Mostrando postagens com marcador o que leio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador o que leio. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Encontros e devaneios

O melhor no mundo da pesquisa é quando encontramos aquilo que não estamos procurando.

É assim que, pesquisando sobre “anarquia”, me defrontei com um anarquista cristão, Tolstói, que influenciou Gandi, e cujas ideias, ao serem usadas como dogma, deixaram de ser anárquicas para serem conservadoras, ou outra coisa qualquer – vide o filme A última estação, que nos brinda com os últimos dias na vida deste grande escritor e filósofo e também com os conflitos gerados pelas pessoas que usaram suas ideias transformadas em dogma. É por essas e outras histórias que afirmo que a anarquia está apenas no mundo das ideias, ela não existe no mundo dos homens. A única forma essencialmente anárquica que existe é o pensamento.
Mas não abandono minha intenção de criar zonas autônomas temporárias em minha vida, sempre que a vida me permite.
Foi assim que, estudando filosofia, passei a ler Clarice Lispector com outro olhar, ou melhor, outro entendimento. É incrível os elos que conseguimos estabelecer entre obras de Clarice e ideias filosóficas. É difícil afirmar se estas ideias derivaram da leitura de textos filosóficos ou se são fruto do próprio exercício da escrita de Clarice, obviamente, sem ignorar toda a sua formação, influências e vida.
Em um passo seguinte começei a pesquisar mais a obra desta escritora, textos que analisam sua obra e vida e me defrontei com mais uma descoberta inesperada: Clarice, - uma biografia de Clarice Lispector, escrita por Benjamin Moser. A grande descoberta não está na narrativa de uma vida, da vida de uma escritora, da vida de Clarice Lispector; a grande descoberta está no excelente livro de História que Benjamin Moser produziu, tendo como eixo, a vida de Clarice Lispector. Esta é uma leitura altamente recomendável, a quem gosta de Clarice, a quem nunca leu suas obras, a qualquer pessoa que goste de uma leitura agradável e consistente.
Obrigado Benjamin Moser!


(Veja também o livro Clarice, em uma edição de bolso, mais barata. Porém, para os amantes, recomendo a edição em capa dura, com link no texto acima.)

sábado, 9 de julho de 2011

Clarice Filósofa

Em setembro devo apresentar uma comunicação oral sobre Clarice Lispector no VII Colóquio 'As Margens da Filosofia', em uma mesa conduzida pela Profª Marília Mello Pisani sobre mulheres na filosofia. O Colóquio é promovido pela Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo. Ainda aguardo a aceitação de meu trabalho, mas segue aqui um resumo para quem se interessar.

Seguindo a afirmação de Friedrich Nietzsche que nos diz que o filósofo está mais próximo do poeta, mas pretende ser um cientista, queremos aproximar um texto da escritora Clarice Lispector a um texto do filósofo Jean-Jacques Rousseau. O texto de Clarice A menor mulher do mundo apresenta inúmeras referências subjetivas ao Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens de Jean-Jacques Rousseau. Podemos começar com a personagem do explorador francês Marcel Prete que assume um papel cético, sem dogmatismo ou opinião; "sentindo necessidade imediata de ordem, e de dar nome ao que existe"; "pelo menos ocupou-se em tomar notas". Temos a descrição literária da tribo de pigmeus existente "nas profundezas da África Equatorial", "que, não fosse o sonso perigo da África, seria povo alastrado", "mesmo a linguagem que a criança aprende é breve e simples, apenas essencial" e "como avanço espiritual, têm um tambor", para os quais "não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida" - muito próxima da descrição do homem selvagem do filósofo. Mais rico ainda é analisarmos os devaneios de senso comum, quando pessoas civilizadas tem contato com a descoberta da menor mulher do mundo através do "suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural", como por exemplo; a mãe que "enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro", "olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho" e "sabia que este seria um domingo em que teria de disfarçar de si mesma a ansiedade, o sonho, e milênios perdidos". Não podemos deixar de citar a análise sobre "um velho equívoco sobre a palavra amor", "que exige que seja de mim, de mim!, que se goste, e não de meu dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não ser comido, amor é achar bonito uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha". E no final do texto a escritora nos dá aquela resposta sempre aceita, arduamente questionada: "Deus sabe o que faz.".
O texto da escritora é curto, muito menor em número de palavras que o discurso do filósofo, e provocamos: será ele menos claro e distinto, menos significativo, menos verdadeiro? Onde não existe ciência, não existe verdade? Sem seguir qualquer norma ABNT, será ele menos valioso para o conhecimento do homem? Ser ou não ser não é a única questão.
(E eu, com minha subjetividade, penso que a superação da bestialidade no ser humano depende mais da arte que da ciência. Albert Einstein concordaria comigo.)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Teresa Filósofa

Segue um trecho do livro "Teresa Filósofa", precisamente, o discurso do Abade T... sobre religiões, que na edição da L&PM Pocket está nas páginas 94 a 104.
Este livro foi um dos maiores best-sellers da Europa no século XVIII e sua autoria "anônima" é atribuida a Jean Baptiste Boyer (1704-1771), o marquês d'Argens.
É uma composição de libertinagem, luxúria e filosofia, cuja necessidade de discreção para a época em que foi escrito e para os tempos atuais é claramente perceptível em cada parágrafo que contém.
A quem quiser se aventurar pelas confissões de Teresa, boa leitura!

EXAME DAS RELIGIÕES PELAS LUZES NATURAIS

- Por que então eles não são inteiramento inocentes? - disse a Sra. C... - Pois vos esforçastes em dizer que eles não ferem absolutamente o interesse da sociedade, que somos levados a isso por uma necessidade tão natural a certos temperamentos, tão carente de alívio quanto as necessidades da fome e da sede... Vós me demonstrastes muito bem que agimos somente pela vontade de Deus, que a natureza não passa de uma palavra vazia de sentido e é somente o efeito, do qual Deus é a causa. Mas da religião, o que direis? Ela nos proíbe os prazeres concupiscentes fora do casamento. Será isto ainda uma palavra vazia de sentido?
- O quê, madame? respondeu o Abade -, não vos lembrais portanto que, absolutamente, não somos livres, que todas as nossas ações são necessariamente determinadas? E se não somos livres, como podemos pecar? Mas já que quereis, entremos seriamente em matéria sobre o capítulo das religiões. Conheço a vossa discrição, a vossa prudência, e temo tanto menos me explicar quanto protesto diante de Deus pela boa-fé com que procurei separar a verdade da ilusão. Eis o resumo de meus trabalhos e de minhas reflexões sobre essa importante matéria.
"Deus é bom, digo eu. Sua bondade me assegura que, se eu procurar ardorosamente saber se é um culto verdadeiro que ele exige de mim, ele não me enganará, evidentemente chegarei a conhecer esse culto, de outra forma Deus seria injusto. Ele me deu a razão para eu me servir dela. Em que poderia melhor empregá-la?
Se um cristão de bóa-fé não quiser examinar a sua religião, por que ele quererá (assim como o exige) que um maometano de boa-fé examine a sua? Tanto um quanto outro acreditam que sua religião lhes foi revelada por Deus, um por Jesus Cristo, o outro por Maomé.
A fé somente nos vem porque homens nos disseram que Deus fez a revelação de certas verdades. Mas, da mesma forma, outros homens o disseram aos sectários das outras religiões. Em quais acreditar? Para sabê-lo, é preciso portanto examinar, pois tudo o que nos vem dos homens deve ser submetido à nossa razão.
Todos os autores das diversas religiões espalhadas sobre a terra se vangloriaram de que Deus as tinha revelado para eles. Em quais acreditar? Examinemos qual é a verdadeira. Mas como tudo é preconceito da infância e da educação, para julgar de maneira sadia, é preciso sacrificar a Deus qualquer preconceito e, em seguida, examinar com a luz da razão uma coisa da qual depende a nossa felicidade ou a nossa desgraça durante nossa vida e durante a eternidade.
Primeiramente observo que há quatro partes no mundo, que no máximo a vigésima parte de uma dessas quatro partes é católica, que todos os habitantes das outras partes dizem que adoramos um homem, o pão, que multiplicamos a Divindade, que quase todos os padres se contradisseram em seus escritos, o que prova que não estavam inspirados por Deus.
Todas as mudanças de religião, desde Adão, feitas por Moisés, por Salomão, por Jesus Cristo e, em seguida pelos padres, demonstram que essas religiões não passam de obras dos homems. Deus jamais varia! Ele é imutável.
Deus está em todo lugar. Contudo a Sagrada Escritura diz que Deus buscou Adão no paraíso terrestre: Adam, ubi es, que Deus passeou ali, que falou sobre Jó com o diabo.
A razão me diz que Deus não está sujeito a nenhuma paixão. Entretanto, no Gênese, no capítulo VI, fazem Deus dizer que se arrependeu de ter criado o homem, que a sua cólera não foi ineficaz. Deus parece tão fraco, na religião cristã, que não pode reduzir o homem ao ponto que gostaria: ele o pune pela água, em seguida pelo fogo, o homem continua o mesmo; ele envia profetas, os homens ainda são os mesmos; ele tem somente um filho único, ele o envia, contudo os homens não mudam em nada. Quantas coisas ridículas a religião cristã atribui a Deus!
Todos estão de acordo que Deus sabe o que deve acontecer durante a eternidade. Mas Deus - diz-se - somente conhece o resultado de nossas ações depois de ter previsto que abusaríamos de sua misericórdia e que cometeríamos essas mesmas ações. Desse conhecimento, todavia, resulta o fato de que Deus, fazendo-se nascer, já sabia que estaríamos infalivelmente perdidos e eternamente infelizes.
Vemos na Sagrada Escritura que Deus enviou profetas para avisar os homens e exortá-los a mudar de conduta. Ora, Deus, que sabe tudo, não ignorava que os homens não mudariam, absolutamente, de conduta. Portanto a Sagrada Escritura supõe que Deus é um ser enganador. Podem essas ideias estar de acordo com a certeza que temos da bondade infinita de Deus?
Supõe-se que Deus, que é todo-poderoso, tenha um rival perigoso no diabo que, incessantemente, mesmo contra a sua vontade, lhe tira três quartos do pequeno número de homens que ele escolheu, pelos quais seus Filho se sacrificou, sem se preocupar com o resto do gênero humano. Que lastimáveis absurdos!
Segundo a religião cristã, pecamos somente pela tentação. É o diabo - dizem - que nos tenta. Deus tinha somente que aniquilar o diabo, estaríamos todos salvos: há muita injustiça ou impostência de sua parte.
Uma porção bastante grande dos ministros da religião católica pretende que Deus nos dá mandamentos, mas sustenta que não poderíamos cumpri-los sem a graça, que Deus dá a quem lhe agrada e que, contudo, Deus pune aqueles que não o observam! Que contradição! Que impiedade monstruosa!
Existe algo tão miserável quanto dizer que Deus é vingativo, ciumento, irado, quanto ver que os católicos dirigem as suas preces aos santos, como se esses santos estivessem em todo lugar assim como Deus, como se esses santos pudessem ler nos corações dos homens e ouvi-los?
Que ridículo dizer que devemos fazer tudo para a maior glória de Deus. será que a glória de Deus pode ser aumentada pela imaginação, pelas ações dos homens? Podem eles aumentar alguma coisa Nele? Ele não se basta a si mesmo?
Como homens puderam imaginar que a Divindade achava-se mais honrada, mais satisfeita, por vê-los comer um arenque e não uma calhandra, uma sopa de cebola e não uma sopa de toucinho, um linguado e não uma perdiz, e que essa mesma Divindade os condenaria para sempre se em certos dias eles dessem preferência à sopa de toucinho?
Fracos mortais! Acreditais poder ofender a Deus! Acaso poderíeis pelo menos ofender a um rei, um príncipe, que seriam razoáveis? Eles desprezariam vossa fraqueza e vossa impotência. Anunciam-vos um Deus vingador e vos dizem que a vingança é um crime. Que contradição! Asseguram-vos que perdoar uma ofensa é uma virtude e ousam vos dizer que Deus se vinga de uma ofensa involuntária por uma eternidade de suplícios!
Se existe um Deus, há um culto. Contudo, antes da criação do mundo, devemos convir, havia um Deus e nenhum culto. Aliás, desde a criação, existem animais que não prestam nenhum culto a Deus. Se não existisse nenhum homem, sempre haveria um Deus, criaturas e nenhum culto. A mania dos homens é a de julgar ações de Deus por aquelas que lhes são próprias.
A religião cristã dá uma falsa ideia de Deus, pois a justiça humana, segundo ela, é uma emanação divina. Ora, segundo a justiça humana, somente poderíamos censurar as ações de Deus para com seu Filho, para com Adão, para com os povos à quem nunca se fez pregações, para com as crianças que morrem antes do batismo.
Segundo a religião cristã, é preciso tender para a maior perfeição. O estado de virgindade, segundo ela, é mais perfeito do que o do casamento. Ora, é evidente que a perfeição da religião religião cristã tende à destruição do gênero humano. Se os esforços, os discursos dos padres tivessem sucesso, em sessenta ou oitenta anos o gênero humano estaria destruído. Pode essa religião ser de Deus?
Existe algo de mais absurdo do que mandar padres, moonges, outras pessoas orarem por si? Julga-se Deus como se julgam reis.
Que excesso de loucura acreditar que Deus nos fez nascer para somente fazermos o que é contranatural, o que pode nos tornar infelizes nesse mundo, exigindo que recusássemos tudo o que satisfaz os sentidos, os apetites que ele nos deu! O que mais poderia fazer um tirano obstinado em nos perseguir desde o instante do nascimento até o da nossa morte?
Para ser perfeito cristão é preciso ser ignorante, acreditar cegamente, renunciar a todos os prazeres, às honras, às riquezas, abandonar os seus pais, os seus amigos, guardar a sua virgindade, numa palavra, fazer tudo o que é contrário à natureza. Contudo, essa natureza, com certeza, opera somente pela vontade de Deus. Que contradição a religião supõe num ser infinitamente justo e bom!
Uma vez que Deus é o criador e o senhor de todas as coisas, devemos utilizá-las com a finalidade para a qual Ele as criou e nos servirmos delas segundo o fim que Ele se propôs ao criá-las. Tanto que, pela razão, pelos sentimentos interiores que Ele nos deu, podemos conhecer seus desígnios e os seus objetivos e conciliá-los com o interesse da sociedade estabelecida entre os homens no país que habitamos.
O homem não é feito para ser ocioso: é preciso que ele se ocupe com alguma coisa que tenha por fim o seu próprio benefício, conciliado com o bem geral. Deus não quis somente a felicidade de alguns em particular. Ele quer a felicidade de todos. Portanto devemos nos prestar mutuamente todos os serviços possíveis, contanto que esses serviços não destruam algumas ramificações da sociedade estabelecida: é este último ponto que deve dirigir as nossas ações. Conservando-o, no que fazemos, em nosso estado, cumprimos todos os nossos deveres. O resto não passa de quimera, ilusão, preconceitos."

ORIGEM DAS RELIGIÕES

"Todas as religiões, sem nenhuma exceção, são obra dos homens. Não existe uma que não tenha tido os seus mártires, os seus pretensos milagres. O que provam mais os nossos, a mais do que os das outras religiões?
As religiões, inicialmente, foram estabelecidas pelo temor: o trovão, os temporais, os ventos, o granizo, destruíam os frutos, as sementes que alimentavam os primeiros homens espalhados na superfície da terra. A sua impotência em evitar esses acontecimentos obrigou-os a recorrer às preces para o que eles reconheciam ser mais poderoso do que eles e que acreditavam estar disposto a atormentá-los. Como consequência, homens ambiciosos, grandes gênios, políticos importantes, nascidos em séculos diferentes, em diversas regiões, tiraram partido da credulidade dos povos, anunciaram deuses, em geral estranhos, fantasiosos, tiranos, estabeleceram cultos, começaram a formar sociedades das quais pudessem se tornar os chefes, os legisladores. Eles reconheceram que, para manter essas sociedades, era necessário que cada um dos seus membros, em geral, sacrificasse as suas paixões, os seus prazeres particulares para a felicidade dos outros. Daí a necessidade de fazer considerar um equivalente de recompensas a serem esperadas e penas a serem temidas que determinassem a execução desses sacrifícios. Portanto, esses políticos imaginaram as religiões. Todas prometem recompensas e anunciam penas que levam uma grande parte dos homens a resistir à inclinação natural que têm de se apropriarem do bem, da mulher, da filha de outrem, de se vingarem, falarem mal, manchar a reputação do seu próximo a fim de tornar a sua mais proeminente."

ORIGEM DA HONRA

"Por consequência, a honra foi associada à religiões. Esse ser, tão quimérico quanto elas, tão útil à felicidade das sociedades e à de cada um em particular, foi imaginado para conter nos mesmos limites, e pelos mesmos princípios, um certo número de outros homens."

A VIDA DE UM HOMEM É COMPARADA A UM LANCE DE DADOS

"De forma alguma duvidemos disso: existe um Deus, criador e maior de tudo o que existe. Fazemos parte desse todo e somente agimos em consequência dos primeiros princípios do movimento que Deus lhe deu. Tudo é combinado e necessário, nada é produzido pelo acaso. Três dados, lançados por um jogador - levando-se em conta o arranjo de dados no seu copo, a força e o movimento dado - devem infalivelmente fazer este ou aquele ponto. O lance de dados é o quadro de todas as ações da nossa vida. Um dado empurra um outro, ao qual imprime um movimento necessário e, de movimento em movimento, fisicamente resulta um determinado ponto. Da mesma forma o homem, pelo seu primeiro movimento, por sua primeira ação, é determinado de forma invencível para uma segunda, uma terceira, etc. Pois, dizer que um homem quer uma coisa porque a quer é não dizer nada, é supor que o nada produz um efeito. É evidente que é um motivo, uma razão que o determina a querer essa coisa e, de razões em razões, que são determinadas umas pelas outras, a vontade do homem é invencivelmente obrigada a fazer estas ou aquelas ações durante o decorrer de toda a sua vida, cujo fim é o do lance de dados.
Amemos a Deus, não que ele o exija de nós, mas porque ele é soberanamente bom, e temamos somente os homens e as suas leis. Respeitemos essas leis porque elas são necessárias ao bem público, do qual cada um de nós faz parte.
Aí está, madame - acrescentou o Abade - o que minha amizade por vós me arrancou sobre o capítulo das religiões. É o fruto de vinte anos de trabalho, de vigilias e de meditações, durante os quais, de boa-fé, procurei distinguir a verdade da mentira.
Concluamos, portanto, minha cara amiga, que os prazeres que experimentamos, vós e eu, são puros, são inocentes, uma vez que não ferem nem Deus, nem os homens, pelo segredo e pela decência que empregamos em nossa conduta. Sem essas duas condições, concordo que causaríamos escândalo e que seríamos criminosos para com a sociedade: nosso exemplo poderia seduzir jovens corações, destinados por suas famílias, por suas origens, a empregos úteis ao bem público, que talvez eles negligenciassem ocupar para seguir somente a torrente dos prazeres."

A SRA. C... TENTA PERSUADIR O ABADE T... DE QUE, PARA A FELICIDADE DA SOCIEDADE, ELE DEVE COMUNICAR O SEU SABER AO PÚBLICO

- Mas - replicou a Sra. C... -, se os nossos prazeres são inocentes, como agora compreendo, por que, pelo contrário, não instruir todo mundo sobre a maneira de experimentar do mesmo gênero? Por que não comunicar o fruto que tirastes de vossas meditações metafísicas aos nossos amigos, aos nossos concidadãos, já que nada poderia contribuir mais para a sua tranquilidade e para a sua felicidade? Não me dissestes cem vezes que não há maior prazer que o de pessoas felizes?

RAZÃO QUE O ABADE T... APRESENTA PARA NÃO FAZÊ-LO

- Eu vos disse a verdade, madame - retomou o Abade. - Mas tomemos muito cuidado para não revelar aos tolos verdades que eles não sentiriam ou das quais abusariam. Elas devem ser conhecidas somente por pessoas que sabem pensar e cujas paixões estão de tal forma equilibradas entre si que eles não são subjugados por nenhuma. Essa espécie de homem e de mulheres é muito rara: de cem mil pessoas, não existem vinte que se acostumam a pensar, e dessas vinte, mal encontrareis quatro que, de fato, pensam por si mesmas ou que não sejam levadas por alguma paixão dominante. Por isso é preciso ser extremamente circunspecto sobre o gênero de verdades que hoje examinamos. Como poucas pessoas percebem a necessidade que existe de nos ocuparmos da felicidade dos nossos vizinhos para assegurar aquela que nós mesmos buscamos, devemos dar a poucas pessoas provas claras da insuficiência das religiões, que não impedem de fazer agir e de conter um grande número de homens em seus deveres e na observação das regras que, no fundo, somente são úteis ao bem da sociedade sob o véu da religião, pelo temor das penas e pela esperança das recompensas eternas que ela lhes anuncia. são esse temor e essa esperança que guiam os fracos: o número deles é grande. São a honra, o interesse público, as leis humanas que guiam as pessoas que pensam: na verdade, o seu número é bem pequeno.
Logo que o Sr. Abade T... acabou de falar, à Sra. C... agradeceu com termos que demonstravam toda a sua satisfação:
- És adorável, meu caro amigo - disse-lhe, saltando em seu pescoço. - Como estou feliz em conhecer, amar um homem que pensa de maneira tão sadia quanto tu! Esteja certo de que jamais abusarei da tua confiança e de que seguirei exatamente a solidez dos teus princípios.
...

Este texto não é um texto sobre anarquismo. Não? Não. O anarquismo vai apenas se definir no século XIX. Mas sem dúvida, aqui já se começa a enfraquecer os guilhões das tradições e, principalmente, da religião.
Apesar de seu caráter subversivo, Teresa é quase uma santa, pois só vai entregar sua virgindade ao Conde após o casamento... Bem, não há um casamento, teoricamente, mas Teresa e o Conde se isolam do mundo em um castelo; faltou apenas a frase: "E viveram felizes para sempre!". Mas foi quase isto (p 162, 163):

ELA FAZ UM RESUMO DE TUDO O QUE ELE ENCERRA

Eu vos repito, portanto, censores atrabiliários, não pensamos como queremos. A alma somente tem vontade e é determinada pelas sensações, pela matéria. ... Enfim, os reis, os príncipes, os magistrados, todos os diversos superiores, por gradações, que cumprem os deveres do seu estado, devem ser amados e respeitados porque cada um deles age para contribuir para o bem de todos.

Ou seja, um final feliz, conservador. É um texto tão conservador que todas as cenas de sexo são protagonizadas por outras personagens. Teresa apenas pratica o onanismo (maturbação, siririca, e tantos outros termos; para não ficarmos no palavriado erudito). Existem até trechos que beiram a homofobia (p 141, 142):

DISSERTAÇÃO SOBRE O GOSTO DOS AMADORES DO PECADO ANTIFÍSICO, ONDE SE PROVA QUE ELES NÃO DEVEM SER NEM LASTIMADOS, NEM CENSURADOS

Após esse belo relado, que nos provocou uma grande risada, a Bois-Laurier continuou mais ou menos nestes termos:
"Nem te falo do gosto desses monstros que o têm somente para o prazer antifísico, seja como agentes, seja como pacientes. Destes, a Itália hoje produz menos do que a França. Não sabemos que um senhor amável, rico, obstinado por esse frenesi, não pôde chegar a consumar o seu casamento com uma esposa encantadora, na primeira noite, a não ser por meio de seu criado a quem ordenou mesmo, no auge do ato, que lhe enfiasse por trás, da mesma forma que o fazia em sua mulher pela frente?
Observo, contudo, que os Senhores Antifísicos zombam de nossos insultos e defendem arduamente o seu gosto, sustentando que os seus antagonistas se conduzem somente pelos mesmos princípios que eles. 'Todos buscamos o prazer - dizem esses heréticos - pela via em que acreditamos encontrá-lo.' É o gosto que guia os nossos adversários, assim como nós. Ora, estareis de acordo que não somos senhores de ter este ou aquele gosto. Mas - dizem - quando os gostos são criminosos, quando ultrajam a natureza, é preciso rejeitá-los. Nada disso: Não existe nenhum culpado. Aliás, é falso que o antifísico seja contranatura, pois é essa mesma natureza que nos dá a inclinação para esse prazer. Mas - dizem ainda - não se pode procriar no seu semelhante. Que raciocínio lastimável! Onde estão os homens, de um gosto e do outro, que usufruem do prazer da carne visando fazer filhos?"
Enfim, continuou a Bois-Laurier, os Senhores Antifísicos alegam mil boas razões para fazerem acreditar que não deve ser censurados. De qualquer forma, eu os detesto e preciso te contar uma brincadeira bastante engraçada que fiz uma vez na minha vida com um desses execráveis inimigos de nosso sexo.

Bem; "eu os detesto", "execráveis inimigos" e a "brincadeira bastante engraçada" - que eu não achei graça alguma... - se não for o primeiro texto homofóbico na literatura, deve ser um exemplo de seus primórdios.
Mas, como o próprio livro apresenta na página 159: "Estes são os efeitos do preconceito: eles são os nossos tiranos."
São ideias, no geral, deístas (garantem a existência de Deus) e deterministas, como aparenta o trecho que escolhi para encerrar este tópico. Mas, repito, vejo nele um bom início para as ideias libertárias que se definirão no século seguinte (p 155, 156).

DEMONSTRAÇÃO SOBRE A IMPOTÊNCIA EM QUE SE ENCONTRA A ALMA PARA AGIR OU PENSAR DESTA OU DAQUELA MANEIRA

Outras vezes me explicáveis, desenvolvíeis as curtas lições que eu recebera do Sr. Abade T...:
- Ele vos ensinou - vós me dizíeis - que não somos mais senhores de pensar desta ou daquela maneira, de ter esta ou aquela vontade, do que somos senhores de ter ou não febre. De fato - acrescentáveis -, por observações claras e simples, vemos que a alma não é senhora de nada, que ela age somente em consequência das sensações e das faculdades do corpo, que as causas que podem produzir desordens nos órgãos perturbam a alma, alteram a mente; que um vaso, uma fibra, afetados no cérebro podem tornar imbecil o homem mais inteligente do mundo. Sabemos que a natureza age somente pelos caminhos mais simples, por um princípio uniforme. Ora, já que é evidente que não somos livres em certas ações, não o somos em nenhuma.
"Acrescentemos a isso que, se as almas fossem puramente espirituais, seriam todas as mesmas. Sendo todas as mesmas, se tivessem a faculdade de pensar e de querer por si mesmas, pensariam e decidiriam todas da mesma maneira em casos iguais. Ora, é exatamente o que não acontece. Portanto, elas são determinadas por alguma outra coisa, e essa alguma outra coisa somente pode ser a matéria, pois os mais crédulos conhecem somente o espírito e a matéria."

Teresa Filósofa.

- Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

ACRACIA


Acracia significa, em grego, sem governo; é sinônimo de anarquia.

Começo aqui uma série de postagens de minha pesquisa bibliográfica sobre Anarquismo, a história do Anarquismo, Anarquistas que me interessam, onde destacarei alguns textos.

Será um recorte bastante subjetivo, portanto, não me venham com críticas acadêmicas, afinal, pretendo simplesmente exercitar minha liberdade. Mas colaborações, observações e esclarecimentos serão muito bem aceitos.

Para início de conversa, começarei com alguém mais contemporâneo, cujo texto me inspira: HAKIM BEY.

Hakim Bey, o misterioso "Profeta do Caos", é citado por músicos, hackers, poetas, organizadores de raves e os chamados guerrilheiros da comunicação. E recebeu elogios entusiasmados de escritores e poetas como Allen Ginsberg e William Borroughs.

Não há fotos de Hakim Bey. Milhares de histórias a respeito de quem seria ele correm soltas pela internet. A mais frequente diz que Hakim Bey teria sido um poeta em algum lugar no norte da Índia, que por questões políticas teria sido obrigado a fugir para a Inglaterra e depois, por causa do envolvimento em uma ação terrorista, teria fugido para Nova York.

A informação mais segura diz que ele viveu muito tempo no Irã, mas fazendo o quê é um mistério. Quando a Time tentou entrevistá-lo, ele se recusou e passou um tempo desaparecido.

Cogita-se até que Hakim Bey seja Peter Lamborn Wilson (ou vice-versa).

Os conceitos lançados por Bey tornam-se cada vez mais difundidos no universo do ativismo radical de esquerda. Principalmente o conceito de 'Zona Autônoma Temporária - TAZ' (de Temporary Autonomous Zone) que é a ideia de combater o Poder criando espaços (virtuais ou não) de liberdade que surjam e desapareçam o tempo todo. Hakim Bey cruza as referências mais inesperadas; da filosofia sufi aos situacionistas franceses, de Nietzsche aos dadaístas. E vai buscar precedentes para a 'TAZ' entre os piratas dos séculos XVI e XVII, nos quilombos negros da América e nas efêmeras repúblicas libertárias do início do século XX.

Terrorismo Poético, Paganismo, Arte-Sabotagem, Misticismo, Pornografia, Crime. Estes são apenas alguns dos "pretextos" dos quais Bey parte para nos desafiar com sua linguagem delirante, brutal, absurda por vezes. "Dadaismo/Surrealismo linha-dura", como bem observou um crítico. A linguagem do desejo.

Segue abaixo os livros de Hakim Bey (e Peter Lamborn Wilson), publicados no Brasil, aos quais tive acesso.

TAZ - Zona Autônoma Temporária. É um clássico de nosso tempo e para muitos é o texto mais subversivo surgido no final do século XX.

- São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2001. Coleção Baderna.

CAOS - Terrorismo poético e outrao crimes. Não há como passar imune pela prosa/poesia deste livro. E não espere ideias prontas, lugares-comuns e ortodoxia de qualquer espécie. Não se pode pretender um manual de alívio de consciência de alguém que une coisas tão distintas como Artaud, Bakunin, Nietzsche, Situacionismo, Filosofia Sufi e heresias de todas as ordens. E aqueles que consideram Hakim Bey um filósofo político, um mero artífice de cartilhas doutrinárias, fujam deste livro: o autor se levanta contra aquilo que chama de masoquismo revolucionário e de auto-sacrifício idealista, além de atacar/perverter toda tradição da esquerda ocidental. Do Caos e para o Caos, ergue o que ele chama de Associação para a Anarquia Ontológica.

Definitivamente, este não é um livro para espíritos conservadores.

- São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. Coleção Baderna.

Utopias Piratas - mouros, hereges e renegados. Na primeira metade o século XVII, em prela costa da Barbária, no Marrocos, norte da África, a república pirata de Rabat-Salé forjou um sistema político e social estranho ao seu tempo. Próxima de portos corsários mais conhecidos, como Túnis, Trípoli e Argel, essa comunidade ensaiou, por cerca de cinquenta anos, uma forma de convivência oportunista, sensual, e bastante funcional.

Uma comunidade que seria descrita em relatos europeus como "domicílio de vilões, antro de ladrões, lar de piratas, ponto de encontro de renegados, matadouro de crueldade bárbara e barbárie selvagem, perdição e vergonha para frotas mercantes e mercadorias, e uma miserável masmorra sombria para cativos cristãos" - ou "democracia por assassinato".

A isso tudo, os estudos de Peter Lamborn Wilson (ou Hakim Bey?) indicam que talvez poderia ser acrescentado, em termos mais atuais, point gay e de maconheiros, além de refúgio para misticos sufis, "irresistíveis" mouras, rebeldes irlandeses, judeus hereges, náufragos, escravos fugitivos e espiões britânicos.

Enquanto os corsários muçulmanos devastavam as frotas européias e faziam milhares de escravos, do século XVI ao XIX, outros milhares de europeus também se convertiam voluntariamente ao Islã, e se juntavam ao surpreendente modo de vida pirata.

Teria sido essa utopia um acidente histórico, ou a própria semente da democracia, precursora do ímpeto insurrecional que, a partir de 1640, emergiu na Inglaterra, e depois na América e na França? Ou o elo perdido entre a república, tal como foi vislumbrada pelos gregos, e a moderna democracia? O que os marinheiros, o proletariado do século XVII, teriam invejado e aprendido com a liberdade dos corsários e renegados?

- São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2001.

Para livros usados, esgotados ou fora de catálogo, acesse:
Estante Virtual

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Com lágrimas e risos...

Depois de um longo tempo sem postar nada, mas com mil novidades permeando minha vida; hoje eu tenho que parar para escrever mais um pouco sobre este ser que vive em mim.
Comprei e li, entre lágrimas e risos, "Em alguma parte alguma", de Ferreira Gullar.
No metrô devem ter me achado um louco (sem equívoco). Em algumas páginas lágrimas, na seguinte risos.
Há muito tempo que eu não lia poesias... minto, nem tanto tempo assim: "Dias de Colecionar Borboletas", de José Carlos Honório... outro momento de deliciosa fuga.
Enquanto "Dias de Colecionar Borboletas" ecoou neste coração vazio, "Em alguma parte alguma" tocou meu corpo todo; desde a rigidez de meus ossos até a mais tênue sinapse em meu cérebro.
Dois livros para se ter na cabeceira da cama, para se carregar na mochila. Livros necessários quando precisamos gritar para nós mesmos que sim, há vida!
Segue uma migalha para provocar desejos:

OFF PRICE (p 35)

Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado

e que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Não espere pelo aniversário...

Em alguns dias completarei 45 anos de Vida. Estou no afamado inferno astral. Riso. Bem dizendo, venho em um processo infernal desde 2007.
Um estudo de minha biografia pelo viés da Antroposofia (ver “Tomar a Vida nas Próprias Mãos”, de Gudrun Burkhard) apresenta este momento como o de uma virada para dentro de mim, de um olhar mais introspectivo, de uma necessária ausência do mundo em virtude de uma busca do significado de minha presença no mundo. Talvez as sucessivas perdas sejam um sintoma deste processo para que meu foco e minha força estejam mais no que sou, no que vivo, do que naquilo que adquiri, incluindo no que adquiri todos os diplomas e livros.
Tenho pensado na comemoração de meus 45 anos já há algum tempo. Com certeza será uma comemoração memorável pelo simples fato de haver muito há ser lembrado. E como citamos o ser transcendente, não podemos ignorar as sincronias.


“Não espere pelo epitáfio...” é um livro que eu conhecia pela fama, mas nunca o havia lido. Seu autor é Mário Sergio Cortella, filósofo.

Foi um prazer imenso desvendar este livro neste momento. Para quem, como eu, está agarrado às inquietações sobre Deus, sobre Vida, sobre homens convivendo em pretensa harmonia, sobre ideais e realidades cruas, “Não espere pelo epitáfio...” traz os anjos que acalentaram Jesus depois da tentação.
É muito bom curtir estes momentos que complementam meus 45 anos com as frases e referências que Mário (me permitam chamá-lo pelo primeiro nome) nos brinda:
pg 16; Radicalidade é uma virtude, o vício está na superficialidade.
pg 20; O lado mais positivo disso tudo é a comemoração e o revigorar da esperança; comemorar significa “memorar junto”, lembrar com outros.
pg 24; de Mário Quintana: “Todos esses que aí estão / atravancando meu caminho, / eles passarão... / eu passarinho!”
pg 44; de Carlos Drummond de Andrade, expresso no poema Memória: “Pois as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão.”
pg 49; do mineiro Ari Barroso; “creia, toda quimera se esfuma, como a brancura da espuma que se desmancha na areia...”
pg 55; de Pedro Nava; “Eu não tenho ódio; eu tenho é memória”.
pg 57; Nosotros!
Suspiro; palavra/ato que nunca me faltará; pelo mistério do simples. (pg 61)
E pelo livro adentro... lindo, mágico, resgata de dentro de nós o que de nós é humanamente mais belo.
Refocilar hei, Mário, refocilar hei! (pg 73)
E vou assim, virando cada página, vivendo cada dia, ocasionalmente escrevendo algumas palavras até o fina, pois “um sentimento pode ser superficial, mas não mentiroso (pg 154, de Koestler).
pg 158; Você corta um verso? Eu escrevo outro... Você me prende vivo? Eu escapo morto... De repente... olha eu de novo.

PS1: pg 116, de Rousseau; “quem cora já está culpado; a verdadeira inocência não tem vergonha de nada”.
PS2: pg 117, de Pasolini – “pecar não é praticar o mal; o verdadeiro pecado é não fazer o bem”.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

SEDA - Alessandro Baricco

39 (pg 73)
...
- Mas você não sabe por que Jean Berbek parou de falar? - perguntou-lhe.
- Essa é uma das muitas coisas que ele jamais disse.
Os anos tinham passado, mas ainda havia quadros pendurados nas paredes e panelas no escorredor, ao lado da pia. Aquilo não era nada alegre, e Baldabiou bem que gostaria de ir embora. Mas Hervé Joncour continuava a olhar fascinado para aquelas paredes bolorentas e mortas. era evidente: buscava algo, lá.
- Talvez seja porque a vida, às vezes, se apresenta de uma maneira tal que não há mais nada a dizer.
Disse.
- Mais nada, para sempre.
Baldabiou não era talhado para assuntos sérios. Fitava a cama de Jean Berbeck.
- Talvez qualquer um emudecesse, numa casa tão horripilante.
Hervé Joncour continuava a viver retirado, indo pouco à cidade, e passava o tempo trabalhando no projeto do parque que cedo ou tarde construiria. Enchia folhas e mais folhas com desenhos estranhos que pareciam máquinas. Uma noite Hèlene lhe perguntou
- O que são?
- Um viveiro.
- Um viveiro?
- Sim.
- E para que serve?
Hervé Joncour mantinha os olhos fixos nos desenhos.
- Você o enche de pássaros, tantos quanto puder, e depois, um dia em que lhe acontece alguma coisa boa, você o escancara, e os vê sair voando.
- o -
Em resumo, um livro mágico, como poucos, que nos remetem a universos para de apenas lê-los.
Existem capítulos de apenas uma frase que nos remetem a profundos diálogos.
Enfim, melhor que comentá-lo é lê-lo, mais uma vez. E isto é fácil, lê-se em poucas horas de imenso prazer!
Não perca esta oportunidade.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O Inimigo no meu Quarto

de Yoram Yovell. Editora Record, 2008. Compre "O Inimigo dentro de mim" aqui!
Estamos ou continuamos em uma onda de livros cujo assunto é a psicanálise. O primeiro que li, há muitos anos atrás, foi o primeiro livro de Oliver Sacks publicado no Brasil: "Um Antropólogo em Marte". Oliver Sacks é um neurocirurgião e nos apresenta as histórias de seus pacientes; pessoas que tiveram algum tipo de lesão ou distúrbio no cérebro e cujas vidas foram imensamente afetadas por tais circunstâncias. Como neurocirurgião, o autor deste livro e de outros semelhantes apresenta como seus pacientes reagiram a um problema concreto e irreversível, como estes pacientes transformaram em diversidade algo que poderia ser encarado como limitação. Foi uma leitura muitressante e gostosa. Compre "Um Antropólogo em Marte" aqui! Recentemente tivemos outro best seller; Irvin D. Yalom, que entre inúmeros livros publicados vou destacar "Quando Nietzsche Chorou" e "A Cura de Schopenhauer". Infelizmente ainda não li nenhum livro deste autor mas, referenciado por Yoram Yovell e muitos leitores, sei que Yalom trabalha mais, e muito bem, no formato de romance. Ele romantiza a história do surgimento da Psicanálise tendo Freud como personagem no livro "Quando Nietzsche Chorou". Assim, enquanto Oliver Sacks é mais descritivo, narrando os casos com os quais teve contato, Yalom escreve romances baseados em sua experiência como psicanalista.
Mas tudo isto foi escrito para introduzir um novo nome: Yoram Yovell. Acabo de ler "O Inimigo no meu Quarto" e fiquei admirado. Além da narrativa emocionante Yoram é profundamente didático. Ele divide as narrativas em três aspectos: psicanálise (a palavra), psiquiatria (o medicamento) e neurociência (a biologia). Em cada caso descrito ele aborda a terapia utilizada, seu surgimento, desenvolvimento e resultados obtidos no caso em particular. É uma leitura para os leigos entenderem um pouco sobre o universo psicanalítico e para os estudiosos apreenderem experiências marcantes e esclarecedoras. Enfim, mais um livro para ficar na cabeceira da cama, e não na estante. A quem interesse, boa leitura!

Hermann Hesse

Pois é. Existe um grupo de pessoas que fala muito mal dos livros que Paulo Coelho escreve... eu concordo com este grupo! E eu não fiz como José Saramago. Eu li Paulo Coelho. Comecei com "O Alquimista", depois li "Diário de um Mago". Quando comecei a ler "Brida" fiquei em dúvida... será que o alquimista ou o mago teriam feito uma cirurgia de resignação sexual? A história se repetia, as frases apenas trocavam os adjetivos, as personagens apenas reencarnavam com outro nome, para viver o mesmo processo... Houve um dia em que eu estava conversando com um novo amigo e ele dizia algumas frases de efeito, me pareciam conhecidas... arrisquei: - É Paulo Coelho? Ele ficou feliz e animadamente me perguntou: - Você também gosta de Paulo Coelho? Suspiro. A decepção foi mutua, mas a amizade continuou! Eu nunca havia falado mal do Paulo Coelho, respeitava sua "penetração" no mercado, afinal, muitas pessoas estavam lendo seus livros. Eu havia lido "Sidarta" muito tempo antes do mago aparecer, até que li uma entrevista com Paulo Coelho nas páginas amarelas da revista Veja. Quando? Nem lembro. Faz tempo. Pois Paulo Coelho teve a petulância dizer, sobre "Sidarta", que uma história que termina com um homem olhando para um rio não lhe diz nada... Paulo Coelho deve ter lido "Sidarta" no Reader´s Digest. Me desculpem os leitores de Paulo Coelho espalhados pelo mundo, mas ele tem muito o que aprender com Hermann Hesse.
Bem, Hermann Hesse. O que eu li? "Lobo da Estepe", livro referência para jovens na década de 1960, "Demian", "Gertrud", "Knulp" (meu preferido), "Narciso e Goldmund" e o último escrito por ele, "O Jogo das Contas de Vidro". Todos dignos de permanecerem na cabeceira da cama ou correrem mundo na mão dos amigos! É uma injustiça manter um livro do Hermann Hesse na prateleira, distante de olhos e mentes humanas. Mas não precisamos comparar Paulo Coelho com o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1946, podemos simplesmente compará-lo a Alberto Vasquez-Figueroa, autor de "Tuareg", onde qualquer semelhança com, por exemplo, "Diário de um Mago", também será mera influência positiva.