Travesti assassinada em Simões Filho, Bahia, em 4/8/2010.
Em 1934, na Alemanha nazista, Martin Niemöller era um
pastor luterano e acreditava ainda que poderia discutir com os novos donos do
poder. Numa recepção na Chancelaria em Berlim, ele contestou Hitler, que queria
eximir a Igreja de toda responsabilidade pelas questões "terrenas" do
povo alemão:
"Ele me estendeu a mão e eu aproveitei a
oportunidade. Segurei a sua mão fortemente e disse: 'Sr. Chanceler, o senhor
disse que devemos deixar em suas mãos o povo alemão, mas a responsabilidade
pelo nosso povo foi posta na nossa consciência por alguém inteiramente
diferente'. Então, ele puxou a sua mão, dirigindo-se ao próximo e não disse
mais nenhuma palavra."
Logo depois deste encontro Martin
Niemöller foi preso. Hitler enviou o pastor como seu "prisioneiro pessoal" para um campo de concentração. Até o
fim da guerra, durante mais de sete anos, permaneceu preso – inicialmente, no
campo de concentração de Sachsenhaysen, depois no de Dachau. Niemöller é o autor de uma célebre citação: “E Não Sobrou
Ninguém” tratando sobre o significado do Nazismo na Alemanha:
"Quando os
nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era
comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque,
afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu
não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus,
eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não
havia mais quem protestasse."
Existe um poema chamado “Indiferença”
que é atribuído a Bertold Brecht, mas na verdade é uma das muitas versões desta
citação de Martin Niemöller:
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afetou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.
No Brasil também tivemos uma variação deste poema,
escrita por Eduardo Alves da Costa. Este poema
se chama “No caminho com Maiakóvisky”, o que também gerou bastante confusão em
relação à sua origem:
E roubam uma flor
Do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem
Pisam as flores
Matam nosso cão
E não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a luz, e,
Conhecendo nosso medo,
Aranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
Estou postando estes textos para lembrar a
importância de questionarmos um comentário infeliz como o de Danilo Gentilli.
Concordo com o fato de que todas as formas de violência devem ser combatidas,
mas enquanto ignorarmos que existe grupos de pessoas que sofrem mais violência
do que outras, enquanto não identificarmos estes grupos e a origem destas
diferentes formas de violência, e não dermos destaque ao que está acontecendo, estaremos
apenas repetindo a mesma história que ocorreu na Alemanha com o pastor luterano
Martin Niemöller, e quando a violência invadir nossa casa, talvez já não
possamos dizer nada.
Igor Xavier, bailarino e coreógrafo, assassinado em 1/3/2002.