sexta-feira, 20 de julho de 2012

E o dia segue em Manaus

Teatro Amazonas
     Compradas as passagens de navio, outros afazeres eram necessários. Providenciar recursos financeiros no banco, adquirir uma rede. E assim o dia seguiu.
     Ainda era manhã, cedo. Tudo corria muito bem. Nenhum compromisso pendente. O que fazer? Uma visita à Ponta Negra, uma praia artificial nas margens do Rio Negro, próxima à cidade, ao lado da ponte. Identificado o ônibus urbano que me levaria até a praia, lá fui eu.
     O passeio urbano foi, também, bastante agradável, e a praia me surpreendeu pela beleza, mas também pela quantidade de lixo que estava sendo retirado de lá. Metade da praia já estava limpa, e na outra metade uma multidão de garis se empenhavam na limpeza daquela quantidade assustadora de lixo que disputava espaço com a areia. Suspiro. Por que a gente é assim?
     Mas a estrutura da praia é ótima: calcadões, escadarias, mirantes, fontes, um palco com platéia em forma de arena voltada para o rio. Uma linda obra arquitetônica irmanada com o espaço natural - o rio, pois a areia foi inserida no espaço para que a praça existisse. Com o tempo esta informação será ignorada, e a praia será naturalmente incorporada à existência do rio. Em minha cidade natal também existe um lago que passou por este processo. É a mão do homem à imagem de Deus.
     O Rio Negro tem águas da dor de ferrugem. Não é feio, ao contrário, é muito bonito! Mas não se vê nada dentro dele, mesmo usando óculos de natação. Ao fundo da paisagem vemos a outra margem do rio, e ao lado a ponte que o atravessa, uma ponte imensa, grandiosa, humanamente bela e, no calor das horas, o banho de rio era o sumo do prazer. Água doce, sem ondas, pisando em areia, corpo imerso sem medos, e as horas iam passando, lentamente.
     As companhias sempre se apresentam e, por mais misantropo que eu seja, alguma conversa sempre se estabelece com desconhecidos. Neste banho de rio conheci a Fran, Françoise, uma cabeleireira em Manaus, transexual. Foi uma conversa de amenidades, uma troca de pequenas histórias de nossas vidas. Estas trocas humanas enriquecem a viagem pois não podemos ir em busca apenas de paisagens e monumentos. Este encontro com paisagens humanas é magnífico.
     E como as horas, apesar de caminharem lentas como o rio, teimavam em seguir seu curso, o corpo sentiu a costumeira fome, o sol alto e agressivo me convidava para uma sombra. Decidi então me afundar uma última vez, me despedir da Fran e do rio, fazer uma última caminhada pelo calçadão, tomar um sorvete e fazer um último ritual de despedida do alto do mirante. Assim fiz.
     Seguiu-se a caminhada a um ponto de ônibus que não demorou a chegar. De volta ao centro da cidade passei pelo hotel para tomar um banho, melhorar os trajes, proteger a pele, e seguir até um restaurante indicado pelo amigo no dia anterior. Feita a refeição regular, voltei para o hotel descansar um pouco e fugir do calor daquela tarde.
Igreja de São Sebastião
     Ainda não era noite quando sai do hotel novamente para caminhar pela Praça e conhecer a Igreja de São Sebastião.
     Queria curtir o fim daquele último dia em Manaus na Praça do Teatro Amazonas, no Bar do Armando, um tradicional e precário boteco ali existente. O atendimento é péssimo. É necessário implorar por uma cerveja. Talvez, por ser um bar tradicional eles apenas atendam fregueses tradicionais, e os turistas e estrangeiros não são bem recebidos pelas razões já expostas. Mas como insisti em ficar, depois de um grande tempo sendo ignorado pelos garçons, tomei minhas iniciativas e consegui uma cerveja e o cardápio. Apesar de uma faixa enorme anunciando o bolinho de bacalhau português, o mesmo só era vendido em porções grandes, não sendo possível obter uma "meia porção". Optei então pelo sanduíche tradicional de pernil que combinou com o atendimento, isto é, um sanduíche sonso, caro e pequeno. Acho que a tradição do bar é ser ruim, vai entender estes casos. Neste momento senti saudade de outros sanduíches de pernil tradicionais, do Estadão, do BH na Augusta... enfim, não faltam boas referências. Quem já comeu sabe o que é, realmente, um sanduíche digno do título "tradicional". Mas ainda insiste em uma caipirinha, que também entrou para o rol das piores que já tomei. Nem eu consigo fazer uma caipirinha tão sem graça e aguada.
     Desisti de ser feliz no Bar do Armando. Fui até a outra esquina da praça tomar um delicioso suco de Taperebá (fiquei viciado neste suco aqui no Norte) e para aplacar a fome repeti o Tacacá da Gisela.
Praça Amazonas
     A noite se fez e, comendo o tacacá, me sentei nos bancos da praça onde haviam instalado um telão. O filme em cartaz era Avatar. Já havia assistido a este filme em 3D em São Paulo, mas assisti-lo inserido no universo amazônico entramos em n-dimensões. Foi um misto de respeito, de consciência, de preocupação. Me senti fazendo meus pedidos para Eywa junto com o Jake.
     Fim do filme, suspiros profundos, mais uma caminhada, uma pequena busca para prosseguir a noite, afinal, esta era a noite de despedida de Manaus, Para o dia seguinte a passagem para Santarém já estava comprada.
      Caminhei até uma rua onde existem algumas boates e bares com a boemia mais intensa da cidade. Escolhi um bar que, para ironia com os pretensos cristãos, se chama "Paraíso".. Ai sim, um bom atendimento, tradicional, como somente estes lugares tem a dignidade de oferecer, onde todos são bem-vindos, todos são iguais perante uma cerveja gelada. Mas como não pode deixar de ser, todo bar tem seus encostos, mas, dos males, o menor. Deixei uma dose para Exu e assim terminei minha cerveja e minha última noite em Manaus.

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