância e estimulação. É comum a ocorrência de hipertensão, palpitação, taquicardia, tremores, midríase, euforia e excitação agressiva. Náuseas, vômitos e diarreia são frequentes e podem estar associados à ação no receptor 5-HT2. Algumas β-carbolinas foram identificadas como causadoras de efeitos co-mutagênicos, possivelmente por interagirem com ácidos nucleicos. Por serem inibidoras da MAO, essas substâncias podem causar a síndrome serotoninérgica, uma patologia grave decorrente do excesso de serotonina. A "miração", uma ação alucinógena específica e frequente, caracteriza-se por visões de animais, "seres da floresta", divindades, demônios, sensação de voar, e a substituição do corpo pelo de outro ser, variando conforme a experiência individual. A Ayahuasca pode induzir ilusões visuais, auditivas, olfativas e dos demais sentidos.

Os "estados alterados de consciência" provocados pelo chá podem ser vistos como alterações da percepção, cognição, volição e afetividade. A avaliação da intensidade dos efeitos da Ayahuasca, usando a Escala de Mensuração dos Alucinógenos (HRS) após a ingestão de cerca de 150 mL do chá, mostrou resultados semelhantes a uma dose intravenosa de 0,1 a 0,2 mg/kg de DMT nos espectros de intensidade, afeto, cognição e volição. Na percepção, foi comparável a 0,1 mg/kg de DMT, e na sinestesia, inferior à menor dose de DMT intravenosa (0,05 mg/kg). A maioria dos alucinógenos que atuam no receptor 5-HT leva ao fenômeno de tolerância, que exige doses maiores para os mesmos efeitos ou diminui o efeito inicial com a mesma dose. Contudo, um estudo de 1997 demonstrou que o DMT, quando usado isoladamente, não causou desenvolvimento de tolerância crescente após doses subsequentes.


Até aqui, o texto foi baseado no trabalho de Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005. O texto original foi adaptado por uma IA. Tomei a liberdade de realizar esse procedimento para destacar que os dados científicos não precisam de interpretação ou de tradução, afinal, um charuto é apenas um charuto. O que precisamos compreender é que a base em que esses elementos químicos irão atuar é um ser humano singular, portanto, cada efeito, em cada corpo, em determinado momento, também é singular.

Na história da humanidade, com o movimento chamado Iluminismo, se determinou a separação entre ciência e religião, entre corpo e espírito. Porém, depois de Einstein e Freud, podemos afirmar que esta separação é uma falácia. Ou, tudo é energia.

“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza.” (Airton Krenak, O amanhã não está a venda.)

Assim como palavras combinadas e articuladas formam frases e textos que, como um todo transmitem um significado complexo que transcende a soma dos significados individuais das palavras, DMT, MAO, harmalina, alcaloides, serotonina, são elementos que, combinados e articulados no todo humano, transcendem a soma de seus efeitos.

Ayahuasca, uma revolução ancestral. Parte 1.




A história sobre o chá da Ayahuasca remonta desde o Império Inca e vem sendo utilizado milenarmente por indígenas que vivem na região da Amazônia como prática espiritual e ritual. Com a chegada de outros povos ao Brasil, não-indígenas passaram a fazer uso do chá. Essa utilização vem aumentando desde a liberação do uso da Ayahuasca para fins religiosos no Brasil. A ação do chá deve-se à presença de alcaloides nas plantas utilizadas na sua preparação: o cipó Banisteriopsis caapi, chamado de Mariri; e as folhas do arbusto Psycotria viridis, chamado de Chacrona.

A palavra Ayahuasca é de origem indígena. Aya quer dizer “pessoa morta, alma espírito” e waska significa “corda, liana, cipó ou vinho”. Assim a tradução, para o português, seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”. No Peru, encontrou-se o seguinte significado: “soga de los muertos”.

Diversos povos indígenas, que vivem desde a região da Amazônia até o sul dos Andes, fazem uso da Ayahuasca, especificamente, é utilizada por cerca de 72 tribos distintas da Amazônia, dentre elas destacam-se os Kaxinawá, Yaminawa, Sharanawa, Ashaninka, Airo-pai, Baranara, dentre muitas outras. Para estas civilizações, as manifestações religiosas ocorrem na forma de mitos ligados à realidade do meio que os cercam. Para os Kaxinawá a natureza possui alma, vontade e ordem própria, revelando que o espírito da mesma é uma energia vital responsável por todo o fenômeno em qualquer parte do mundo. Assim, a natureza não está fora do humano, o humano está dentro da natureza. Para os Kaxinawá, a natureza não existe sem ser permeada pelo espiritual.

A ingestão da bebida seria, ainda, fundamental para o destino do indígena depois da sua morte. Somente com o chá, o ser humano poderia perceber a separação entre o espírito e o corpo. Sem isso o corpo ficaria louco e não conseguiria alcançar a “aldeia celeste”, que seria o destino final do espírito. E, também, somente com o chá se pode adquirir a força necessária para enfrentar “a luta espiritual com a onça gigante e não ser devorado por esta, que está no meio do caminho para a aldeia celeste”. Entre os Ashaninka, a Ayahuasca significa virtude religiosa e moral, sendo seu uso ligado a um dever, cuja principal característica é a eternidade. Dentre as culturas indígenas, as visões causadas pelas plantas são consideradas verdades absolutas, e mais, as visões seriam a verdade. Para estas civilizações, a vida cotidiana seria uma ilusão ou um período transitório. O verdadeiro aspecto da vida na Terra é aquele contemplado nas visões sob o efeito do chá. A planta revelaria as coisas como elas realmente são, revelaria a essência dos seres, e neste caso todos seriam iguais, todos com aspecto humano, mas não são humanos e sim seres da natureza que vivem em um espaço próprio, onde eles vêem tudo e sabem de tudo.

Aqui, destaco Teilhard de Chardin, um padre francês que faleceu em Nova Iorque em 1955, a quem é atribuída a frase: “somos seres espirituais vivendo uma experiência humana”. Uma pessoa com uma ancestralidade completamente diversa de qualquer indígena sul americano, mas com a mesma percepção.

A Ayahuasca é considerada, ainda, como sendo a fonte de todo o conhecimento necessário para se viver corretamente em todos os aspectos (pessoal, moral, social, espiritual, ancestral, com os animais, plantas e seres sobrenaturais). Por fim, temos os efeitos terapêuticos da planta que é ao mesmo tempo aquilo que permite o diagnóstico, bem como a cura para inúmeros males.

O importante de todo este prólogo é que esses elementos se fazem presentes nos diversos grupos não-indígenas que utilizam o consumo da Ayahuasca em seus rituais, pois esses elementos são efeitos produzidos pelo consumo do chá.

Eu, pessoalmente, faço uso da Ayahuasca há mais de 7 anos, bebendo o chá, geralmente, a cada 15 dias. O que eu posso dizer, da minha experiência pessoal, é que os elementos descritos nas pesquisas que foram fonte desse texto estão também presentes em minha experiência subjetiva.

Encerro deixando a reflexão: os efeitos produzidos pelo chá são determinados pelo ritual? Ou são os efeitos do chá na psique humana que determinam os rituais?

No próximo texto pretendo trazer algumas informações de estudos sobre a ação dos alcaloides encontrados na Ayahuasca.


Fontes:

Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico. Revista de Psiquiatria Clínica 32 (6); 310-318, 2005.

Labate, B.C.; Araújo, W.S. - O uso Ritual da Ayahuasca. Mercado das Letras. FAPESP, São Paulo, 2002.


Um grito fraco para uma samambaia surda


    Assistir ao espetáculo Filoctetes em Lemnos com Vinícius Torres Machado nos impõe um ato de persistência. A cena descrita no título é um bom momento para definir a peça e é também um bom momento para se levantar e sair da sala de espetáculo.

    Eu consegui, por teimosia, continuar sentado assistindo o transcorrer das cenas até o show bizarro e os agradecimentos, talvez um momento final do espetáculo, a partir do qual os guerreiros podem continuar sua odisseia. Mas não. Vinícius volta à cena, se senta, e espera, ele ainda espera seu resgate. A partir deste momento muitas pessoas fazem a leitura de fim, se levantam, saem da sala, sem aplausos, o ator continua em cena, continua sem dizer.

    Imagino o Vinícius ainda lá, sentado, esperando, as portas do teatro se fecharam, a equipe de manutenção organizou o espaço, os técnicos fizeram suas revisões, e ele permaneceu lá, sentado, esperando. Deve estar lá, agora. Nós sabemos que não.

    Filoctetes em Lemnos com Vinicius Torres Machado é um espetáculo que, quanto menos eu gosto, mais eu admiro.

    Como espectador, na escuta flutuante adequada a um espectador, eu saí da sala, na realidade, um galpão, incomodado, com vontade de preencher aquele vazio de palavras encobertas por camadas de signos elaborados por uma masturbação intelectual típica dos acadêmicos do Teatro.

    E, no meu direito a elaborar as minhas próprias masturbações intelectuais, atingi meu orgasmo.

    A frase que recebemos ao entrar no espaço nos informa sobre a espera de 10 anos, o período que durou a Guerra de Tróia, até que os gregos, através do oráculo Heleno; um oráculo de Tróia, capturado pelos gregos; recebem a informação de que, para vencer a guerra, eles precisam do arco de Héracles.

    Mas o arco de Héracles está com o Filoctetes, que os gregos abandonaram em uma ilha deserta na viagem até Tróia, pois ele havia sido picado por uma cobra e gritava muito com as dores causadas por esse acontecimento.

    E o cavalo? Para que serviria o cavalo se os gregos não tivessem resgatado o FIloctetes com seu arco?

    Vejam que a narrativa é complexa. Alcançar essa narrativa de forma cênica, sem palavras, não é uma tarefa simples para um relês expectador. E pior. Para que me serve essa narrativa no ano 2025 de nosso senhor Jesus Cristo?

    Aí me vem à mente outra guerra em curso, não uma guerra, um genocídio, o Estado de Israel matando o povo na Faixa de Gaza. Esse genocídio vai completar dois anos em 7 de outubro. Será que teremos que esperar 10 anos, até que algum Heleno nos diga para resgatar FIloctetes da ilha e acabar com esse massacre?

    Talvez. Enquanto isso nós seremos essa plateia apática, como a samambaia, da cena título desse texto.. Podemos sair da sala insatisfeitos, incomodados, iremos comer uma pizza na 1900, discutir o belo projeto de iluminação do espetáculo e seus enigmas simbólicos transcendentais e continuar contando os corpos, os corpos de mulheres e crianças palestinas, os corpos de jovens negros nas periferias do Brasil. Não nos faltam fontes e origens e opções de corpos para contar. Continuemos então, com tantos corpos para contar, esperando nosso resgate em nossas ilhas, cada um na sua.

    Cabe aqui trazer uma tradição da história do povo hebreu. Quando o Rei Davi estava em seu leito de morte, ele deu dois conselhos para seu filho, Salomão. O primeiro era que Salomão não deveria acreditar nos profetas. O segundo era que Salomão deveria matar seu meio-irmão, Adonias, filho primogênito de Davi, que teria direito ao trono. Portanto, no caso de Gaza, seguindo os princípios hebreus, o que Heleno disser não será ouvido, e o arco de Filoctetes não irá por um fim ao genocídio na Faixa de Gaza, pois o designío é matar o irmão que tem direito ao trono.

    Vejam só, quanta reflexão podemos extrair de um espetáculo que não disse nada.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Carta para um amigo não tão distante

    Cá estou nesta longa viagem dias adentro.

    Eu, que sempre fui auto suficiente, me pego agora questionando minha solidão.

    Trouxe comigo vários livros para preencher meu tempo, me fazer companhia. Suíte Tóquio, A vida invisível de Eurídice Gusmão, Canção para ninar menino grande, estes já lidos, e agora Um beijo de colombina. Seleção maravilhosa da bibliotecária do SESC, faço questão de citar.

    Neste, do agora, a personagem encontra uma rosa como Manuel Bandeira, uma rosa branca, sozinha no mundo, sozinha no tempo, e tudo ao redor da rosa era excesso. A rosa da personagem estava no meio de um canteiro malcuidado de uma lanchonete de beira de estrada. A minha rosa é apenas… apenas? uma palavra entre tantas outras. Assim como eu, uma pessoa no meio de tantas outras.

    Esta rosa me fez parar a leitura. Esta rosa me fez parar e observar minha respiração. Esta rosa me fez conversar contigo, sem sua presença, o que é bastante comum. É muito bom quando isto acontece pois nestas conversas você apenas ouve o que eu quero dizer, não responde, não comenta. Às vezes eu ouço uma risada dentro da minha cabeça sem saber se a risada foi minha ou se foi sua, como agora.

    Escalar o Pico dos Itatins. Me deliciar nas diversas banheiras de hidromassagem nas corredeiras da cachoeira do Paraíso. A visita à Prainha e depois, uau, uma pausa semibreve ocupando todo o tempo do compasso, a trilha e a praia do Índio. Aqui sim, uma solidão absoluta. Uma praia toda minha. Todas as ondas para me banhar. Todas as sombras para me proteger. Entendi a origem do nome da praia, da pessoa que viveu ali por anos, sozinha, como o carvalho em Luisiana do Walt Whitman. Bem sei que eu não poderia. Mas por quase uma eternidade eu vivi, ali, só, pleno, sem vontade de sair.

    Essa contradição me interessa. No mesmo prazer da solitude, a sensação de falta, da ausência de companhia.

    Descobri como eu preenchia esta solidão no tempo passado, eu escrevia, escrevia muito.

    Nunca havia estabelecido essa relação até ler Um beijo de colombina. Agora eu percebo. Quando a solidão se faz presente a escrita me faz companhia, como agora, e as palavras preenchem a ausência.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Autoritarismo e conformidade, as bases da política

CATILINÁRIA: DISCURSO DE CÍCERO CONTRA CATILINS VALE PARA O BRASIL

   – Já que és um político – sorriu Cícero – talvez possas dizer-me o que é um político?
   – Um farsante – respondeu Graco, secamente. 
   – Pelo menos és franco.
   – É minha única virtude, e uma virtude extremamente valiosa. Num político as pessoas confundem-na com honestidade. Verás: nós vivemos numa república. Isto significa que há muita gente que não tem nada e um pequeno número que tem muitíssimo. E aqueles que têm muitíssimo precisam ser defendidos e protegidos por aqueles que nada têm. Não somente isto. Os que têm muito precisam proteger sua propriedade e, portanto, aqueles que não têm nada devem estar dispostos a morrer pela propriedade de gente como tu ou como eu e nosso bom anfitrião Antônio. Além disso, gente como nós tem muitos escravos. Esses escravos não gostam de nós. Não devemos cair na ilusão de que os escravos amam seus donos. Não amam e, portanto, os escravos não nos protegerão contra outros escravos. De modo que os muitos que não têm escravo algum, devem estar dispostos a morrer para que possamos ter nossos escravos. Roma mantém um quarto de milhão de homens armados. Estes soldados devem estar dispostos a ir para terras estrangeiras, a marchar até que seus pés estejam completamente desgastados, a viver na sujeira e na miséria, a ensanguentar-se, de modo que nós possamos estar seguros em viver com comodidade e aumentar nossa fortuna pessoal. Quando estas tropas saíram para lutar contra Espártaco, tinham menos a defendo do que os escravos e, não obstante, morreram aos milhares lutando contra eles. Poderíamos ir mais longe. Os camponeses que morreram lutando contra os escravos estavam no exército, em primeiro ugar, porque foram expulsos de suas terras pelos latifúndios. As plantações, nas quais trabalham os escravos, os transformaram em miseráveis sem terra; e, depois, morreram para manter intactas as plantações. Poderíamos nos sentir tentados a dizer reductio ad absurdum. Considera, pois, querido Cícero, o que o bravo soldado romano perde se os escravos vencem? Eles, na realidade, vão necessitá-los desesperadamente, pois não há escravos suficientes para trabalhar adequadamente a terra. As terras seriam insuficientes para todos e nossos legionários teriam o que mais sonham ter, seu pedaço de terra e sua casinha. E, no entanto, marcham para destruir seu próprio sonho, para que dezesseis escravos carreguem um porco velho e gordo como eu numa liteira acolchoada. Poderias negar a verdade do que digo? 
   – Penso que, se o que dizes fosse dito em voz alta por um homem comum, no Foro, crucificá-lo-íamos. 
   – Cícero, Cícero – ri Graco –, isto é uma ameaça? Sou demasiado gordo, pesado e velho para ser crucificado. E por que ficas tão nervoso quando escutas a verdade? É necessário mentir aos outros. É necessário que tenhamos de crer nas nossas mentiras? 
   – É tal como dizes. Tu simplesmente omites a pergunta-chave: É cada homem igual a outro ou diferente do outro? Há uma inconsistência em teu pequeno discurso. Tu dás por assentado que os homens são semelhantes como as ervilhas numa vasilha. Eu não. Existe uma elite, um grupo de homens superiores. Se os deuses os fizeram desta maneira ou as circunstâncias fizeram-nos encaixar em seus papéis, isto não é algo que se deva discutir. São homens feitos para governar e, por isso, governam. E porque os demikas são como gado, comportam-se como gado Olha só: apresenta uma tese, a dificuldade é explicá-la. Apresenta uma sociedade, mas se a verdade fosse tão ilógica como teu retrato, a estrutura inteira entraria em colapso em um só dia. O que não explicas é o que mantém funcionando este quebra-cabeça ilógico. 
   – Claro que o faço – acrescenta Graco, – Eu o mantenho funcionando. 
   – Tu? Somente tu?
  – Cícero, pensas realmente que sou um idiota? Vivi uma vida longa e perigosa e continua por cima. Perguntaste-me antes o que é um político. O político é o cimento desta casa louca. O patrício não o pode fazer sozinho. Em primeiro lugar, pensa da mesma maneira que tu pensas e aos cidadãos romanos não lhes agrada que lhes digam que são gado. Não o são – coisa que algum dia aprenderás. Em segundo lugar, o patrício não sabe nada sobre os cidadãos. Se fosse deixado por sua conta, a estrutura entraria em colapso num só dia. Por isso, recorre a pessoas como eu. Não poderia viver sem pessoas como eu. Nós racionalizamos o irracional. Nós convencemos as pessoas de que deve renunciar a uma porção de sua fortuna para manter o resto. Nós somos como magos. Nós fabricamos uma ilusão e a ilusão é à prova de todos. Nós dizemos ao povo: ‘tu és poder’. Teu voto é a fonte da força e glória de Roma. Vós sois o único povo livre do mundo. Não há nada mais precioso que tua liberdade, nada mais admirável que tua civilização. ‘E tu controlas tudo; tu és o poder’. Eles, então, votam por nossos candidatos. Choram por nossas derrotas. Gozam com alegria por nossas vitórias. E se sentem orgulhosos e superiores porque não são escravos. Não importa quão baixo estejam não importa se dormem na rua, se ocupam os assentos públicos nas corridas e na arena todo dia, se matam os seus recém-nascidos, se vivem graças à caridade alheia, e nunca levantam a mão para trabalho algum, desde o seu nascimento até a sua morte, o importante é que eles não são escravos. Eles são uma porcaria, mas cada vez que veem um escravo seus egos se levantam e se sentem cheios de orgulho e poder. Então sabem que são cidadãos romanos e que o mundo inteiro sente inveja deles. E esta é a minha arte peculiar, Cícero. Jamais denigras ou desprezes um político.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Leitura de I Ching com varetas

Durante muitos anos desenvolvi a prática de leitura do I Ching com varetas, estudando textos de C. G. Jung. A partir desta prática e dos estudos, preparei uma oficina de "Leitura do I Ching com varetas".

Projeto de HistóriaS

Obtive minha formação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto em 2003 (Bacharelado e Licenciatura) e iniciei minha carreira como Professor na Rede Municipal de Ensino de São Paulo em 2010.
Neste período, desenvolvi diversos resumos e mapas mentais para auxiliar minhas aulas, nunca prontos, sempre em aprimoramento: