sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um linfoma chamado Hodgkin - III

Relatório do primeiro dia.
Entre as inúmeras surpresas que tive no decorrer do ano de 2012, esta foi uma surpresa positiva. Hoje considero toda a propaganda sobre quimioterapia enganosa. A primeira sessão de quimioterapia foi muito tranquila, até mesmo divertida. As enfermeiras Cecília e Roberta são maravilhosas, na falta de uma palavra melhor. A sessão começa com um pouco de soro, depois um medicamento para náusea e enjoo, depois seguem os quatro medicamentos do tratamento, intercalados por um pouco de soro.
No meu caso, não tive nenhuma das reações desagradáveis que tanto propagam. É fato que, cada caso é um caso. Eu me preparei com uma alimentação mais leve, muita água, e um omeoprazol logo pela manhã. A sessão durou quase 6 horas, com direito a almoço (mas eu não almocei desta vez) e muita conversa, afinal, 10 pessoas passam por aquela sala todas as manhãs, com um processo semelhante, com muitas histórias para contar. Este é um detalhe importante: todos os dias 10 pessoas passam por um processo semelhante. Não sou o único.
Levei uma sacola de piquenique, mas ela não foi tão necessária. Acabei só tomando um pouco de iogurte e água de coco, e algumas bolachas com gergelim. Teve um dos medicamentos que apelidamos de “ardida”, mas também foi sem maiores problemas. A Cecília começou com gotejação bem lenta e foi aumentando aos poucos, o que fez com que este medicamento não fosse diferente dos outros, e as etapas de soro são sempre refrescantes, até agradáveis.
Minha querida irmã, com meu incrível cunhado estavam me esperando. Sai da sessão da mesma forma que entrei. Paramos em um restaurante para almoçar e depois fizemos uma visita rápida na tia Graça, que mora na Pompeia. Foi aí que a situação ficou um pouco intranquila. Senti calafrios, cansaço, mas não cheguei a ter febre. Fizemos a viagem para Araras, aonde cheguei bastante abatido. Mas o descanso foi milagroso. Não era 8 horas da noite e eu já estava bem novamente. Sem febre, sem calafrios. Não parei de tomar líquidos durante o dia, sempre tomando água de coco e água. À noite tomei uma sopa, mas não resisti à tentação de comer um lanche junto com minha irmã e meu cunhado.
No dia seguinte acordei muito bem, tomei o omeoprazol que vai me acompanhar durante todo o tratamento e já estava tomando um comprimido de Vonau a cada 8 horas. Existe uma série de medicamentos que “ajudam” no tratamento contra os efeitos colaterais da quimioterapia, e é muito importante seguir este procedimento a risca. De resto, tive um dia cheio, fiz minha inscrição para a prova de mestrado e iniciei a leitura da biografia do Jean Genet escrita por Edmund White. A partir do terceiro dia, inicia-se uma série de cinco aplicações subcutâneas de um medicamento para reforçar o sistema imunológico, que é fortemente abalado pela quimioterapia.
Uma grande alegria para mim foi que me dei conta que tenho amigos e amigas das mais diferentes religiões e crenças, e amigos e amigas ateus também. E TODOS, sem exceção, tem sua participação e colaboração para me ajudar. Os evangélicos são os mais chatos, pois confundem Deus com igreja (embora afirmem o contrário), confundem fé com comportamento. Enfim, cada um com seu jeito de ser. Os mais divertidos são os ateus, que usam o otimismo e a alegria prática, sem recorrer a orações, embora eu acredite que pensamento positivo seja uma forma de oração. E eu, de família cristã, que sempre tive as religiões afrodescendentes como demoníacas, reconheço agora meu erro, é o mesmo Deus em suas diferentes manifestações.
Ser professor de História tem me ensinado muito neste aspecto, conhecer e transmitir estas diferentes histórias de mundo, conhecer e falar sobre diferentes culturas, tudo isto tem me mostrado que somos os mesmos seres humanos, na tentativa de construir um mundo que seja melhor, com menos violências, com menos sofrimentos, com menos miséria econômica e humana, para que as diferenças sejam motivo de admiração e não de medo, para que as diferenças sejam sinônimo de riqueza e não de miséria, de liberdade de não de controle, para que as diferenças sejam sinônimo de fraternidade, e não razão para disputas e intolerâncias.

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