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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Indiferença



Travesti assassinada em Simões Filho, Bahia, em 4/8/2010.


     Em 1934, na Alemanha nazista, Martin Niemöller era um pastor luterano e acreditava ainda que poderia discutir com os novos donos do poder. Numa recepção na Chancelaria em Berlim, ele contestou Hitler, que queria eximir a Igreja de toda responsabilidade pelas questões "terrenas" do povo alemão:
   "Ele me estendeu a mão e eu aproveitei a oportunidade. Segurei a sua mão fortemente e disse: 'Sr. Chanceler, o senhor disse que devemos deixar em suas mãos o povo alemão, mas a responsabilidade pelo nosso povo foi posta na nossa consciência por alguém inteiramente diferente'. Então, ele puxou a sua mão, dirigindo-se ao próximo e não disse mais nenhuma palavra."
     Logo depois deste encontro Martin Niemöller foi preso. Hitler enviou o pastor como seu "prisioneiro pessoal" para um campo de concentração. Até o fim da guerra, durante mais de sete anos, permaneceu preso – inicialmente, no campo de concentração de Sachsenhaysen, depois no de Dachau. Niemöller é o autor de uma célebre citação: “E Não Sobrou Ninguém” tratando sobre o significado do Nazismo na Alemanha:
   "Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse."
     Existe um poema chamado “Indiferença” que é atribuído a Bertold Brecht, mas na verdade é uma das muitas versões desta citação de Martin Niemöller:

Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afetou
Porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.


     No Brasil também tivemos uma variação deste poema, escrita por Eduardo Alves da Costa. Este poema se chama “No caminho com Maiakóvisky”, o que também gerou bastante confusão em relação à sua origem: 

“Na primeira noite eles se aproximam
E roubam uma flor
Do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem
Pisam as flores
Matam nosso cão
E não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a luz, e,
Conhecendo nosso medo,
Aranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.


     Estou postando estes textos para lembrar a importância de questionarmos um comentário infeliz como o de Danilo Gentilli. Concordo com o fato de que todas as formas de violência devem ser combatidas, mas enquanto ignorarmos que existe grupos de pessoas que sofrem mais violência do que outras, enquanto não identificarmos estes grupos e a origem destas diferentes formas de violência, e não dermos destaque ao que está acontecendo, estaremos apenas repetindo a mesma história que ocorreu na Alemanha com o pastor luterano Martin Niemöller, e quando a violência invadir nossa casa, talvez já não possamos dizer nada.


Igor Xavier, bailarino e coreógrafo, assassinado em 1/3/2002.

sábado, 10 de março de 2012

Elucubrações bêbadas!!!


Não me pergunte o que eu tenho a lhe dizer
Ouça Louça Louc@
o que você diz a si mesm@!
- Ninguém possui a resposta que te pertence.
Ao final, é ela que te pertence
pelo menos, ou, ao menos,
talvez seja tudo o que te/nos reste.
Papéis avulsos, paridos, párias
na mesa de qualquer
um
bar
qualquer.
só possível pela presença + pré-sensa + de todos em mim.
Pois, ao final, eu não quero falar sobre ou para obter, o que seja, sexo,
pois o desejo: realidade, mesmo, é fantasia
e meu grito é silêncio!
com ponto de ex-clama-ação
ou inter+roga+(qualquer)ação
e enfim, apenas um ponto. final
além dos nós em mim.

O artista não precisa,
e quando pode, vira mercadoria.

sábado, 26 de novembro de 2011

A verdadeira logo dos partidos:




Kassab, Alkmin e Anastasia... ou, como prefiro chamá-los: Kussab, Aikmin e Anestesia - autoritários e mentirosos - estão destruindo o sistema de ensino em São Paulo e Minas Gerais.
E o falecido Partido Comunista, utilizando a mesma tática de Hitler para ganhar eleições e "depois" aplicar o comunismo... lorota feita. Querem o Netinho como prefeito de São Paulo!!! SOCORRO!!!
São todos partidos neo-liberais peçonhentos, corruptos e que enganam a população para estabelecerem seus privilégios.

domingo, 17 de julho de 2011

Tolstoi: Anarquista? Cristão!

Não pensem que abandonei meus estudos sobre Anarquia, muito pelo contrário, minhas ideias estão mais acraciadas do que nunca.

Quando falo sobre Clarice Lispector, não estou distante da anarquia. Clarice foi uma escritora que não se vinculou a qualquer tradição literária, embora muitos estudiosos tentem enquadrá-la através de suas críticas e análises. Eu prefiro sintetizar suas obras, acrescentar a elas minhas leituras e interpretações. Ao começar a tentar escrever um ensaio sobre ela encontrei mais de 430 trabalhos acadêmicos já “defendidos” no site da CAPES. Clarice foi analisada por estudiosos das mais diversas áreas, em seus aspectos não apenas literários, mas também filosóficos e místicos, ou qualquer outra faceta que se queira observar. Vale lembrar que o conto “O ovo e a galinha” foi apresentado pela própria autora no primeiro Congresso Mundial de Bruxaria. É preciso dizer algo mais?

Mas o assunto desta postagem é outro grande escritor: Leon Tolstoi.
Tolstoi é mundialmente famoso por seus romances: Guerra e Paz publicado em 1868 e Anna Karienina publicado em 1875. Mas vamos falar aqui do segundo período da vida deste escritor; após uma violenta crise espiritual pela qual passou ao completar 50 anos (1878) e que é apresentada no livro Minha Confissão de 1882. Poucas pessoas sabem sobre seus debates com filósofos e teólogos da época, e que é no meio do povo pobre que ele dá-se conta do que é na verdade a fé para essa gente; que a fé não é um assunto de conversas inconsequentes, mas uma questão vital, e é isso que provoca sua “conversão”.

O Reino de Deus está em Vós é considerada a obra máxima de Tolstoi deste período e lhe tomou três anos para completá-la (1890-1893), justamente no momento em que ele chegava ao cume de sua maturidade intelectual – 65 anos de idade. A dificuldade na execução desta obra não está apenas no tema abordado, mas também no fato de ter que andar por toda a parte organizando refeitórios populares para ajudar os pobres a vencer a terrível crise de 1891, o que mostra seu verdadeiro comprometimento com suas ideias.

Apesar de atualmente esta obra ser praticamente ignorada, logo após sua publicação ela foi traduzida nas principais línguas europeias e um de seus leitores mais notórios foi Gandhi, que leu o trabalho em inglês em 1894. Gandhi se encontrava então em uma crise de ceticismo e dúvida e, como ele mesmo conta; “a leitura do livro me curou do ceticismo e fez de mim um firme seguidor da ahimsa”.
A-himsa é o pensamento puro da Índia, inspirado pelo amor universal. Himsa significa querer matar, querer prejudicar. A-himsa é a renúncia de toda intenção de morte ou dano ocasionado pela violência. Gandhi leva este livro consigo para a prisão em 1908 e declara que Tolstoi era o “maior apóstolo da não-violência” e o homem “mais autêntico de seu tempo”.
Depois das primeiras reações contraditórias – aplausos de um lado e vetado pelo regime czarista, além de seu autor ter sido excomungado pela igreja ortodoxa, pois Tolstoi recusa radicalmente as ideias de Estado e de Igreja, considerando estas duas instituições como essencialmente opressoras do povo – a opinião pública internacional relegou esta obra ao esquecimento. Entre nós, mais que de esquecimento, devemos falar mesmo de falta de conhecimento, pois conhecemos apenas o Tolstoi romancista, contista ou novelista.

O que Tolstoi sustenta em todo o livro é a validade social do preceito de Cristo no Sermão da Montanha: “Não resistais ao mal” (Mateus 5:39). O sentido que Tolstoi defende é: não resistais ao mal com o mal, ou seja, não responder à violência com a violência, ele não aceita a máxima jurídica comumente aceita: vim vi repellere (repelir violência com violência). A violência jamais pode ser legitimada apelando para o direito de “legitima defesa”, porque a violência é sempre um mal, e não se pode responder ao mal com o mal, e isso vale tanto para o cristão como para um cidadão qualquer.

Mas também não se trata de o indivíduo permanecer passivo frente ao mal ou à violência, mas de responder a ela pela não-violência: a bondade, a mansidão e a caridade. Os preceitos do Sermão da Montanha, no caso a não-violência, são realmente imperativos. Não se trata de leis morais ou regras jurídicas fixas que devam ser aplicadas mecanicamente. São indicações de um ideal, apelos éticos, “via de perfeição infinita”. São exigências morais absolutas, que têm a força de pôr em movimento a relatividade do agir humano concreto. Têm um caráter assintótico: aproximam da perfeição divina, sem nunca chegar a atingi-la, mas movem a vontade naquela direção. Manifestam a essência da alma humana, e por isso vale para cada um e para toda sociedade. Tolstoi usa uma bela comparação com um barqueiro, que, para chegar à outra margem de um rio rápido, não pode se dirigir em linha reta, mas deve remar contra a corrente.

A não-violência tolstoiana se exprime na não-cooperação, na desobediência civil e particularmente no repúdio ativo a toda a servilidade. Tolstoi sabe que o poder se alimenta da aceitação e do consenso; pior: da obediência cega e da submissão. A ética de Tolstoi é radicalmente libertária; a liberdade é um atributo inalienável e definitório do ser humano. Para isso apresenta no frontispício do livro, uma citação de Paulo na I carta aos Coríntios 7:23: “Não vos torneis servos dos homens”. Também não acredita nos efeitos libertadores de uma revolução violenta, mesmo de tipo popular. Considera politicamente inviável devido à complexidade e a potência do Estado moderno; e ineficaz, pois instaura uma opressão mais cruel que a anterior, como se verificou no regime de Goulag.

Pode-se afirmar um amadurecimento da consciência moral da humanidade, porque a violência se mostra cada vez mais ineficaz para resolver os conflitos sociais, tanto no interior das nações como nas relações internacionais. Retomando uma distinção de Kant, é possível constatar certo progresso em termos de legalidade (no nível dos princípios), embora não necessariamente em termos da moralidade (no nível das práticas). Frente à complexidade dos Estados e das sociedades modernas, a violência não funciona mais.

A defesa intransigente da não-violência vai junto com a deslegitimização do Estado, que para Tolstoi é a violência encarnada; não só um Estado autocrático, mas todo Estado, inclusive o democrático, onde a violência apenas deixaria de ser concentrada para ser mais difusa.
Para Tolstoi o exército existe para subjugar o povo em benefício de uma minoria, é o sustentáculo da tirania, sua função é matar. Sendo a vida um valor absoluto, não existem mortes legítimas, por isso, mandando matar, o exército transforma o soldado em um carrasco. Assim, o serviço militar deve ser condenado sem remissão pois trata-se nada menos do que uma preparação ou exercício para o assassinato, é uma forma especiosa de autotirania. Tolstoi chega a prever profeticamente o horror de um conflito mundial, que efetivamente irrompeu com a Primeira Grande Guerra.

A igreja é outro sustentáculo da violência paraTolstoi, não apenas esta ou aquela igreja concreta, mas a ideia mesma de igreja. As igrejas seriam fundamentalmente anticristãs, e se nelas se encontram pessoas boas, isso se deveria à própria virtude dessas pessoas e não à sua pertença à igreja. Todo o rico sistema simbólico da igreja é atacado como meio para “hipnotizar”, impressionar e adormecer a consciência do povo. As igrejas têm que escolher entre o Evangelho e o Dogma. Está convencido de que chegou a hora de entender e assimilar o cristianismo em sua forma pura, porque até hoje os cristãos não teriam compreendido sua verdadeira essência.

Tolstoi seria, por tudo isso, um anarquista? Ele confessa: “Não sou anarquista, sou cristão.” Acrescenta que os adeptos da não-violência são muito mais perigosos para o Estado do que quaisquer pretensos revolucionários, sejam socialistas, comunistas ou anarquistas. Pois o Estado sabe muito bem tratar com estes, que jogam pelas mesmas regras, mas já não sabe como se haver com os adeptos da não-violência, que se situam num campo onde o Estado já está de antemão derrotado.

Infelizmente, até mesmo as ideias de Tolstoi foram transformadas em dogmas e utilizadas de forma humana para exercício de controle e poder por seus seguidores; nada de novo na história do homem sobre a Terra. Para os que não gostam de ler, existe um excelente filme: A Última Estação, que traça os últimos momentos da vida deste grande escritor e filósofo, ilustrando não apenas suas ideias, mas também os conflitos e sofrimentos gerados por seus seguidores.

Pode-se então perguntar se esta visão é realista, se não é meramente utópica. Existem conflitos na sociedade e é preciso manter certa ordem social. Tolstoi acha que para isso não se precisa de um Estado, mas de uma sociedade civil madura, acredita na força da consciência moral, que chama de “opinião pública”. Mesmo assim, pode-se perguntar se e possível algum dia na sociedade prescindir de um órgão central de coordenação e direção, especialmente para as nossas sociedades complexas. Todavia, da provocação de Tolstoi podemos extrair seu núcleo positivo: Não se trata de o Estado se ocupar cada vez mais da “administração das coisas” e cada vez menos do “governo dos homens”? A função “política” do Estado não deve se reduzir aos limites mínimos possíveis? Nessa linha não seria perfeitamente pensável e desejável a superação gradual do sistema repressivo-defensivo?

Enfim, segue firme meus nossos sonhos e anseios por um mundo de paz, com menos miséria e injustiça.


(PS.: este texto é um resumo da apresentação feita pelo Fr. Clodovis Boff na segunda edição de O Reino de Deus está em Vós editado pela Rosa dos Tempos em 1994.)

Para comprar: O Reino de Deus está em Vós. (edição de bolso). Best Bolso, 2011.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Encontros e devaneios

O melhor no mundo da pesquisa é quando encontramos aquilo que não estamos procurando.

É assim que, pesquisando sobre “anarquia”, me defrontei com um anarquista cristão, Tolstói, que influenciou Gandi, e cujas ideias, ao serem usadas como dogma, deixaram de ser anárquicas para serem conservadoras, ou outra coisa qualquer – vide o filme A última estação, que nos brinda com os últimos dias na vida deste grande escritor e filósofo e também com os conflitos gerados pelas pessoas que usaram suas ideias transformadas em dogma. É por essas e outras histórias que afirmo que a anarquia está apenas no mundo das ideias, ela não existe no mundo dos homens. A única forma essencialmente anárquica que existe é o pensamento.
Mas não abandono minha intenção de criar zonas autônomas temporárias em minha vida, sempre que a vida me permite.
Foi assim que, estudando filosofia, passei a ler Clarice Lispector com outro olhar, ou melhor, outro entendimento. É incrível os elos que conseguimos estabelecer entre obras de Clarice e ideias filosóficas. É difícil afirmar se estas ideias derivaram da leitura de textos filosóficos ou se são fruto do próprio exercício da escrita de Clarice, obviamente, sem ignorar toda a sua formação, influências e vida.
Em um passo seguinte começei a pesquisar mais a obra desta escritora, textos que analisam sua obra e vida e me defrontei com mais uma descoberta inesperada: Clarice, - uma biografia de Clarice Lispector, escrita por Benjamin Moser. A grande descoberta não está na narrativa de uma vida, da vida de uma escritora, da vida de Clarice Lispector; a grande descoberta está no excelente livro de História que Benjamin Moser produziu, tendo como eixo, a vida de Clarice Lispector. Esta é uma leitura altamente recomendável, a quem gosta de Clarice, a quem nunca leu suas obras, a qualquer pessoa que goste de uma leitura agradável e consistente.
Obrigado Benjamin Moser!


(Veja também o livro Clarice, em uma edição de bolso, mais barata. Porém, para os amantes, recomendo a edição em capa dura, com link no texto acima.)

sábado, 9 de julho de 2011

Clarice Filósofa

Em setembro devo apresentar uma comunicação oral sobre Clarice Lispector no VII Colóquio 'As Margens da Filosofia', em uma mesa conduzida pela Profª Marília Mello Pisani sobre mulheres na filosofia. O Colóquio é promovido pela Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo. Ainda aguardo a aceitação de meu trabalho, mas segue aqui um resumo para quem se interessar.

Seguindo a afirmação de Friedrich Nietzsche que nos diz que o filósofo está mais próximo do poeta, mas pretende ser um cientista, queremos aproximar um texto da escritora Clarice Lispector a um texto do filósofo Jean-Jacques Rousseau. O texto de Clarice A menor mulher do mundo apresenta inúmeras referências subjetivas ao Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens de Jean-Jacques Rousseau. Podemos começar com a personagem do explorador francês Marcel Prete que assume um papel cético, sem dogmatismo ou opinião; "sentindo necessidade imediata de ordem, e de dar nome ao que existe"; "pelo menos ocupou-se em tomar notas". Temos a descrição literária da tribo de pigmeus existente "nas profundezas da África Equatorial", "que, não fosse o sonso perigo da África, seria povo alastrado", "mesmo a linguagem que a criança aprende é breve e simples, apenas essencial" e "como avanço espiritual, têm um tambor", para os quais "não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida" - muito próxima da descrição do homem selvagem do filósofo. Mais rico ainda é analisarmos os devaneios de senso comum, quando pessoas civilizadas tem contato com a descoberta da menor mulher do mundo através do "suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural", como por exemplo; a mãe que "enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro", "olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho" e "sabia que este seria um domingo em que teria de disfarçar de si mesma a ansiedade, o sonho, e milênios perdidos". Não podemos deixar de citar a análise sobre "um velho equívoco sobre a palavra amor", "que exige que seja de mim, de mim!, que se goste, e não de meu dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não ser comido, amor é achar bonito uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha". E no final do texto a escritora nos dá aquela resposta sempre aceita, arduamente questionada: "Deus sabe o que faz.".
O texto da escritora é curto, muito menor em número de palavras que o discurso do filósofo, e provocamos: será ele menos claro e distinto, menos significativo, menos verdadeiro? Onde não existe ciência, não existe verdade? Sem seguir qualquer norma ABNT, será ele menos valioso para o conhecimento do homem? Ser ou não ser não é a única questão.
(E eu, com minha subjetividade, penso que a superação da bestialidade no ser humano depende mais da arte que da ciência. Albert Einstein concordaria comigo.)

domingo, 3 de abril de 2011

Grandes ações para pequenos grupos

"Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis."
Bertold Brecht

Hoje estive em um protesto contra a mediocridade de Jair Bolsanaro.
Foi legal! Poucas pessoas, não mais que 30, outros tantos que ficaram um pouco e se foram e mais outro tanto que esteve só de passagem.
Apesar do número pequeno dos que ficaram, foi lindo perceber a grandeza de cada uma das pessoas que estavam ali, mesmo com chuva, dispostos a fazer sua parte.
É pensando neles e aproveitando o que conheço de Hakim Bey (Zona Autônoma Temporária), do Teatro Invisível de Augusto Boal e do trabalho de minha imprescincível amiga Nina Caetano (www.obscenica.blogspot.com) que resolvi propor possíveis ações para grupos pequenos (10 a 50, ou menos):
1. Pequenas Paradas. No lugar das grandes e festivas paradas gays, pode-se, com um pequeno grupo, fazer uma caminhada com "pequenas paradas". Por exemplo: caminhando pela Av. Paulista, uma primeira parada no Conjunto Nacional, um manifesto, um apitaço, uma intervenção cênica, uma ciranda...; caminha-se mais um pouco, até o vão do MASP, outra parada, repete-se o manifesto; caminha-se um pouco mais, até a Casa das Rosas, nova parada, novo manifesto... Centro Cultural São Paulo, nova parada, novo manifesto. Em outro momento a caminhada com paradas pode ser no centro da cidade, shoppings, outros bairros, em qualquer cidade.
1a. Parada com ciranda: levar um aparelho de som, tipo hip-hop, colocar uma ciranda e cirandar. Adereços, camisetas, cartazes e faixas são necessários para explicitar a ideia. A ciranda permite que pessoas que estejam passando pelo local participem da festa e demonstrem seu apoio, sem a necessidade de compromisso com a continuidade do evento.
1b. Parada com ciranda e beijaço no centro da roda: a mesma proposta, mas no centro da ciranda pode-se estar 3 casais; um hetero, um de meninos, um de meninas; misturando cores: negros, mulatos, brancos, índios, orientais, transexuais; um círculo ying, yang, yamp!!!
1c. Parada com ciranda e cena de intervenção: a mesma proposta, mas aproveita-se o centro da ciranda para a apresentação de uma cena rápida, um fato ocorrido, uma cena de violência. Por exemplo, uma cena de agressão onde o agredido retribua com uma rosa... sei lá, criatividade e inspiração não nos faltam! Uma poema, uma notícia, qualquer cena.
Mas as paradas devem ser rápidas, não mais de 15 minutos. Chega, faz, acontece, marca presença e dispersa. A força virá com a repetição e multiplicação da ação com diferentes grupos, em diferentes locais.
EVOÉ!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A cultura tiririca.

"A democracia tem que ser pluralista, sob pena de renegar-se a si própria. No entanto, a palavra "liberdade" não poderá ser usada onde só existe incoerência e impotência. Essa situação, na maioria dos casos, termina na mais humilhante das ditaduras, isto é, daquela que resulta do conformismo, da mediocridade dos produtos culturais, facilmente vendidos às massas, bastante instruídas para se interessarem por eles, mas insuficientemente educadas para poderem exigir uma melhor situação cultural no campo do divertimento e da informação."
in LAZER E CULTURA POPULAR, de Joffre Dumazedier. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004. Debates, 82. p 283, 284.
Esta é também uma área de risco, onde os alicerces de nosso futuro podem nos levar a mais uma catástrofe.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Papai Noel não existe e não haverá nada de novo em 2011.

Mais uma vez nossa curtura tende a homogeneizar todos os seres humanos.
Não haverá nada de novo em 2011, nem mesmo o ano. Toda a rotina produtiva e escravagista continuará. Você vai acordar com ressaca no dia primeiro de janeiro extremamente frustrado, pois, se não for ignorante, vai perceber que as horas continuarão passando no mesmo ritmo.
A única coisa que muda são alguns números... e mesmo assim, para uma parcela do mundo:
Para os judeus, o ano novo começou no dia 9 de setembro, no Rosh Hashaná, e o ano continuará sendo 5771 por mais alguns meses. Para os chineses, o ano do Coelho só vai começar em 3 de fevereiro, e será o ano 4709 e para os incompreendidos muçulmanos, no dia 7 de dezembro já teve início o ano de 1432, no primerio dia do Muharram.
Tudo bem, é difícil encarar a realidade, amadurecer, e tomar consciência de que Papai Noel só dá brinquedos e eletrônicos para quem tem cartão de crédito. Os pobres apenas ganham brinquedos por causa da caridade, já que não possuem recursos para conquistar dignidade.
Então, aqui estamos nós, comemorando nossa sociedade cristã ocidental extremamente consumista, acreditando que algo se renova neste dia. Pura balela.
Se você acha que algo em sua vida tem que mudar, é você quem tem realizar a mudança, não o ano.
Se você quer algo novo na sua vida, é você quem tem que renovar, não adianta dizer que o ano é novo e seus dias continuarem os mesmos.
O que eu adoro nesta festa são os fogos de artifício. Adoro vê-los. Considero-os uma linda metáfora para o momento. Então, veja os fogos, mas não faça da sua vida um deles, que dá brilho por apenas alguns segundos e se extingue logo em seguida. Não espere por anos novos para ser feliz e fazer de sua Vida algo melhor para você, para nós, para todos, para este Mundo.
Seja Novo, todos os dias!

domingo, 28 de março de 2010

Idade da Vergonha

Se a humanidade sobreviver a este período, é bem provável que ele fique conhecido como a Idade da Vergonha. Tomemos como ilustração o filme ganhador do Oscar neste ano de 2010, Guerra ao Terror... será que reconhecer que a guerra existe porque nos a desejamos pode sinalizar alguma possibilidade de mudança futura? Assim como Kant projetou alguma melhora ao ver as convulsões humanas durante a Revolução Francesa? Leso engano, creio eu. Ao vermos a miséria e ignorância impregnadas neste mundo, ao vermos toda a degeneração humana, toda a violência, todo o planeta convulsionando, tudo em nome de um pseudo progresso, de um processo econômico peçonhento... Repito, se a humanidade sobreviver a tudo isto e conseguir olhar este momento com o distanciamento necessário, sentirá a vergonha pela história que aqui se estabelece.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Apresentação do curso de Filosofia na USJT

Eu tentei ignorar, mas agora, como Filósofo, meu ser interior não me deixou em paz. Então, aqui vai a descrição e crítica de uma palestra de apresentação do curso de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu.
Era a segunda semana de aula, ainda estávamos todos um pouco perdidos com tantas informações, disciplinas, textos, pessoas e professores. Ao chegar à sala de aula, o aviso: Palestra sobre o curso no Auditório da Reitoria. Depois de uma longa caminhada e entrar em alguns auditórios que não eram o da reitoria, encontrei o lugar. Como estava atrasado fui entrando mas ao ver quem estava no palco parei na porta e voltei. Perguntei ao garoto que estava em um balcão próximo: - É o Kid Vinil que está nesta sala?
Ele riu e disse que não, aquele era o reitor e estava falando sobre o curso de Filosofia para os alunos novos. - Você é aluno de Filosofia?
Depois de um aceno afirmativo voltei a entrar no auditório e demorei um pouco a atender o que estava acontecendo. O reitor falava sobre pensamento positivo, ser feliz apesar das dificuldades pois existem pessoas que são cegas e são felizes, e lorota afora.
Um colega de classe chegou a anotar oito razões pelas quais ele poderia sair da sala, mas manteve-se até o final pois determinou a si mesmo o limite de dez razões. O ápice do meu espanto foi quando ele citou o fundador do McDonald's como modelo para nós, contou toda a história de vitória e sucesso daquele vendedor de máquinas de sorvete. A partir deste momento passei a ver os estudantes da São Judas passeando pelo pátio de alimentação como vários BigMac's, Quarteirões com Queijo, Crispy Chicken's, tortas de maça, sundaes de chocolate etc.
Mas o pior ainda estava por vir.
Para ilustrar sua "mensagem" ele passou uma apresentação em powerpoint, daquelas que nós recebemos milhares todos os dias, de amigos e inimigos, de variações sobre o mesmo tema, com cachorrinhos, paisagens bucólicas, musiquinha zen no fundo e nos dizendo que o mundo é lindo se conseguirmos ignorar a realidade.
Putz. Eu apago este tipo de merda do meu e-mail todos os dias e o reitor me obriga a engolir uma.
E a apoteose final: mais uma animação em powerpoint com a propaganda daquele livro conhecido por todos: "O Segredo". Definitivamente, não era o Kid Vinil. O Kid Vinil não falaria tanta inutilidade. Suspiro.
Ao invés de nos falar sobre a importância da Filosofia para o mundo contemporâneo. A necessidade de crítica, de não sucumbirmos ao consumismo desenfreado, de refletirmos e provocarmos reflexão em todos os meios possíveis, de nos propor a lutar pelo fim da miséria e mediocridade humana...
Já tivemos a geração Coca-cola (eu me considero parte dela). Pelo menos havia alguma ideologia e protesto envolvido com esta marca. A União Soviética não permitia a entrada da Coca-cola, só podia ser Pepsi. Eu só tomava guaraná. rsrs.
Hoje nós temos a geração BigMac. O mesmo sabor em qualquer lugar do mundo. E todas as populações almejam ter em seu território pelo menos um McDonald's, ou estou enganado? E não foi o local com maior movimento no último Forum Social?
Na realidade o reitor esta certo. Trabalhe, produza, compre, jogue fora, compre novamente, produza mais, compre mais, recicle, compre novamente reciclado; siga o ritmo da vida, acorde cedo, vá trabalhar, sacrifique sua família para ser pró-ativo e ter sucesso, deixe a vida te levar! Afinal, este é o sentido da vida em um mundo McDonald's.
Estava esquecendo: tome sua dose diária de felicidade mágica! Mas saiba que a felicidade mágica é tão útil para a solução dos problemas da humanidade quanto a morfina é útil para a cura do câncer.

PS: Se queremos falar sobre felicidade, recomendo a leitura de Ética a Nicômaco de Aristóteles. Indico a tradução do grego pelo Professor Antonio de Castro Caeiro, publicada recentemente pela Editora Atlas. Aqui sim pode-se encontrar uma Felicidade que seja necessária a nosso mundo e a nós mesmos.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Mensagem para um Natal

Não me sinto à vontade para desejar um Feliz Natal...
Soa aos meus brios algo hipócrita em mim,
desejar um dia feliz depois de ler uma página como esta:
As dez maiores crises humanitárias de 2009.
Desejaria que milhões de pessoas em estado de miséria
tivessem pelo menos um dia feliz, ou pelo menos um dia com comida.
Mas meu desejo não os afeta, minhas ações menos ainda.
Me resta agradecer ao Deus Todo Poderoso pelo fato
de a mesa em minha casa ser farta,
e nada faltar na mesa de meus amigos!
E vamos começar um ano novo, 2010.
Novamente desejos puros:
Saúde, Sucesso, Dinheiro!!!
Talvez seria melhor um pouco mais de reflexão,
meditar sobre a realidade de nosso mundo e de nossa existência.
Acreditar no poder do pensamento positivo!
Mas para o pensamento ser positivo ele precisa existir...
não basta eu repetir frases de papagaio se eu, de fato,
não penso, não reflito, não medito sobre a realidade que quero mudar.
Posso abraçar alguém que odeio e dizer as palavras:
Feliz Natal!
Posso abraçar alguém que não conheço e dizer as palavras:
Feliz Ano Novo!
Posso repetir milhões de vezes: Feliz Natal e Próspero Ano Novo!
É sobre isto que vou pensar/refletir/meditar,
por horas e horas e horas,
para que eu realmente contribua de alguma forma para que
exista um Natal Feliz e um Ano Novo Próspero,
para todos nós!
George Carlin - Save the planet

sábado, 26 de setembro de 2009

ii!! DIA DOS SURDOS !!ii

Há muito tempo me sentia atraido pela Língua de Sinais. Tive um namorado surdo que me iniciou nesta língua, ele me mostrava seu material escolar onde aprendi os primeiros sinais: casa, amigo, amor.
Foi só a partir de 2008 que iniciei um curso de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais na DERDIC – Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação da PUC/SP e descobri muito mais que uma língua, descobri uma cultura totalmente diferente, outro jeito de pensar e de ver o mundo. Na DERDIC pude conhecer também a longa história de dificuldades que os surdos enfrentaram e enfrentam até os dias atuais.
Aristóteles manteve os surdos na ignorância por dois mil anos pois para ele, por não ouvirem, os surdos eram considerados desprovidos de razão, o que tornava sua educação uma tarefa impossível.
Os surdos foram privados até do céu, pois Santo Agostinho concebeu o ouvido como “a porta da salvação”. Segundo ele, a surdez tornava difícil o recebimento da palavra, do sermão, devido à dificuldade dos surdos compreenderem as palavras faladas.
Mas como sempre aparece alguém do contra, São João de Beverly, arcebispo de York, na Inglaterra, nos anos 700, rejeitou a teoria de Aristóteles e ensinou um rapaz surdo a falar, começando pelas letras, passando depois para as sílabas, vocábulos e frases. Será que este rapaz obteve a salvação da alma também?
Bem mais tarde, Pedro Ponde de Leon (1520-1584), monge beneditino, motivado pela presença de dois padres surdos que viviam em seu mosteiro, desenvolveu um sistema de sinais e foi chamado para a educação dos descendentes surdos de famílias nobres, aristocráticas e inclusive da família real. A existência de descendentes surdos não era incomum devido aos casamentos consanguineos frequentes entre as famílias para conservação de títulos e de posses. Infelizmente todas as anotações sobre este trabalho foram destruídas em um incêndio na biblioteca do mosteiro.
A história da educação de surdos é bastante extensa, e não é meu objetivo escrever um tratado sobre o assunto. Quero apenas destacar que sempre houve uma divisão entre o que se chama de oralidade, que pretende ensinar o surdo a falar, a se inserir no mundo oral, e o uso de sinais, que permite ao surdo o desenvolvimento de uma língua própria.
Infelizmente a ideia que predominou foi a da oralidade, pois acreditava-se que os sinais prejudicassem o desenvolvimento da fala e considerava a Língua de Sinais uma língua inferior. Apenas na década de 1960 os educadores começaram a questionar os baixos resultados obtidos na educação dos surdos através do uso exclusivo da linguagem oral. Paralelamente às análises educacionais, aconteciam estudos e pesquisas linguisticas sobre a Língua de Sinais que demonstraram que, ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, os sinais não se consistiam como gestos holísticos aos quais faltava uma estrutura interna, mas podiam ser descritos em termos de um conjunto limitado de elementos formacionais que se combinavam para definir os sinais.
A análise das propriedades formais da Língua de Sinais revelou que ela apresenta organização formal nos mesmos níveis encontrados nas línguas faladas, incluindo um nível sub-lexical de estruturação interna do sinal (análoga ao nível fonológico das línguas orais) e um nível gramatical, que especifica os modos como os sinais devem se combinar para formar frases e sentenças. Também é possível filosofar na Língua de Sinais.
Em suma, os surdos sempre tiveram que lutar pelo seu lugar neste mundo majoritariamente oralista. Até hoje me perguntam “para que” estudar Libras! Tenho que sorrir perante a ignorância. Se estudasse francês, inglês ou mandarim não existiria tal questionamento. Ora, eu a estudo por ser uma língua visual, diferente de todas as demais, orais.
E a luta não acaba. “A democracia”, afirmou Churchil, “é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”, hoje, no Brasil, a maioria de falantes tenta obrigar, com o nome de inclusão, a que toda a comunidade surda se matricule em qualquer escola, sem a devida preparação de professores, sem respeito a seu bilinguismo.
Sim. O surdo possui duas línguas. A língua escrita, o português, e a língua de sinais. Além do que, os surdos possuem uma cultura específica, que não é e não será desenvolvida em uma escola oralista.
Sim. A inclusão é necessária, mas não através da eliminação ou ignorância da diferença. Assim como nossos indígenas tem direito ao bilinguismo e a escolas onde sua cultura é valorizada, os surdos também tem o mesmo direito; a escolas que desenvolvam o bilinguismo e valorizem sua própria cultura!
É esta a luta neste Dia dos Surdos! Inclusão, sim. Ignorância, não. (As informações citadas neste texto foram extraídas da Apostila de Libras do Programa de Acessibilidade / LIBRAS da DERDIC e foram adaptadas na composição do texto por mim. Qualquer distorção nas informações é de minha responsabilidade.)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sobre a/o a(r)te/o de Vender Livros

“Eu quase de nada não sei, mas desconfio de muita coisa” Assim Guimarães Rosa nos fala na voz de Riobaldo. Assim também imagino Vendedores de Livros, ou os chamados Livreiros! Não sabem de nada (riso), não tem diploma. Mas podem conversar sobre quase tudo, talvez não profundamente, mas com conhecimento de causa, sim. Livros infantis, infanto-juvenis, juvenis, jovens, adultos, maturidade, qualquer sexo, qualquer religião, qualquer opção ideal... História em quadrinhos, mangas, literatura frívola, literatura clássica, literatura de entretenimento, literatura de reflexão, literatura bela, literatura de horror, literatura policial, literatura de suspense, literatura espírita, literatura de auto-ajuda, biografias e autobiografias... Crítica literária, semiótica, linguística, dicionários, ensino de línguas, guias de conversação, guias de viagem... Poesia. Psicologia, Psicanálise, Neurociência, Auto-ajuda, Saúde Mental... Filosofia Ocidental, Filosofia Oriental, Ciências Sociais, Antropologia, Mitologia, Administração, Direitos, Economia, Informática, Matemáticas, Engenharias... Comunicação, Jornalismo, Reportagens... Teatro, Cinema, Música, Dança, Televisão, Astros, Atrizes, Famosos, nem tão famosos assim, ilustres desconhecidos... Artes, Críticas, Ensaios, artistas plásticos, fotógrafos, artistas pós-contemporâneos que todo mundo como você deve conhecer... E pensei e lembrei e escrevi apenas alguns assuntos neste momento de louca lucidez. Fontes? Gargalhada! Jornais, revistas, televisão, mailing, amigo que me disse... Livros encadernados, livros em brochura, livros de bolso, livro eletrônico, livro esgotado... E quanto se paga por este conhecimento? Quanto vale este conhecimento? No Brasil, um Vendedor de Livro, ou Livreiro, não vale o prato que come, não vale o livro que lê. Um Livro pode ser como um remédio, ou droga... não se vende sem receita ou se toma só por ser atraente. Existem efeitos colaterais. Vide a recente discussão vazia sobre livros escolhidos para compor bibliotecas escolares. Um Vendedor de Livros pode ser como um mecânico que troca peças sem necessidade para ganhar mais dinheiro. Assim, um país que se proclama caminhando para um desenvolvimento mantém aqueles que garantem a fonte e o fluxo do conhecimento a toque de fome, sem perspectivas, sem crédito em seu trabalho. Assim os dirigentes neste mundo se iludem sobre um futuro promissor. Este futuro não virá enquanto cada um de nós não tiver seu devido valor! Este futuro não virá enquanto o acúmulo de riquezas for mais importante que a diversidade da riqueza humana. Este futuro não virá enquanto todos os seres humanos não tiverem acesso à dignidade, ao conhecimento e reconhecimento de ser quem é, como é. Simplesmente, penso eu, este futuro não virá.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Era uma vez...

Minha infância foi ilustrada por contos de fadas, bruxas, heróis e vilões. Até hoje guardo na memória uma coleção de quatro volumes grandes, capa dura e vermelha, com desenhos lindos e uma frase destacada em uma caixa amarela no pé da página. Até hoje guardo no coração momentos deitado na cama ao lado de minha mãe enquanto ela lia aquelas histórias para mim. Eu ficava fascinado! Todas aquelas histórias contidas, impressas, impregnadas naqueles rabiscos pretos traduzidos pelo olhar de minha mãe. Tinha a história de um patinho feio, desprezado pelos próprios irmãos, e que vinha a ser o cisne mais bonito e admirado da lagoa onde vivia. Tinha também a história de um sapo feio e nojento que na verdade era um príncipe amaldiçoado e que voltava a ser realmente príncipe quando recebia um beijo de amor. No conto de fada isto era possível e se realizava: antes, um sapo amaldiçoado, depois, um príncipe encantado. Muitos anos se passaram. Antiguidades. Renascimentos. Romantismos. Modernidades. Pós... Nietzsche e Freud apregoaram há pelo menos um século que Deus, os Mitos e os Heróis estão mortos! Riso. Eis que surge, nos dias de hoje, um mito: Susan Boyle. Pato em cisne, sapo em príncipe; são analogias ingênuas. A mídia (não vou usar o termo mercado para não ser rotulado de Marxista) produz e se alimenta dos próprios filhos Kronologicamente. Na televisão brasileira já temos sua proliferação sistemática: tenha seu momento Susan Boyle; seja você também uma Susan Boyle; e variações sobre o mesmo tema. Altas audiências, intensa procura, produtos e derivados. Susan Boyle outrora feia, ridicularizada e frustrada, em uma fração de minuto atinge milhões de pessoas espalhadas pelo mundo que passam a dizer que a conhecem, que a amam. No dia seguinte (ou naquela mesma noite) milhões de pessoas espalhadas pelo mundo se viram no reflexo de um espelho e disseram para si mesmas: eu também sou uma Susan Boyle (sem fama). Suspiro. Nietzsche e Freud apregoaram há pelo menos um século que Deus, os Mitos e os Heróis estão mortos! Mas a mídia precisa da produção incessante de deuses, mitos, heróis e seus derivados para se alimentar. O resultado, na minha opinião? - Excesso de lixo. E repetindo o que já é cansativamente dito, nosso planeta já está saturado com tanto lixo. Se há valor em Susan Boyle? Sim, há! Assim como existe valor em cada um dos que a vêem e que se vêem em sua imagem. Apenas me pergunto: quando nos olharemos no espelho e teremos orgulho de ser o quê somos? Não orgulho de ser quem somos: Miguel, Susan, Jesus ou Sidarta. Mas orgulho de ser o quê somos: Humano (demasiado humano).